quarta-feira, 22 de julho de 2015

O silêncio como resposta


Reprodução


“Eu fui criada no cristianismo. Aprendi a ser humilhada em silêncio”. Essa frase me causou um turbilhão de questionamentos. Toda vez que passo por um período de extrema felicidade – e tenho medo da solidão, que provavelmente se aproxima – leio Miguel como uma forma de manter esse momento e fortalecer seu significado. Dessa vez não procurava um texto específico, por isso escolhi de maneira aleatória. Sempre achei Miguel um mestre das palavras, me toca profundamente com seus textos e crônicas. Essa leitura teve um ‘quê’ diferente, um peso inesperado. Esse momento de euforia se encerra, coincidentemente, com o fim dos dias de sol e início de um período nublado, característico do inverno. Aprendi a sofrer, ser humilhado, a ser feliz, a amar em silêncio. Somos moldados assim todos os dias. O mundo do ‘politicamente correto’ não nos tem permitido viver com transparência. Ser feliz em excesso é considerado errado, injusto, sempre haverá algo de errado nesse estado. Amar. Tarcísio disse que as pessoas não amam mais. Concordo. Não consigo definir se por medo, desinteresse, falta de tempo ou outra desculpa qualquer. As pessoas simplesmente não parecem se importar mais. Vivo num tempo em que pareço não pertencê-lo. Quanto à humilhação essa tem mesmo que ser no mudo. Temos a obrigação de nos mostrar fortes, principalmente se nos tornamos a âncora emocional de alguém. Passamos por humilhações gélidos, sem qualquer tipo de reação. Sofrer é sinal incontestável de fraqueza. Na era das redes sociais muitos fingem desconhecer a existência e significado desse sentimento abstrato. A verdade é que me esvaziei, como um refrigerante que foi deixado acidentalmente aberto e perdeu todo seu gás. Aprendi a ser muita coisa em silêncio por medo, por aceitação, por conveniência. Fui vítima e réu de promessas desfeitas, de lembranças confusas, de certezas absurdas. Tornei-me um labirinto infindável de mim mesmo. Sou o personagem que criei ou o que realmente sou? Quem me consegue interpretar, definir, sem as lentes da admiração, amor, maldade, desprezo? Quem me enxerga do tamanho que realmente sou? Aliás, quem enxergaria? Gosto dessas perguntas. Não tenho as respostas. Aprendi a me perguntar em silêncio e ouvir o silêncio como resposta.

terça-feira, 21 de julho de 2015

BANALIDADES ETERNAS





Fabrício Carpinejar


Você esqueceu o tamanho de sua vida? Largue o Facebook e sua linha cronológica. Apague o celular e o laptop, desligue-se da virtualidade e das imagens editadas e com filtro.
Precisa do brilho da poeira voando, da companhia dos ácaros e das traças. A alergia é prova do retorno ao passado. O espirro é o nosso túnel do tempo.
Vá até a garagem ou o quartinho ou o alto de um armário ou debaixo de sua cama, onde esconde as tralhas de seu passado físico. O passado de papel e de objetos, o passado de fotos, canetas coloridas e medalhas de latão. Tem que enfrentar o trabalho de abrir caixas fechadas, romper a fita adesiva com estilete e lamentar o elástico das pastas estourando.
Mexa nos cadernos da escola, acompanhe a mudança de sua letra, o quanto era caprichada no Ensino Fundamental e ganha contornos de euforia, rebeldia e pressa. Começa emendada e submissa, em seguida vira separada e caixa alta, sem respeitar mais nada, nem pai, nem mãe, muito menos vírgula. Duvido que não se emocione. Soltará uma gargalhada de saudade ao reencontrar o rabisco de algum colega no forro da capa dura. Como existia valor naqueles recados de amizade eterna vencendo o nosso tédio nos dois períodos de matemática na segunda-feira de manhã! Ninguém merecia despertar fazendo cálculos. Lembrará que já foi muito amado. Lembrará as provas difíceis que enfrentou afixando fórmulas pelas paredes do quarto. Achará guardanapos de bares, figurinhas avulsas de álbuns, letras de canções em inglês traduzidas grosseiramente e sinopses de filmes. Observará o mundo em miniatura com atenção extrema, respirando devagar, buscando reconstituir o tempo de suas escolhas e o ineditismo de suas descobertas. Vários rostos dedilhados serão novamente atuais. Concluirá, estranhamente, que nenhuma lembrança morre na data que aconteceu. Emocionado, quase chorando, não se contém de vergonha e se repreende em voz alta: – Era o que faltava, virar poeta depois de velho.
Do fundo das caixinhas de CDs e fitas cassetes, puxará um envelope perfumado com uma carta de amor. Escrita por namorada da escola, no instante em que ela rompe o namoro de dois anos.
– Por que você conservou esta tristeza?, – pergunta a si mesmo. E logo responde: – Para rir dos próprios dramas, só pode ser.
Você jurava que morreria, que se mataria, que nunca amaria de novo naquela época. E sobreviveu e recuperou o coração e amou tantas e tantas outras vezes.
É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, as suas opiniões mudando, os gostos se transformando radicalmente, que nada é definitivo e tudo é eterno.
Não perceberá que está há mais de quatro horas sentado no chão e revirando coisas antigas. Não viu o tempo passar. A gente nunca vê o tempo passar. Mas é ele que nos olha e nos guarda.


