terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A VIDA SERIA MAIS SIMPLES SE AS PESSOAS NÃO VOMITASSEM FELICIDADE FALSA

por Sílvia Marques

A vida seria mais simples se as pessoas fossem mais elas mesmas. Se elas olhassem nos olhos dos outros e falassem sobre seus problemas, seus medos. A vida seria mais simples se a gente não precisasse provar que é bem-sucedido o tempo todo. Seria mais simples se a gente pudesse gostar das pessoas independentemente da vida que elas levam. Se a gente pudesse dizer sem constrangimento algum que está se sentindo um monte de merda e que a vida pode ser bem complicada sim. Talvez, se admitíssemos mais o caos que é viver, não sofreríamos tanto. Talvez, se desfocássemos mais daquilo que dizem que é importante , mas que não faz sentido para nós, fôssemos mais bem sucedidos num sentido mais amplo. 

Sim, a vida seria bem mais simples e espontânea se as pessoas não vomitassem felicidade falsa nem tentassem o tempo todo provar um equilíbrio que elas não têm. Ninguém acorda super bem todos os dias. Ninguém se sente disposto para uma cerveja depois do expediente todos os dias. Ás vezes a gente fica mal mesmo, lembra de um monte de fatos trash e quer chorar na cama que é lugar quente. Ás vezes as coisas não parecem fazer muito sentido e a gente quer ficar fechadinho dentro da gente mesmo.

A gente não é obrigado a ficar feliz e comemorar porque é (determinaram que tal dia é especial). A gente não precisa necessariamente sorrir e querer curtir porque faz sol, porque a gente está na praia ou porque disseram que a vida é simples e é o ser humano que complica.

A gente não precisa rejeitar a tristeza como se fosse uma doença pestilenta. Ela faz parte da vida como a alegria. Só precisamos tomar cuidado para não transformá-la em um hábito ou nos esconder atrás dela por medo de ser feliz ou ainda dar importância demais a problemas e principalmente à pessoas pequenas. Este é um exercício e tanto que pode levar anos ou a vida inteira. Mas me parece que vale a pena.

A vida seria mais simples se as pessoas fossem mais elas mesmas. Se elas olhassem nos olhos dos outros e falassem sobre seus problemas, seus medos. A vida seria mais simples se a gente não precisasse provar que é bem-sucedido o tempo todo. Seria mais simples se a gente pudesse gostar das pessoas independentemente da vida que elas levam. Se a gente pudesse dizer sem constrangimento algum que está se sentindo um monte de merda e que a vida pode ser bem complicada sim. Talvez, se admitíssemos mais o caos que é viver, não sofreríamos tanto. Talvez, se desfocássemos mais daquilo que dizem que é importante , mas que não faz sentido para nós, fôssemos mais bem sucedidos num sentido mais amplo.

Talvez se mostrássemos mais os nossos rostos demaquilados e nossas almas nuas, se não nos defendêssemos tanto uns dos outros, se não nos importássemos tanto em mostrar que somos melhores do que os outros, pudéssemos ser mais unidos, mais solidários, mais amados, mais amantes.

Se a gente entendesse que todo mundo está no mesmo barco...Rogo pelo dia em que as mulheres casadas se assumam sozinhas e mal amadas. Rogo pelo dia em que as mulheres solteiras confessem que uma companhia faz falta sim e que fazer tudo sozinha pode ser muito triste. Rogo pelo dia em que os homens tanto casados como solteiros afirmem com todas as letras que morrem de medo das mulheres e que nunca deixam de ser meninões. Rogo pelo dia em que as mães gritem desesperadas o quanto estão cansadas e as que não têm filhos lamentem esta lacuna em suas vidas. Que os (cegados) reclamem dos grilhões da fé (mal direcionada) e que os ateus lamentem não crer. Que todos se assumam meio perdidos, meio sozinhos nesta vida louca. Rogo para que as pessoas assumam como o passado é doloroso e o futuro incerto. E depois de tantas confissões acaloradas, que elas possam respirar fundo, sorrir umas para as outra e seguir em frente cheias de coragem. Que depois de tudo, a gente pudesse cantar juntos I will survive e nos sentir intimamente ligados ao outro por meio da nossa vulnerabilidade, por meio da nossa capacidade irrestrita e desgovernada de dar e receber amor.

SÍLVIA MARQUES

Paulistana, escritora, idealista, bacharel em Cinema, cinéfila, professora universitária com alma de aluna, doutora em Comunicação e Semiótica, autodidata na vida, filósofa de botequim, amante das artes , da boa mesa, dos vinhos, de papos loucos e ideias inusitadas. Serei uma atleta no dia em que levantamento de xícara de café se tornar modalidade esportiva. Sim, eu acredito realmente que um filme possa mudar a sua vida! Autora do blog Garota desbocada. Este mês lança pela Cia do Ebook o romance O corpo nu..
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* Expressões entre parênteses '()' são adequações ao texto original.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

As conquistas fundamentais da primeira infância

Patrícia Fonseca – Pedagoga, Psicomotricista e Educadora Waldorf em Formação

“Segundo Rudolf Steiner, na primeira infância, a individualidade espiritual da criança está trabalhando intensamente por meio de seu corpo através do brincar. Somente no brincar esta individualidade é visível. Brincar é um processo natural, indispensável para a saúde psíquica e emocional da criança. Do Engatinhar ao Escrever, o corpo pontua os caminhos psicomotres que a criança percorre desde o momento em que rola de um lado para o outro, rasteja, engatinha, senta, se equilibra, fica em pé, locomove-se e torna-se apta a explorar o mundo ao seu redor por meio da brincadeira, até conquistar a primeira escrita de letras, considerando todas as conquistas complexas que a levaram a esse sistema simbólico de comunicação humana. Andar e falar são conquistas fundamentais no seu relacionamento com o cosmo e com os outros seres humanos.”

Patrícia Fonseca

Toda criança em sua primeira infância, está desenvolvendo seus sentidos e sua vida anímica, o seu pensar imaginativo e a sua capacidade de criar. Seu corpo físico está em pleno desenvolvimento ligando as primeiras experiências psicomotoras ao processo do desenvolvimento da inteligência, relação esta indispensável para a constituir a vida de relações com o mundo.

Tudo isto é alcançado através do método natural que o ser humano possui durante a infância, o brincar.

Segundo Rudolf Steiner, na primeira infância, a individualidade espiritual da criança está trabalhando intensamente por meio de seu corpo através do brincar.

Somente no brincar esta individualidade é visível. Brincar é um processo natural, indispensável para a saúde psíquica e emocional da criança.

