quarta-feira, 18 de junho de 2014

Observando pela fechadura




Imagem: Reprodução



Observar as obras do Criador pela fechadura, assim prossigo minha existência. Há alguns anos tive a oportunidade de conhecer o mundo a partir da visão de Vitor Hugo através de sua obra Os Miseráveis. Seus personagens me pareciam particulares, próximos. Pessoas que lutavam por sua dignidade mudando seu comportamento diante da vida, apesar de carregar um pesado fardo por seus erros passados e já pagos. Dia desses, ‘reconheci’ um desses personagens modernos. Já por algum tempo tenho analisado o comportamento de Vlad (o denominarei assim). Vlad é o homem que meu imaginário havia criado. Homem de coração nobre e que a vida não lhe foi generosa. Pai de alguns filhos, busca no uso de entorpecentes a desconexão de todo o sofrimento vivido e padrão de vida digno que não pode dar aos seus filhos. Mais uma vítima do sistema. Numa dessas manhãs de caminhada ele me abordou de forma desesperadora. Relatou suas histórias particulares de forma sincera e como se eu fosse capaz de desembolar cada nó que vida fez, desde a sua infância feliz até o revés que sua história sofreu ao mudar de cidade e perder todos os sonhos de criança. Nos sentimos impotentes diante de um poder que nos é confiado e não o temos. O meu ser interior estava desinquieto, enquanto o exterior demonstrava um controle invejável. Quantas vezes nos obrigamos ser fortes para não enfraquecer outros! Descobri que sou capaz de demonstrar empatia. Aliás, me colocar no lugar do outro é o que mais me obrigo a fazer nessa minha breve existência. E isso não é fácil! Me coloco no lugar daquele ser que me ama e não posso ser recíproco. Imagino o quanto isso é doloroso. Mas essa é outra história. Ainda sobre Vlad, eis um homem marcado para sofrer por toda vida. E essa profecia me parece demasiadamente cruel. Me sinto como se estivesse sentando no trono do Criador. Mas minha reflexão é sobre como a vida trilha caminhos diferentes para cada ser. Na verdade, existe algo secreto em cada um. Aquela parte da história que deixamos de contar. Senti que havia um fio solto nas falas de Vlad. Algo que faria toda sua história fazer sentido. E acreditem, a vida tem sentido! Fazemos parte de um grande emaranhado de fios em que tudo se conecta e conclui algum ciclo. Vlad vive uma versão moderna de Jean Valjean. Se arrependeu de seus erros, mas sofre com o julgamento de toda uma sociedade. A mesma sociedade que prega o perdão e não a pratica. Por isso, muitas vezes tenho impressão que minhas ideias não se juntam. Ao mesmo tempo que sento no trono do Criador me retiro dele, pois nossa existência não deveria haver espaço para julgamentos. E falando dessa forma demonstro incoerência por já estar julgando. O fato é que não consigo ver como a história de Vlad há de ter fim. Às vezes, olhar pela fechadura nos deixa com a pulga atrás da orelha.

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