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 21/07/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18233

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Nunca Mais

Miguel Falabella

Hoje estou desatando da memória as imagens de amor. 
As minhas, as nossas imagens de amor, 
porque as coisas são como são: 
no momento em que escrevo e no momento em que você lê, 
abrimos esses arquivos de imagens geradas a partir do amor, que são 
- vamos admiti-lo antes que seja tarde, 
- os nossos arquivos prediletos. 
Tudo o que realmente nos interessa está arquivado ali. 
Na câmara escura das nossas recordações. 
Imagens que vamos recolhendo vida afora. 
Elas têm nome e uma história para contar, cada uma delas. 
E nostalgia.
Nada mais é do que a  saudade da emoção vivida, 
num determinado momento que passou veloz. 
Emoções e emoções e ainda tanta emoção a ser vivida! 
Muito além dos indivíduos, além das particularidades. 
E todas essas químicas se processando no nosso corpo, 
pois há quem diga que amor nada mais é do que uma sensação provocada, 
para evitar a loucura da espécie e perpetuar o predador. 
Uma ilusão passageira, uma descarga de substâncias certas no sistema. 
Lubrificação. 
Cuidados com a máquina.

Seja lá o que for, andei tomando resoluções práticas para a existência. 
Porque nunca mais nesta vida quero ter saudade de beijo. 
Nunca mais a nostalgia daquele mundo de línguas 
dançando balé no céu das nossas bocas. 
Nunca mais!

E juro que nunca mais nesta vida quero tentar entender o amor. 
Quero deixar que ele passe por mim, como um pé de vento 
que sopra folhas e poeira num arranjo aprumado. 
Eu fico ali, no meio do redemoinho, só achando tudo muito bom. 
Depois, o amor se vai e a gente continua a tocar a existência. 
Assim é que deve ser.

Nunca mais nesta vida quero gente se indo. Já está de bom tamanho. 
Coração da gente vai absorvendo os golpes: 
que são muitos e de todos os lados, sempre. 
Com quase todo mundo é assim. 
De repente, as pessoas começam a ir embora, por morte matada e morrida, 
por desamor, por tristeza, por ansiedade, por medos diversos, 
seu coração vai recebendo as pancadas e uma hora dá vontade de dar um berro, 
sair vomitando as mágoas todas que a gente foi engolindo.

Nunca mais gente partindo sem motivo aparente, 
sem dar nome aos bois ou uma denúncia vazia. 
Nesta vida, nunca mais!