Na idade do Jardim de Infância, o brincar das crianças são como rastros que imprimem as suas primeiras conquistas mais especializadas: o falar, o andar, o fazer, o sentir, o modelar, o amassar. o cortar , o rasgar, o pensar , o agir, o correr, o subir, o parar, o pincelar, o traçar.

Do Engatinhar ao Escrever, o corpo pontua os caminhos psicomotres que a criança percorre desde o momento em que rola de um lado para o outro, rasteja, engatinha, senta, se equilibra, fica em pé, locomove-se e torna-se apta a explorar o mundo ao seu redor por meio da brincadeira, até conquistar a primeira escrita de letras, considerando todas as conquistas complexas que a levaram a esse sistema simbólico de comunicação humana. Andar e falar não são atributos físicos que uma criança adquire naturalmente, são conquistas fundamentais no seu relacionamento com o cosmo e com os outros seres humanos.

As marcas de seu desenvolvimento psicomotor, teve início antes mesmo de (sair da barriga da mãe). O movimento corporal da criança pequena é a base para o seu aprendizado intelectual posterior.

A criança tem muitas forças vitais, mas precisa dos adultos para ajudá-la a equilibrá-las e integrá-las à personalidade em formação.

A brincadeira realiza tudo isso com criatividade e as Jardineiras Waldorf (professoras ) realizam tudo isto com muito amor e respeito à criança.

Cores, gestos, sons, expressões, tons de voz, qualidades nos materiais e nas atividades diárias de um Jardim Waldorf, fazem parte de uma rotina saudável, chegando a representar o ambiente do Lar.

A criança pequena tem competências imitativas ilimitadas, que são a expressão de um um profundo desejo de aprender, de explorar o mundo, de pesquisá-lo.

A repetição de brincadeiras, ouvir as mesmas histórias, fazer o pão várias vezes, empilhar toquinhos diariamente e vê-los cair, é fascinante para as crianças.

A brincadeira é a expressão do espírito humano.

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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

NÃO ENXERGUE PROBLEMAS EM TUDO

por Marcel Camargo

"Se estamos viajando, pensamos em nossa casa à mercê de bandidos; se estamos amando, nutrimos inseguranças quanto aos sentimentos do parceiro; se estamos em férias, preocupamo-nos com o trabalho que se acumula no escritório. Não estamos nem aqui, nem lá, em lugar nenhum, e assim nunca conseguimos ser felizes."

Temos uma forte e nociva tendência a desmerecer nossas conquistas, nossos momentos, o que somos e temos. Não raro, quando nos encontramos em situações felizes, permanecemos em alerta, como se não fôssemos merecedores das alegrias que a vida nos traz, tentando mesmo estragar aquilo tudo. E isso acaba por tornar esses momentos menos especiais do que na verdade são. Da mesma forma, somos por isso impedidos de desanuviar a intranquilidade em nossos corações.

Diariamente, a vida nos disponibiliza oportunidades para que possamos aumentar nossa autoestima, gozar prazeres junto de quem amamos e nos ama de verdade, conquistar e satisfazer nossos desejos. Entretanto, nosso olhar negativista muitas vezes nos distancia do desfrute pleno das benesses que abençoam nossas vidas, embaralhando nossos sentidos, tolhendo nossa visão de alcançar a magnitude que se encontra presente bem ali ao nosso redor, dia sim e outro também.

Se estamos viajando, pensamos em nossa casa à mercê de bandidos; se estamos amando, nutrimos inseguranças quanto aos sentimentos do parceiro; se estamos em férias, preocupamo-nos com o trabalho que se acumula no escritório. Não estamos nem aqui, nem lá, em lugar nenhum, e assim nunca conseguimos ser felizes, tampouco obter satisfação com o que já temos. Carregamos nossos passos com incertezas e angústias que desequilibram a harmonia necessária ao recarregar de nossas energias. Completamos, consequentemente, esse vazio interior com insegurança, falta de confiança em nós mesmos, numa total ausência de fé na vida ou no que quer que seja.

É preciso, portanto, que adotemos uma postura mais positiva perante os fatos, para podermos caminhar com mais tranquilidade, encarando os problemas a partir de sua real dimensão, ao mesmo tempo nos fortalecendo com gratidão em relação às muitas alegrias que também nos cercam. Nenhum presente será completo, se não conseguirmos filtrá-lo e sorver tudo o que realmente vale a pena, tudo aquilo que energiza, reconforta, contenta e abre sorrisos. Tem muita coisa boa acontecendo ao nosso redor, em casa, na rua, no trabalho, e precisamos valorizar isso tudo.

Precaver-se pode ser útil, desde que não implique ignorarmos o real, o hoje que já está na nossa frente e que pode - e deve - ser trabalhado em favor da manutenção dos ganhos e da potencialização do que pode vir a se tornar ainda melhor. Enxergar o pior, pelo contrário, em nada nos servirá, a não ser para nos manter estagnados e impotentes frente ao que tem solução, frente a um amanhã melhor e mais feliz. É necessário mantermos uma postura otimista e a disposição para visualizarmos caminhos mais suaves e prazerosos, para o nosso próprio bem e de todos que vivem conosco.

Inegavelmente, o futuro nos aguarda com problemas e perdas de toda sorte e a isso ninguém fugirá. Porém, se nos concentrarmos na valorização das alegrias que da mesma forma tingem de magia a nossa jornada, preparando-nos para o melhor que a vida sempre terá a nos oferecer, seremos poupados de angústias desnecessárias. Se estamos felizes, é porque fizemos por merecer, é porque pautamos nossas vidas por amor verdadeiro. Essa felicidade então será, sim, nossa, sem medo, sem dúvidas, sem perigo. Porque o otimismo e a esperança de nossos olhares é que determinarão a real valorização do que nos torna felizes e completos.


MARCEL CAMARGO

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar".
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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Por que Milhões de Homens Estão Perdendo os Amigos aos 20 e Poucos Anos



por Kevin EG Perry

Ilustração por Dan Evans.

Homens geralmente pensam em si mesmos como lobos solitários. Um lobo solitário sendo ambicioso no trabalho. Um lobo solitário no Tinder. Um lobo solitário jogandoFallout 4 sozinho e comendo lasanha de micro-ondas. Conforme ficamos mais velhos e a vida vai jogando mais merda na nossa cara, você começa a se perguntar se há uma razão para a maioria dos lobos caçarem em bando.

Geralmente, somos animais extremamente sociáveis na escola e na universidade, mas, quando as pressões do trabalho começam a bater, rostos que antes eram familiares começam a desaparecer, o que nos faz perceber como estamos sozinhos neste mundo.

Neste mês, uma pesquisa realizada pela Movember Foundation descobriu que 12% dos homens acima dos 18 anos no Reino Unido não têm um amigo próximo com quem discutir problemas sérios da vida. Isso dá 2,5 milhões de homens só na Inglaterra. Mais de um quarto dos pesquisados disseram que falam com seus amigos menos de uma vez por mês, enquanto 9% contaram que não lembravam a última vez que tinham feito contato com os amigos.

Isso pode virar um problema sério mais tarde na vida. Pesquisas da Organização Mundial de Saúde mostraram que a falta de amigos próximos tem um impacto significativo na saúde dos homens a longo prazo, nos deixando sob risco de depressão, ansiedade e suicídio.

Sarah Coghlan, chefe do Movember UK, me disse: "Muitos homens com quem falamos não percebiam quão superficiais seus relacionamentos tinham se tornado até enfrentarem um desafio significativo na vida, como um falecimento, fim de uma relação, paternidade ou desemprego – e é exatamente aí que melhores amigos são mais necessários".

Entretanto, o que acontece com nossas amizades quando ficamos mais velhos? Aqui, seis homens em diferentes estágios da vida discutem seus relacionamentos com os amigos.

Matt, 19 anos

"Fiz o primeiro ano da faculdade, mas foi um ano difícil em termos de relacionamento; então, acabei desistindo. Tenho feito trabalhos temporários desde então. Porém, enquanto essa coisa do relacionamento estava acontecendo, falei sobre isso com meus amigos, com quem frequentei a escola, em vez dos meus novos amigos de faculdade, só porque os conhecia melhor. Tenho sorte de estar num grupo social de umas sete ou oito pessoas – principalmente caras, mas também algumas garotas. Fizemos o segundo grau juntos, embora conheça alguns deles desde o primário. Sou bastante aberto com todos eles; logo, conversávamos sobre tudo. Eles também já comentaram coisas bem pessoais comigo. Eu preferia falar com amigos do que com minha família, porque estávamos passando por coisas parecidas na época; assim, nos identificávamos mais. Tenho amigos e conhecidos do trabalho e de esportes, mas meus amigos da escola passaram no teste do tempo. Passamos por muitas coisas juntos."

Tom, 21 anos

"Comecei a trabalhar direto depois da escola. Talvez eu tivesse feito mais amigos se tivesse entrado numa faculdade, mas o estilo de vida dos universitários tem muito a ver com encher a cara e experimentar drogas, o que eu não faço. Eu ia acabar ficando de fora, pois essas coisas nunca me atraíram. Fiz uns seis ou sete amigos próximos; além disso, também moro com alguns novos amigos, o que é muito divertido. Trabalho quatro ou cinco dias por semana; então, tento ver meus amigos quando eles estão livres. Noventa por cento dos meus amigos frequentam shows de hardcore; assim, sempre os encontro no mosh pit. Fiz a maioria dos meus amigos nos últimos três anos. Quando tinha 16, eu não tinha nenhum amigo. Isso mudou porque ganhei mais confiança para falar com as pessoas. Eu não conseguia conversar direito quando era adolescente; eu tinha medo. Hoje, tenho amigos que sinto que posso procurar para tudo. Fiquei na casa de alguns deles quando estava procurando um lugar para morar, e compartilhamos coisas profundas. Eles são mais minha família que minha família de verdade."

"A maioria das pessoas com quem saio são do trabalho, o que é meio deprimente."

Stefan, 24 anos

"Me formei em junho passado depois de fazer mestrado. Para ser honesto, sinto que só me dava realmente bem com as pessoas na faculdade. Os outros eram parte do grupo com o qual eu saía com frequência para beber, porém não eram pessoas com quem eu discutiria decisões da minha vida. Desde que comecei a trabalhar neste ano, a maioria das pessoas com quem saio são do trabalho, o que é meio deprimente. Eles são gente boa, mas a única coisa que temos em comum é que trabalhamos no mesmo lugar. Tenho três amigos que vejo regularmente e alguns outros com quem converso no WhatsApp, embora nunca os veja pessoalmente. Conforme o tempo foi passando, acho que parei de ser legal e amigável com pessoas com quem não me dou tão bem assim. Na escola, eu tentava fazer parte de vários grupos, mas agora só saio com esses três caras que conheço da minha cidade ou saio para reuniões sociais obrigatórias com pessoas que têm filhos. No entanto, acho que isso é bom – encontrei as pessoas com as quais vou continuar me dando bem por um longo tempo, em vez de tentar manter relacionamentos com pessoas de quem não gosto realmente. Se eu tivesse um problema sério, eu provavelmente falaria sobre isso com a minha namorada – a menos que a questão fosse sobre ela. Tenho um amigo que conheço desde os três anos, e ainda saímos sempre que ele está em Londres. Ele é o amigo que eu procuraria para coisas como essas."

Ben, 26 anos

"Ainda tenho três ou quatro amigos da universidade, mas eu era uma pessoa diferente naquela época. Eu era mais autodestrutivo. Não sou mais amigo da maioria das pessoas daquela época, porque não fiz o tipo de amigo que eu gostaria de ter agora. Não quero mais fazer as coisas idiotas que eu costumava fazer. Meus amigos da escola são os mais próximos, porém não os vejo mais tanto – o que é meio paradoxal, acho. Eu os vejo umas cinco semanas por ano, geralmente em despedidas de solteiro ou casamentos. Sei que eles vão me apoiar. Alguns deles passaram por maus bocados, e, depois que falamos sobre essas coisas, acho que não temos mais nada a dizer uns para os outros. Só que é difícil ter tempo para ver os amigos. Sinto que as semanas seguem muito uma rotina. Se encontro minha namorada uma ou duas noites por semana e tento me exercitar dois dias por semana, então sexta é meio que uma loteria... quando vou ter tempo de fazer outras coisas? Não dá tempo. Tenho uma videoconferência do trabalho hoje à noite, e isso não é incomum. Ou seja, é difícil ter tempo e energia para planejar coisas com os amigos. É triste. É meio deprimente pensar nisso."

"Meu melhor amigo é provavelmente a pessoa mais emocionalmente atrofiada que conheço."