E nunca mais, nesta breve passagem, a palavra não dita, o gesto parado no ar, 
dissolvido antes do afago. Nunca mais a dose nossa de orgulho besta, 
a solidão das noites perdidas por amor desenganado, o coração parado, à espreita. 
Isso, não. Quanto mais o tempo passa, mais a urgência da felicidade ilusória 
e da química do bem-estar, essas coisas todas que se operam em nossos íntimos. 
Nunca mais.

Nunca mais um dia atirado ao nada, 
nunca mais o verbo que não se completa, 
todas as palavras que não foram ditas - verdades -, todas elas, 
uma após a outra, formando frases, pensamentos, sentimentos, 
amor costurando o texto, 
que é linha que não refuga de jeito nenhum.

Nunca mais!
O coração se magoando todo o dia,
a gente engolindo sapos e lagartos e se esquecendo 
de que é capaz de mudar cada uma das histórias, 
reescrever o livro das nossas vidas. 
Uma hora mais cedo e a cena teria sido outra ou o que teria acontecido 
se você não tivesse ido àquele lugar, àquela noite,
quando o universo conspirava contra nós, ou a nosso favor?

Quem é que vai nos explicar? 
Ninguém. Ou alguém.

Não morra sem viajar sozinho


Reprodução

 Viajar sozinho é um grito existencial de liberdade. Estar a deriva, jogado ao acaso, se virar na lei global da selva, sorrir quando não se sabe dizer, descobrir espaços em você que até então estavam dormentes.

 Deixar bagagens mentais e problemas que vieram junto se diluírem pelo caminho. Você a as nuvens. Não, não é tão difícil assim; vai depender das suas escolhas.

Costumo dizer que quando fazemos um caminho e nos perdemos, se estivermos acompanhados de alguém isso se torna até algo divertido, prazeroso, se perder de dois nunca é tão grave assim. Mas quando se está sozinho, se perder sozinho só é agradável caso você esteja viajando. A coisa que eu mais gosto de fazer quando viajo é isso, me perder.

 – One information please? How can i lose my self?

 Posso afirmar que tudo que de melhor me aconteceu em minhas viagens foi me perdendo, me entregando a situações que não tinham hora para fechar, que não tinham batalhões turísticos tirando foto, que não tinham no meu guia Frommer’s.

 Foi assim que em uma madrugada no Havaí, pulei a cerca de um parque que já estava fechado, atravessei um vale carbonizado por uma hora e me deparei com um lindo vulcão que despejava lava contra o mar, o Kilauea.

 Foi assim que em Berlim fui parar em uma cervejada dentro de uma estação espacial desativada toda feita de motivos ufológicos, a beira do rio Spree. Nela haviam senhores loucos falando sobre extraterrestres, vários videos reveladores em projeção, muita piração e cervejas do leste europeu.
Foi assim que em Golden Coast na Austrália, eu fui parar em um parque de diversões de um brinquedo só. O brinquedo era o oposto do elevador do Playcenter. Ele te lançava para o espaço com uma rapidez de querermos vomitar o estômago. E o mais legal, ele tinha duas vagas, e eu fiz amizade com uma muçulmana que topou ir comigo.

 Quando viajamos sozinhos não se faz necessário negociar nossa liberdade com o outro. Você se reinventa, você é livre até para ser quem você (não) é,  pra decidir cancelar todo o roteiro do dia e sentar numa praça só para ver a vida passar, puxar assunto com gente nativa e saber um pouco mais sobre como é morar naquele lugar. Mas não se entristeça. É possível viajar sozinho, mesmo se estando acompanhado. Os companheiros ideais de viagem são aqueles que te deixam livre, que não pesam com a presença.

 Que são capazes de entender quando você não está a fim de ir no Louvre e que aceitam se separar por um dia para que cada um faça o que está a fim, que aceitem “relacionamento aberto” em viagens. Lembrando que isso vale mais para amigos e parentes; em casal isso fica mais difícil de se aplicar.