Colin, 28 anos

"Tenho um grupo principal de amigos do meu primeiro ano de faculdade com quem ainda mantenho contato, apesar de alguns terem mudado para o exterior. Meu melhor amigo da faculdade foi à Nova Zelândia atrás de uma garota, embora eu ainda consiga falar com ele todo dia. A parte estranha do meu grupo de amigos é que um deles é minha ex-namorada. Se tento introduzir uma garota nova nesse ambiente, finjo que está tudo normal até receber um monte de mensagens escrotas. Fora esse pequeno problema, tento sair com eles o máximo possível. Na faculdade, nosso tempo juntos era resultado de ressacas pesadas causadas por bebidas vagabundas. Os dois anos depois da universidade foram cheios de sintomas de síndrome de abstinência por não haver mais momentos assim, apesar de agora eu estar bem com isso. Se tenho um problema sério, tenho algumas pessoas com as quais posso falar sobre assuntos diferentes. Um dos meus melhores amigos é provavelmente a pessoa mais emocionalmente atrofiada que conheço; logo, tento não discutir nada profundo com ele. Por outro lado, ele é uma das pessoas mais engraçadas que conheço; então, fujo alegremente dos meus problemas na companhia dele."

Michael, 30 anos

"Não fiz faculdade, mas comecei a trabalhar num ambiente no qual conheci um grupo de pessoas com a mesma idade que eu – e ainda estou em contato com alguns deles. Lá pelos 25 anos, eu estava sempre saindo com meus amigos nos finais de semana – nos encontrávamos o tempo todo. Naquele ponto, parecia que a festa nunca terminaria. Entretanto, no final da faixa dos 20 anos, as coisas começaram a mudar. As pessoas vivem suas vidas mais individualmente agora e se concentram em construir uma carreira e um futuro. Ninguém mais tem tempo para se divertir. Acho que foi a idade que mudou isso – e entendo. Ainda vejo um punhado de amigos próximos, mas, se quisesse falar sobre um problema sério ou uma questão profunda, acho que eu procuraria minha namorada. Eu gostaria de passar mais tempo com meus antigos amigos de novo, porém hoje tendo a achar que, se eu não estou ocupado, eles vão estar. É difícil achar tempo."

Tradução: Marina Schnoor.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O cenário preconceituoso no Brasil


 



Aqui estava nessa proletária existência a garimpar boas entrevistas, textos, vídeos e charges para elaborar uma aula dinâmica, diferente e relevante sobre o tema que mais gosto de debater com os alunos: o preconceito racial no Brasil. Recordei que há aproximadamente uma semana li uma reportagem sobre uma tal consulesa francesa que deu uma aula sobre o tema num talk show brasileiro. Eis que conheci a Sra. Alexandra Loras, figura elegante, inteligente, comedida, sensata, sóbria em suas falas, além de uma beleza irretocável. Convidada a contar sua história, relatou pontos importantes de sua vida que me chamaram muita atenção. Tornara-se consulesa por seu enlace matrimonial com o cônsul francês Damien Loras. Ao buscar outras entrevistas com tal personalidade encontro uma participação triste e debochada num programa com três apresentadores preconceituosos que não conseguiram esconder sua prenoção sobre o assunto em suas falas decoradas, e quando perguntada suas opiniões sobre temas polêmicos mudavam abruptamente o assunto. É interessante perceber que os formadores de opinião deste país são parcela considerável dos responsáveis pela manutenção do preconceito, segregação, marginalização da população negra. Loras relata que é comum, no Brasil, onde a população em sua maioria é negra - e apenas 7,6% se autodeclaram negras por falta de referência, ou auto preconceito mesmo -, seja costumeiramente apontada na rua por desconhecidos como babá de seu filho, que tem a pele clara. Em ocasiões formais, que por educação fica à porta recebendo seus convidados é ‘confundida’ com a recepcionista. Mas que novidade há nessas histórias vividas pela consulesa?! Nenhuma. Negros brasileiros passam por isso todos os dias. Uma sociedade que usa o uniforme para separar os proletários da elite, além do uniforme genético – se é que me entendem. Não trabalhamos efetivamente para a igualdade racial, social. Quando se evita o debate sobre um assunto é porque não queremos mudar o quadro atual – que o digam os casais que evitam a conhecida DR. Alexandra traz-nos uma reflexão pertinente: Como seria o mundo ao inverso? Como seria se nossa referência fosse a cultura negra, o contrario do que vivemos? Se apenas o que foi realizado pelos negros fosse considerado inteligente, bom, agradável e importante? Se todas as nossas referências históricas, revolucionárias, científicas fossem negra? E se todas as programações de TV fossem realizadas por negros – desenhos animados, telenovelas, jornalismo, programas de auditórios e outros? E a única coisa que soubéssemos a respeito dos brancos estivesse apenas em duas, ou quatro, páginas dos livros didáticos? Imagine se a representação caucasiana na TV fosse com personagens marginalizados, as mulheres brancas amantes dos negros ricos, a mulher branca sendo sempre a faxineira e os homens brancos traficantes, criminosos. Imagine 156 pessoas brancas mortas por violência diariamente, cerca de 154.000 por ano. Não seria cruel? Essa é uma pequena mostra da realidade brasileira negra hoje – que diga-se de passagem, teve uma pequena melhora. Não conhecemos as grandes figuras negras da nossa história, além dos músicos, atores e outros da classe artística. Criolo, o músico, disse certa vez (aliás, minha pesquisa se iniciou de uma entrevista dele que assisti pela enésima vez): ‘O negro é muito oprimido. O povo é trabalhador e abusam da tragédia social que vivemos. O que nos salvou foi a completa ignorância, o que nos salvou foi ser um ‘ninguém’ durante um longo trajeto da nossa historia. O que nos restou foi a beleza das artes, que para muitos é a fraqueza da alma’. Sim! Fomos e somos chicoteados literal e figurativamente todos os dias, mas resistimos.  Retomo a indagação de Loras: como seria essa sociedade ao inverso? Uma grande tristeza, mas faz-se necessário conquistar nosso espaço através de cotas. Afinal, a segregação racial não permite a inserção do negro na sociedade de maneira justa e nossa história comprova isso, não há como negar. Encerro o muito que tenho a dizer com as palavras de Criolo, que de forma poética retrata a realidade do negro no contexto social que estamos instalados: “Quem se apaixona pela paixão Então, pára, de se crescer, meu bem, Pois de todo esse amor Nenhum pedaço é teu”.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O ar gélido da amizade social

 



Às vezes, quase sempre, me pego pensando como é ruim, na era da tecnologia, das redes sociais, de quem tem mais seguidor, ver as pessoas felizes e não poder compartilhar. Não esse compartilhar que se transformou num botão gélido que nem se quer você o toca, até nisso há uma distância. Gostaria tanto de comentar que o seu sorriso é tão doce e sua companhia agradável, mas não nessa parede chamada popup e curtir, ah! esse se transformou num joinha. Valores inversos fazem a nossa sociedade. Mudaram as chamadas no portão por um bip que avisa que chegou mensagem, trocaram as cartas por um bom dia, boa tarde e boa noite de grupos no whatsapp, assim eu falo com todos e não esqueço de ninguém, como nos tornamos tão frios! 