 A última dica para se viajar “sozinho em dois” é quase uma regra: nem sempre o seu melhor amigo é o melhor companheiro de viagem. Às vezes aquela escolha aleatória decidida no meio de uma conversa com um meio amigo pode render uma bela viagem. Sim, é geralmente assim que aparece a pessoa ideal para nos acompanhar.

 Um dos melhores lados de viajar sozinho é saber que no seu destino tem sempre alguém te esperando, e geralmente esse alguém ainda não sabe que está. Viajar guarda o lado mais bonito do encontro, ou do reencontro.

__
Fonte: Escrito por: Eduardo Benesi – Via: Entenda os Homens

terça-feira, 14 de julho de 2015

AGUENTE DECLARAÇÕES DE AMOR SEM GRACINHAS




Fabrício Carpinejar


O sarcasmo destrói a sinceridade.
Já fui vítima e já fui algoz.
O homem, principalmente, tem vergonha de se declarar e vive se escondendo em brincadeiras. Tem vergonha de se emocionar e vive mascarando com piadas os momentos próximos das lágrimas.
É perceber que vai chorar ou umedecer os olhos que ele retira uma ironia do fundo de si para escapar ileso da entrega.
Em vez de retribuir uma delicadeza ou entrar no clima romântico, ele vem com uma grosseria para tentar descontrair.
Não faça mais isso, aprendi a não fazer.
É tão difícil ser sincero, leva muito tempo para o outro encontrar força para dizer algo importante, não banalize o encontro com a sua desatenção.
É custoso formular o que talvez nunca tenha sido dito para ninguém, não estrague com o deboche.
Sua namorada pode ter atravessado décadas naqueles minutos para entender um sentimento e partilhar uma verdade.
Relembre seus amores platônicos e doloridos da infância: quantas vezes procurou se declarar para uma menina, as frases subiram até a boca e voltaram ao silêncio? Você deseja que sua companhia passe pelo mesmo sofrimento?
Ninguém é covarde sozinho. Somos covardes porque nos deixam sozinhos com as palavras, não somos ajudados a falar o que nos incomoda.
Apoie a coragem de sua namorada.
Devemos economizar e preservar as confissões de amor. Devemos valorizar e inspirar as confissões de amor.
Temos que diferenciar a hora da ironia da hora de falar sério.
Não desestimule a sinceridade com palhaçadas. Drama pede meia-luz, mãos dadas e olhos nos olhos (o gênero comédia romântica é uma mentira – é só romance, colocaram comédia no nome para forçar o namorado a ir ao cinema).
Não dê motivos para que ela desconfie de seu compromisso – é o que acontece quando reage superficialmente diante de conversas mais profundas.
Fique quieto, parado, ouvindo, sei que você se enxergará emparedado, encurralado, assustado com a queda repentina de testosterona no corpo, pronto para abrir a porta do riso e sair correndo, mas segure a respiração e suporte escutar que você é a pessoa mais importante de alguém, sem baixar a cabeça, sem buscar refúgio no celular, sem nenhuma gracinha.
Serão juras que salvarão o relacionamento quando estiver em crise.


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 14/07/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18223

segunda-feira, 13 de julho de 2015

O custo do trabalho



Bruno, como tantos homens no começo dos trinta, vive pra sua carreira, trabalha demais e está sempre cansado. Chega em casa com o corpo tão moído e o cérebro tão entorpecido que não consegue fazer nada de útil ou produtivo a não ser se embatatar diante da TV e zapear entre seriados.

Quando fui visitá-lo, tinha acabado de comprar o DVD da primeira temporada da Super-Máquina, uma das séries mais idiotas da década de oitenta. Para assistir as aventuras de um agente secreto cabeludo que viaja pelos EUA resolvendo crimes com seu carro falante inteligente, Bruno pagou duzentos reais.

Entre confidências de fim de noite, confessou admirar minha vida. Disse querer muito ver a vida como vejo, não dar tanta importância às coisas bobas, saber relaxar mais, viver de forma simples e serena.

Respondi que viver a minha vida era muito fácil. Trabalhar menos, gastar menos, nada poderia ser mais simples. Mas tinha um preço: era preciso sair do circo de consumo. Abdicar de ser consumidor.

DVD da Super-Máquina tinha sido comprado com duzentos reais que ele ganhara trabalhando quinze horas por dia, às vezes seis dias por semana. “Eu mereço uma diversãozinha leve!”, ele disse para si mesmo. Afinal, o DVD custara somente meia hora do seu trabalho, um sacrifício ínfimo.

Para fins de comparação, nessa época, ganhava sete reais a hora num cursinho de inglês do subúrbio. Eu teria tido que trabalhar trinta horas para comprar esse DVD.

Então, se ele trabalhasse menos e ganhasse menos, se não tivesse um trabalho com tanta pressão e com tantas responsabilidades, não teria duzentos reais dando sopa assim para gastar em besteira. Provavelmente, teria que investir esses duzentos reais em arroz, feijão, leite, batata.

Mas, por outro lado, se não trabalhasse quinze horas por dia, às vezes seis dias por semana, em um emprego massacrante que lhe sugava a alma e lhe cuspia de volta em casa completamente incapaz de qualquer atividade remotamente produtiva, ele não estaria sempre exausto e não precisaria anestesiar sua consciência assistindo DVDs de seriados idiotas.

É tudo uma coisa só, una, indivisível, duas partes inextricáveis do mesmo mecanismo: o mesmo mercado que te possibilita os meios de consumir é o que faz vocêprecisar consumir.

De um modo bem real, Bruno não tem “tempo livre”. Quando não está trabalhando, está descansando o cérebro de tanto trabalho e se preparando para poder trabalhar mais. Mesmo quando está longe do trabalho, seu tempo é sempre definido em função do trabalho.

Por Alex Castro

sábado, 11 de julho de 2015

A geração do “promova o desapego”

por Nathalí Macedo


Alguns amores modernos me assustam. Esses amores efêmeros, frágeis, superficiais. Esses amores que destoam assombrosamente do que um dia já pudemos, com todas as letras e toda a certeza, chamar de amor.

Somos a geração das selfies, do beijinho no ombro, do rei do camarote, do “promova o desapego”. A geração do egocentrismo cego. É tanta mediocridade que o amor genuíno arrumou suas trouxas e foi-se embora.

A verdade é que vivemos relações descartáveis. E se num dia o amor parece transbordar pelos poros, converte-se, vertiginosamente, em ódio ou desprezo, no momento em que a atração termina ou surge uma mínima mágoa.

Ninguém ama o outro depois que a relação deixa de ser conveniente. Pior do que isso, alguns não conseguem expressar sequer a mínima humanidade em relação àquele que julgou amar um dia. Ninguém quer que o outro seja feliz em outros braços – alguns preferem, aliás, vê-lo mendigando afeto, chorando de saudade, lamentando o fim da relação. O egocentrismo grita alto e ordena que, se o outro consegue superar o fim do relacionamento, devemos nos sentir diminuídos. Que desejar a felicidade do outro é incompatível com buscar a nossa própria felicidade. O egocentrismo cego nos diz que temos que mostrar que não nos importamos, que somos felizes e desapegados. Que temos que sorrir cada lágrima do ex.

Nesse oceano de modernidade, é bom lembrar que não são os amores não duráveis que me assombram; compreendo que a cada um assiste o direito de trocar de parceiro como quem troca de roupa, se isto lhe faz feliz. O que me assombra é a capacidade humana de converter amor em ódio, o bem querer em desprezo, o apego em maldizer. É a velocidade com que fotos românticas são substituídas por indiretas ácidas, e declarações de amor por palavras amargas e cheias de mágoa.

Temo que a geração do egocentrismo já não saiba amar nada além de si mesma. Temo que tenhamos desaprendido a, simplesmente, querer bem. A manter o respeito pelo outro quando o próprio amor já não existe. Temo que ninguém mais consiga elevar seu espírito de tal modo que o desapego passe a ser uma consequência, e não uma busca implacável, uma mentira deslavada que contamos para nós mesmos.