As vezes, pensando pelo lado capitalista e insensível da humanidade, creio que ter dinheiro é bom. Por que só assim você vai ter o que quiser. Isso mesmo! Ter o que quiser, posso pagar uma pessoa pra me dar atenção, outra pra me fazer companhia e por aí vai. Por que aquela parte de se doar, amar, valorizar, se tornou clichê. Até pra crianças ganharem presentes se compartilha uma foto e faz a campanha de quantos likes se precisa pra ela (pobre coitada) ganhar uma bicicleta, um carrinho, uma boneca.

Até quando seremos dominados por essa rede, que de social não vejo nada tá mais pra rede de arrasto, que exclui as pessoas de aproveitarem um sorriso, um abraço, um aperto de mão, até perdem a oportunidade de enxugar a lágrima que cai daquele que ama, se perde e por ali ficamos.

Troque o bom dia virtual por um abraço surpresa, troque os grupos de whatsapp por um grupo de baralho, uma roda de samba. Lembranças virtuais por uma visita inesperada. Tem tanta gente presa nessa 'rede' que se assustam quando vê [a] gente.

Junior Ribeiro

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A ALEGRIA VESTE A TRISTEZA



Fabrício Carpinejar


Tenho uma predileção por uma frase de Federico Fellini: para a sombra existir, o sol deve estar a pique na cabeça.
Sem a luz, o escuro não se forma. Sem o escuro, a luz não tem sentido.
O mesmo acontece com a alegria.
Dentro da alegria mais genuína, mais intensa, mora a sombra da tristeza. A tristeza só existe em função da alegria. É o medo de perder a felicidade que faz com que você se esforce para mantê-la.
Não há alegria inteira, nem tristeza pura, uma depende da outra. Podemos transpirar euforia, mas sobreviverá uma pontinha de melancolia lá no fundo de nosso riso. Porque mantemos a consciência de que a alegria, por mais duradoura que seja, vai passar. Que ela logo se transformará em nostalgia, e que não estaremos mais plenos como daquele jeito de novo – e isso não é ruim e nem é bom, é inevitável da experiência. A tristeza dentro da alegria nos permite pensar e entender o quanto aquele momento é importante e que precisamos aproveitá-lo enquanto dura.
A alegria é esta vontade de ser para sempre que termina. A tristeza vem nos consolar a aceitar que o fim de uma lembrança não significa o fim de nossa vida.
De igual forma, dentro da tristeza mais severa, da depressão mais aguda, é possível notar a presença de uma alegria discreta, retraída, tímida. Tudo pode soar péssimo, mas um abraço, um quindim, um filme, o telefonema insistente de um amigo é capaz de nos devolver a vontade de dar a volta por cima. A simplicidade é terapêutica, a banalidade nos cura dos grandes males da solidão. Haverá sempre o sol por detrás das nuvens escuras dos pensamentos suicidas. Na sombra mais espessa de nosso temperamento, coexistem os raios solares minúsculos do contentamento, das dádivas da rotina e dos pequenos prazeres. Estaremos desolados com o tempo fechado e chuvoso do rosto, não enxergando nenhuma saída, mas a alegria se conservará perto e nos mostrará que a tristeza também passará, que é uma fase e um ciclo para absorver separações, desentendimentos e traumas. A lágrima brilhará como uma vidraça limpa e iluminada.
Se a tristeza é saudade dentro da alegria, a alegria é esperança dentro da tristeza. Nenhum sentimento é definitivo e completo.
A luz veste a sombra, a sombra veste a luz. A alegria costura a tristeza, a tristeza costura a alegria. Alfaiates que se revezam no longo pano dos dias.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p. 72
Porto Alegre (RS), 27/09/2015 Edição N°18307

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Acho que vou falar com você


Márcio Rodrigues

É, acho que vou. Acho que vou te falar sobre como fico feliz quando te vejo postar alguma notícia boa e como ouço todos as músicas que você compartilha. E como dou risadas das bobagens. Acho que vou dar voz às coisas que faço por você em silêncio.

Eu já abri a sua janela no chat tantas vezes que nem cabem nos dedos das mãos. Eu já me sabotei no meio do “digitando…”, eu já revi todas as suas fotos antigas do perfil. Já conheci parte do seu passado através da timeline do seu Instagram. E sim: aquele like numa foto de milhões de semanas atrás foi sem querer; mas nem sei se percebeu ou se fui só mais uma curtida a fim de curtir você.

Acho que vou falar com você. Acho que vou te contar como quero seu bem e como torço pelas suas vitórias. Acho que vou te contar que mesmo aqui de longe eu me sinto perto de você; acho que vou te falar que você pode ter a mim para contar suas coisas, mesmo que já tenha contado mil vezes, mesmo que não tenha a quem contar.

Eu não quero só pra mim o que sinto por nós dois.

Acho que vou encontrar uma maneira de falar com você e descobrir se aquela que comenta “<3” nas suas fotos tem um lugar a mais na sua vida além de um número numa rede social como eu; preciso dar uma chance pra minha intuição vencer.

Acho que vou falar com você só pra ver se acabo com essa minha loucura e começo com a minha felicidade. Acho que vou falar com você mirando a volta da paz para os meus dias e, quem sabe, te ter também – imagina? Mas quer saber? Ainda que eu não te tenha, acho que vou falar com você só pra te contar o quanto eu já te quis e ainda quero. Eu não consigo adivinhar como você vai reagir quando eu falar com você, mas eu já consigo sentir alegria só por dividir com você tudo aquilo que sempre guardei pra mim.

E mesmo que não fosse com você, eu acho que deveria falar. Eu preciso parar de matar minhas possibilidades antes mesmo que elas nasçam, preciso parar de me sentir coagida diante da beleza das outras pessoas, preciso parar de me diminuir diante de tudo e vendo algo dentro de mim só aumentar. Preciso parar de ter medo de tentar.

Acho que vou falar com você.

Devo começar com um ‘oi, tudo bem?’ ou talvez eu nem cumprimente e já comece falando o que penso, sei lá. Por Deus, onde vende o manual de como falar com alguém sem parecer uma pessoa desesperada?
No fim das contas, eu não tenho nada de muito incrível pra te falar além do meu desejo em te mostrar quem eu sou; além de deixar claro que você pode falar comigo quando quiser também. Acho que vou falar com você. As pessoas precisam saber quando alguém gosta delas.

Fonte: Entenda Os Homens

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

ENTRA OU SAI


Fabricio Carpinejar














Se deseja o bem do outro, amar é decidir.
Há aquele que não quer se afastar, só que não suporta ficar perto.
Há aquele que não consegue permanecer longe, porém não se esforça para conviver.
Há aquele que não sai definitivo de sua vida, muito menos entra de verdade.
Há aquele que não se despede e também não assume as dificuldades do recomeço.
Há aquele que não larga as lembranças, entretanto não promete mais nada.
Há aquele que não está junto, mas não está longe.
Há aquele que sente saudade quando distante e reclama do ódio quando perto.
Há aquele que não desaparece e tampouco ressurge, que não destrói de uma vez por todas a relação, tampouco reconstrói os laços.
Há aquele que não pretende se encontrar para não sofrer, só que não para de telefonar e mandar mensagens.
Há aquele que tortura com amor, bate com o beijo, perdura a mala em gaveta.
Há aquele que não esquece o passado e também não desobriga a sua companhia a seguir em frente.
Aquele é você.
Não resolve, não se define, nem vem nem vai, sempre em cima do muro das palavras.
Sem esperança, sem fé, sem confiança, prende a pessoa pelo ressentimento. Empaca romances, não liberta seu prisioneiro para a possibilidade de novos amores.
A relação se transforma num purgatório, numa cobrança insolúvel de dívidas, que jamais serão quitadas pois não existem dias felizes para fazer esquecer as datas infelizes.
Se deseja o bem do outro, amar é também desistir.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Estes não são seres humanos, nossos irmãos e irmãs?

O grau de civilização e de espírito humanitário de uma sociedade se mede pela forma como ela acolhe e convive com os diferentes. Sob este aspecto a Europa nos oferece um exemplo lastimável que beira à barbárie. O menino sírio de 3-4 anos afogado na praia da Turquia simboliza o naufrágio da própria Europa. Ela sempre teve dificuldades de aceitar e de conviover com os “outros”.

Geralmente a estratégia era e continua sendo esta: ou marginaliza o outro, ou o submete ou o incorpora ou o destrói. Assim ocorreu no processo de expansão colonial na Africa, na Asia e principalmnete na América Latina. Chegou a destruir etnias inteiras como aquela do Haiti e no México.

O limite maior da cultura européia ocidental é sua arrogância que se revela na pretensão de ser a mais elevada do mundo, de ter a melhor forma de governo (a democracia), a melhor consciência dos direitos, a criadora da filosofia e da tecnociência e, como se isso não bastasse, ser a portadora da única religião verdadeira: o cristianismo. Resquícios desta soberba aparece ainda no Preâmbulo da Constituição da União Européia. Aí se afirma singelamente:

“O continente europeu é portador de civilização, que seus habitantes a habitaram desde o início da humanidade em suecessivas etapas e que no decorrer dos séculos desenvolveram valores, base para o humanismo: igualdade dos seres humanos, liberdade e o valor da razão…”

Esta visão é somente em parte verdadeira. Ela esquece as frequentes violações destes direitos, as catástrofes que criou com ideologias totalitárias, guerras devastadoras, colonialismo impiedoso e imperialismo feroz que subjudaram e inviabilizaram inteiras culturas na Africa e na América Latina em contraste frontal com os valores que proclama. A situação dramática do mundo atual e as levas de refugiados vindos dos países mediterrâneos se deve, em grande parte, ao tipo de globalização que ela apoia, pois configura, em termos concretos, uma espécie de ocidentalização tardia do mundo, muito mais que uma verdadeira planetização.

Este é o pano de fundo que nos permite entender as ambiguidades e as resistências da maioria dos países europeus em acolher os refugiados e imigrantes que vêm dos países do norte da Africa e do Oriente Médio, fugindo do terror da guerra, em grande parte, provocada pelas intervenções dos ocidentais (NATO) e especialmente pela política imperial norteamericana.

Segundo dados o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) somente neste ano 60 milhões de pessoas se viram forçadas a abandonar seus lares. Só o conflito sírio provocou 4 milhões de desalojados. Os países que mais acolhem estas vítimas são o Líbano com mais de um milhão de pessoas (1,1 milhão) e a Turquia (1,8 milhões).

Agora esses milhares buscam um pouco de paz na Europa. Somente neste ano cruzaram o Mediterrâneo cerca de 300.000 pessoas entre imigrantes e refugiados. E o número cresce dia a dia. A recepção é carregada de má vontade, despertando na população de ideologias fascistóides e xenófobas, manifestações que revelam grande insensibilidade e até inumanidade. Foi somente depois da tragédia da ilha de Lampedusa, ao sul da Itália, quando se afogaram 700 pesoas em abril de 2014 que se colocou em marcha uma operação Mare Nostrum com a missão de rastrear possíveis naufrágios.

A acolhida é cheia de percalços, especialmente, por parte da Espanha e da Inglaterra. A mais mais aberta e hospitaleira, apesar dos ataques que se fazem aos acampamentos dos refugiados, tem sido a Alemanha. O governo filo-fascista de Viktor Orbán da Hungria declarou guerra aos refugiados. Tomou uma medida de grande barbárie: mandou construir uma cerca de arame farpado de quatro metros altura ao longo de toda fronteira com a Sérbia, para impedir a chegada dos que vêm do Oriente Médio. Os governos da Eslováquia e da Polônia declararam que somente aceitariam refugiados cristãos.

Estas são medidas criminosas. Todos estes sofredores não são humanos, não são nossos irmãos e irmãs?  Kant foi um dos primeiros a propor uma República Mundial (Weltrepublik) em seu último livro A paz perpétua. Dizia que a primeira virtude desta república deveria ser a hospitalidade como direito de todos e dever para todos, pois todos somos filhos da Terra.

Ora, isso está sendo negado vergonhosamente pelos membros da Comunidade Européia. A tradição judeo-cristã sempre afirmou: quem acolhe o estrangeiro, está hospedando anonimamente Deus. Valham as palavras da física quântica que melhor escreveu sobre a inteligência espiritual – Danah Zohar: ” A verdade é que nós e os outros somos um só, que não há separatividade, que nós e o ‘estranho’ somos aspectos da única e mesma vida”(QS:consciência espiritual, Record 2002, p. 219). Como seria diferente o trágico destino dos refugiados se estas palavras fossem vividas com paixão e compaixão.