E que sejamos nobres o suficiente para querer bem ao outro sem que precisemos esfregar a nossa felicidade na cara de ninguém. Que cada um compreenda que estar de bem com a gente mesmo é o que importa, no fim das contas, e que querer ver o fiasco daquele que um dia já nos fez feliz não é exatamente uma atitude madura. Pior do que isso: é mesquinho. E que o fato de amarmos – no sentido humano da palavra – a quem nos fez sofrer por um instante não significa que não amamos a nós mesmos. Às vezes, pode significar justamente o contrário:Por que só distribuímos o que temos de sobra. E que um dia se possa compreender que o amor genuíno nunca deixa de existir: ele só muda de forma.

Fonte: Entenda Os Homens

quinta-feira, 9 de julho de 2015

QUEM CONCORDA COM TUDO NÃO ESTÁ MAIS CASADO


POR FABRÍCIO CARPINEJAR

Obediência é sinal de abandono de relacionamento.

Você pode acreditar que o outro lado finalmente se rendeu, deu o braço a torcer, aceitou mudar seus defeitos e que agora ambos viverão em harmonia o resto dos dias.

Você pode elogiar a transformação completa do temperamento de sua companhia aos amigos e familiares:

- Está tão manso, nem discutimos mais, aceita qualquer coisa que eu diga, sem oposição, sem pegar no pé.

Mas é uma ilusão, uma miragem comportamental. É exatamente o oposto. Entenderá, então, que fingir o orgasmo nada é perto da desfaçatez de quem é capaz de simular um bom-dia.

Se o marido ou a mulher passa a concordar com tudo, nem perde tempo defendendo a sua opinião, é que já pulou para fora do casamento, preparou as malas, dividiu os bens, avisou a vizinhança do desastre conjugal.

A paz é desistência. A suspensão das discussões demarca o fim do fôlego, jamais o fim das diferenças.

Quem ama nunca termina de se entender e de produzir debates acalorados para ver quem tem razão.

Quando o par suspende sua implicância cotidiana, cessa as crises de insegurança, se deixa o outro absolutamente livre e solto para sair e voltar na hora que quiser, longe do charme da preocupação, por mais que pareça maturidade, é que acabou o amor.

Discernimento demais representa desinteresse.

O disposto a terminar parece que está feliz, mas só pretende se livrar da conversa chata o quanto antes, mesmo que tenha que mentir e contrariar suas convicções.

Não está mais encarnado ali naquela aliança. Começou a economizar sua disposição para futuros romances, não gastará energia à toa numa convivência fracassada. Virou uma ovelha de propósito, com a ambição de engrossar a lã, esperar a poda e aquecer novos corpos. 

A submissão matrimonial sempre esconde o golpe de estado, a virada de mesa, a vingança. O sim e o ok compulsivos são disfarces.

O marido, agora bajulador, ou a mulher, estranhamente calada, cansou de apostar na vida de casal. A ruptura acontecerá dentro de poucos meses. A despedida vive seu permanente ensaio: dormir é planejar como se despedir e o que escrever no bilhete.

Desconfie das respostas excessivamente bondosas. Talvez represente o ocaso da paciência e da esperança de uma das partes. Alguém mudou de alma e mantém o endereço por mera formalidade.

Fonte : O Globo

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Aquele abraço que nos salva do fim do mundo

por Eduardo Benesi
 

Todo abraço tem a calmaria da camomila e o sorriso de um Girassol. Não desconfie. Deixe que os peitos se encostem. Abraços neutralizam a dor que aponta rumo ao sul. O encontro dos corações é a mais linda das simbioses. “Só não vale economizar amor pra se proteger.”

Abraço desajeitado e brusco, de quem quer mãe e pai, porque um dia faltou toque. Espeta por fora e carece por dentro. Agarra o amor e não quer soltar, não pode soltar, carência hiperbólica. Nunca julguem alguém carente. Nem todos tiveram a cor vermelha do lápis de cor.