Leonardo Boff escreveu Hospitalidade:direito e dever de todos, Vozes 2005.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

AMOR NÃO É APEGO (NEM SOFRÊNCIA, POR FAVOR)

por Cristina Parga

A questão é simples e complexa (...): amor de verdade não dói. Ele inunda o coração e se basta sozinho. Já o apego traz sofrimento, porque guarda dentro de si o medo da perda. Da rejeição. De "ficar sem a pessoa", de "ficar sozinho". O amor não pode ter medo de perder porque não perde nunca – ele existe indiferente da reciprocidade. Existe em si mesmo.

Desde pequenos fomos ensinados a pensar em amor e apego como quase sinônimos, e a encarar com alguma benevolência um ciúme "saudável", ou o medo de perder o amado(a) como prova de que realmente o que se sente é amor. Séculos de literatura, arte e poesia na nossa sociedade ocidental nos moldaram a pensar assim – isso desde as dores do amor romântico do jovem Werther, passando por Lady Gaga,  até os cantores atuais da sofrência. (...)
É claro, eu, como a maior parte dos mortais, compreendo racionalmente a diferença entre os dois sentimentos – mas daí a separar apego e amor dentro do coração, são outros quinhentos. Lembro de ouvir palestras e ler sobre o assunto e literalmente passar por cima dele – afinal, eu entendia a ideia mas não via como colocar em prática. Era abstrato demais. Algo que só pessoas muito evoluídas espiritualmente ou com décadas de análise talvez pudessem sentir. Mas não. Um dia aconteceu. E foi num sonho.
Parênteses: Alguns dos nossos melhores insights vêm nos sonhos – não levante correndo para engolir um café e correr para o escritório. Tire pelo menos uns 5 minutos para ouvir o que o seu mundo interno tem a dizer quando você dorme e a consciência relaxa.
Anos depois de um término, sonho que recebo uma carta. Uma embalagem com carimbo e selo de algum país distante. Abro o pacote e encontro um casaco cinzento e antigo, com bandeirinhas, selos e brasões de vitórias passadas. Dentro, uma foto minha. E um poema, numa letra e língua que não consigo entender.
No sonho, vestida com aquele casaco de tantas guerras, percebia que era eu quem ele buscava. A pérola invisível, escondida no conteúdo translúcido da concha. E que ele, debaixo de tantos brasões e realizações, de tantas máscaras a que a vida nos obriga a usar para vencer no mundo, também era. The real deal. O czar medroso, generoso e puro que se esconde por trás da armadura, para não doer mais. É, mas não sabe. Nem quer saber. Quando irá acordar, Meu Deus?
Nunca – diz meu coração. E de repente me sinto aliviada, sem aquele peso. Porque não preciso de mais nada. O que sinto é suficiente – e enorme o bastante para me fazer querer viver muito mais. Ainda no sonho, passo por aquela rua, aquela casa. Fecho as janelas do táxi, fecho os olhos. Deixo ir.
Estou na praia, sozinha. Observo as ondas à noite e contenho meu desejo de me fundir ao céu e mar noturno. Entre os dedos seguro uma, duas, três conchas – as mais bonitas depois da ressaca. Com cada uma delas pesando suave na mão, espero pelo dia em que possa entregar a dele – o amuleto que o protegeria do mundo cão em que ele (sobre)vive. Esse dia não vai chegar, olho para o mar e sei. Mas isso não muda nada. Nem me faz querer nada que não seja pura oferta da vida, do mar. Do mundo.
Querer, querer. Só queremos. Queremos ter tudo – e vivemos presos no medo de perder o que "conquistamos". Escuto as ondas indo e vindo e me sinto livre – ainda estou inteira. Cada vez mais. Nossas memórias passam pelo espelho das águas como flashes, mas não trazem saudade – o tempo-espaço é acessível a qualquer fechar de olhos. A cada onda que se quebra no horizonte.
(...) Dizem que o todo sofrimento vem do desejo (...), e que o caminho para sair da prisão do apego e da dor é deixar ir. Aprender a se bastar. E ficar genuinamente feliz com o crescimento do outro – mesmo que ele tenha escolhido viver longe de você.
Fácil falar, não é? Mas eu juro que num segundo, dentro de um sonho, foi fácil – e a partir daí foi ficando cada vez mais natural.
Porque amor de verdade não precisa do outro. Afinal, o outro está sempre contido dentro do amor. Não como um fantasma – mas como uma constância que faz nosso coração bater mais rápido em cada respirar de maresia, em cada linha de um poema. E não, não dói. A felicidade do outro passa a ser sua também, porque é impossível sentir algo que te completa e expande tanto e ser mesquinho, querendo aprisionar o que só existe quando há entrega – e para haver entrega é preciso haver liberdade.
Amor de verdade é gratuito e autossuficiente, eterno no tempo como uma onda sonora que se propaga infinita, repercutindo no espaço. No espaço, em algum lugar, nós. Lembra?
Não, você não lembra. Mas não faz mal. Eu lembro por nós dois.

cristinaparga

CRISTINA PARGA
Autora de "Furta-cores" (2012, 7Letras, contos) e "Qualquer areia é terra firme" (7Letras, romance, no prelo). Mestranda em Letras, assistente editorial, escritora, redatora, jornalista e insone. Living on coffee and flowers..
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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

QUANDO O RISO DÓI


POR FABRÍCIO CARPINEJAR

Faremos alguém feliz quando descobrirmos que ele pode ser feliz também em nossa ausência. Quando o amor abdica da aura de condenação.

As ameaças românticas sempre giram na subtração do contentamento com a distância. Se quem amamos não está conosco, será infeliz.

Pois o riso do outro, sem a nossa presença, significaria que ele não nos valoriza, identificado como dispensa, alta traição, insensibilidade diante da dedicada dependência. Sentimos ciúme desproporcional, a ponto da gargalhada sem a nossa autoria doer como uma lágrima.

Não é verdade, o nosso par é capaz de ser bem feliz separado.

Há o desejo perverso de que o outro se dane afastado. Mas é uma ansiedade infantil de possessividade.

Não somos a única fonte de felicidade de uma pessoa. Ela foi feliz antes de nos conhecer e será também depois. Esta noção salva casamentos, elimina restrições e chantagens, acentua o livre-arbítrio, valoriza a relação.

Não é que ela está comigo porque não consegue ser feliz longe, é que, mesmo podendo ser feliz longe, ainda é mais feliz comigo.