Abraço de fim de jogo. Aquele mal entendido daquela jogada em que uma inocente canela levou a pior. Inimigos. Um jura o outro de morte, mas o juiz apita pra encerrar. E pronto, abraço de “foi treta do jogo”, valeu, falou, zerou.

Abraço de quem não tinha uma palavra melhor. De quem não sabe o que dizer, e então abraça, dizendo muito de tudo aquilo que cala. Tem gente que não tem palavras pra dar e então abraça. Aceite quem não tem palavras, mas tem abraço. Aceite quem não tem palavra, mas tem um like.

Abraço de despedida. A gente sente o adeus, sem que algum profeta nos entregue. O coração nos avisa em um disparo incontrolável. A gente apenas sabe, sem ninguém dizer. Não existe adeus, existem últimos abraços . Por isso, sempre demore pra abraçar, garanto que não dói.

Abraço de aeroporto. Um aperto. Morte em avião é manchete de jornal, então venha cá antes de virar pecinhas de um quebra cabeça de carbono. Por via das dúvidas, me de um adeus preventivo, para caso você desparecer pelo mar e eu não te achar pelo azul estilhaçado.

Abraçaço. Coisa de Caetano. Deve ser da intensidade de gente que um dia não pode voltar e “dar um laço no espaço”. A saudade era um abraço faltando entre camisas florais. Abraçaço vem com exagero, quase que quebra as vértebras. Desmonta, despenteia, desmanteiga. Quem disse que a memória não é carente?

Tem gente que mente olhando nos olhos, mas um abraço nunca mente. A gente sempre percebe a temperatura , a gente sente tudo o que dentro tem. Até a mentira diz a verdade. Abraço é melhor do que lavar roupa suja. Ao invés de remoer o passado com listas e evidências, o abraço às vezes é o melhor “de agora em diante”.

A evidência está sempre por trás de um abraço. Quem dera pudéssemos enxergar a expressão facial de alguém que está nos abraçando. Ali mora o depois do olhar. Lindo é quem abraça de olhos fechados. Mas por trás de alguns abraços existem os piores olhares. Repare no rosto de quem abraça, é cinema puro, não há esconderijo.

Abraço é suco natural. Dizer eu te amo ás vezes é suco Tang sem mexer. Amor não é o que se diz, é o que se faz. Acredite no meu abraço, não no que prometo. Abraço é um bairro como o Bixiga. Abraço é uma cidade como Bruges. Abraço é um filme como “As vantagens de ser invisível”. Abraço é quando o céu promete não chover.  Abraço é uma música da Karen’O.

Eu nunca fui o melhor no futebol. Era sempre o penúltimo a ser escolhido. O último estava no banheiro. Mas, já fiz o gol da virada, em plena final. Ganhei troféu revelação. Eu nunca aprendi a dar cambalhota nem jogar truco. Eu nunca acreditei nesse papo de “a gente nunca esquece depois que aprende a andar de bicicleta”. Eu já me esqueci. Da turma, fui o último a beijar, fui criança até o último pé de amora. Eu só passei na minha terceira prova de auto-escola e do vestibular. Eu jamais acertei um número de dança, nem ganhei na loteria esportiva – jamais achei que Senegal venceria a França na Copa de 2002.

Quando brincava de super-herói, ficava sempre com o personagem que tinha menos poderes. Eu nunca enxerguei como alguém sem óculos. Seis graus de hipermetropia sempre me separaram diametralmente da realidade, até por isso nunca achava a letra E de Eduardo na sopa de letrinhas. Mas o melhor que eu tenho é o meu abraço. E mesmo que eu me esforce para ser o melhor em tudo, nada pra mim vai ser tão mágico quanto o meu empenho em abraçar com força e soprar pra longe qualquer dor que o outro tenha.

Quando tudo parece nada, quando o cometa nos parte em pedaços não coláveis, tudo o que precisamos é de uma piscina de bolinhas ou de um abraço que nos salve do fim do mundo.

Fonte: Entenda Os Homens

Imagem: Quadro Abraço 2, Romero Britto.