Somos a melhor opção, não a única. Somos a companhia predileta, não a que restou.

O certo é se enxergar o destino de uma alegria, em vez de sua viciada origem.

No momento em que condicionamos o bem-estar, prosperamos o pânico.  Funda-se a convivência pelo medo de perder o que se tem, jamais pela confiança de ter sido escolhido e eleito todo dia.

Não podemos sequestrar a felicidade do outro no casamento ou no namoro, como se fosse nossa, como se só dependesse de nossa proximidade, vinculando a alegria ao egoísmo dos laços.

Maturidade é ser indispensável justamente por deixar a porta aberta.

sábado, 22 de agosto de 2015

NINGUÉM É SOLTEIRO POR OPÇÃO

por Mario Feitosa

Vivíamos um mundo de pessoas acompanhadas, fosse de quem fosse. A questão era não estar sozinho, porque a solidão era mórbida.
De uns tempos p'ra cá, tudo mudou! Hoje é bonito ser solteiro, mas somos mesmo solteiros por opção?!

OKAY, mea culpa: não existe "ninguém", assim como não existe "todo mundo". É fato que "toda generalização é perigosa, inclusive esta", como bem disse Alexandre Dumas, mas também é fato que sempre há regras, ainda que nelas hajam exceções. Se o que segue é a tal regra ou a tal exceção, aí são outros quinhentos.

Ninguém é solteiro por opção, como já escrachei no próprio título, mas sim por falta dela. Levante a mão aí quem deixaria passar a paixão mais visceral, pela pessoa mais incrível do mundo, quase desenhada pela imaginação, a troco da tão lindamente vendida "solteirice satisfeita", que, no fundo, [pela boca de um solteiro satisfeito], não é muito diferente de pilhas de livros, jantares solitários, conversas psicóticas com bichos de estimação e muito, mas muito Chico Buarque. Toda a pseudo-filosofia que corre em torno da solteirice satisfeita, de "Conhece-te a ti mesmo" (Tales de Mileto), "Seja sua melhor companhia" (Jô Soares), "Ame-se em primeiro lugar" (autor desconhecido), não só é verdade, como, na verdade, é saudável p'ra (caramba)! Mas não é mérito ou louvor dos "solteiros satisfeitos"; é, e deve ser, a máxima absoluta de qualquer pessoa, saudável ou não, mentalmente. Quem não se ama não ama, não a outra pessoa, mas não ama o mundo, não ama os animais, não ama arte... Quem não ama, não vive! E quem não vive, vivendo, vira zumbi! E zumbi é feio demais!!!

Não vejo nada de errado, ou feio, mas também nem louvável, em pedir uma mesa para um num restaurante bacana, e, pedir minha garrafa do meu vinho favorito, meu prato predileto, e pedir que acendam velas, enquanto puxo um caderno e caneta, e começo a escrever loucamente, lá no restaurante bacana, ou ponho os fones de ouvido, e bato os pés, ouvindo minha banda favorita da noite, enquanto aprecio meu jantar maravilhoso. Claro que os olhos dos casais vão me comer, enquanto como. Aliás, isso é o que mais acontece, e não só me divirto, como acho terrível que, com uma pessoa do lado, ou à frente, eu consiga ser mais interessante, misterioso, que seja bizarro ou fascinante que aquela pessoa. Sério: se você saiu para jantar com seu marido, namorado, encontro, e consegue tirar os olhos dele p'ra contemplar a minha "solidão satisfeita", troca de par ou fica sozinha, porque eu, "solteiro satisfeito", se tenho um par de olhos à minha frente, ou ao meu lado, só tiro os meus de dentro deles p'ra ir ao banheiro, e olha lá se não vou de fralda, p'ra não ter que levantar.

Assim como no restaurante, não vejo nada de estranho em ir para a balada para beber e dançar, e curtir um show ou DJ ou o cheiro da noite [eu sou apaixonado pela noite], ou mesmo só para sair de casa, da minha pilha de livros, dos meus jantares solitários, das minhas conversas psicóticas com meu cachorro e de muito, mas muito Chico Buarque, e não "pegar" ninguém [na boa, eu pego doença, não pessoas... Cada um sabe de si, do seu momento, todo mundo com mais de dezoito é adulto e sabe de suas escolhas... Eu, sabendo das minhas, não "pego" ninguém], e voltar p'ra casa bêbado e cansado no táxi, sozinho, porque é "solteiro satisfeito", "solteiro convicto" e, sim, a gente faz isso com uma freqüência assustadora, porque, no fundo, todo "solteiro satisfeito" é livre p'ra (caramba)! E essa liberdade, sim, é nosso louvor.

Como "solteiros satisfeitos", acho que falo por todos, não aceitamos meias-companhias, meias-paixões, ou gente bicho-de-pelúcia, p'ra abraçar quando se está carente. Acho que todo "solteiro satisfeito" já perdeu tempo, saliva e esperança em meios romances, e, hoje, sem saco, perto ou depois dos trinta, não deixa ninguém entrar se não tiver potencial suficiente de ficar, porque no fundo todo "solteiro satisfeito" é um amante visceral, e não gosta de expôr suas vísceras ao léu. Esse é outro ponto louvável na nossa "solteirice satisfeita". Melhor sozinhos do que mal acompanhados [e é aqui que me estarrece a moça da mesa ao lado, ignorando a companhia p'ra assistir minha solteirice].

Agora, defesa da tese, e me condenem os "solteiros satisfeitos" que discordarem: se a mulher dos meus sonhos aparecer, toda minha pseudo-filosofia de "solteiro satisfeito" vai-se embora num piscar de olhos, ou melhor, num encontro de olhos, e eu vou Caetanear toda minha Buarquice, como o próprio Chico fez quando escreveu: "Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor. E dou risada do grande amor. Mentira!". Bem disse Tom: "fundamental é mesmo o amor", seja ele o próprio, ao tal bicho de estimação que, coitado, ouve suas teorias, seus murmúrios e suas sandices toda noite, "entre copas", ao mundo, à arte, enfim. Amor é bom, sempre que for de verdade.

Ninguém é, por fim, solteiro por opção, senão por falta dela, porque quando há uma opção adequada, ninguém quer ficar solteiro ;).

MARIO FEITOSA

Não sei de nada, mas, sabendo disso, vem a sede de querer saber tudo, e nessa sede construo essas barbaridades, que acostumei a chamar de opinião. Me mostra que estou errado?.

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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

DEZ MANDAMENTOS DO PROFESSOR

Por CONTI outra -

Prof. Leandro Karnal

A sabedoria do mais influente legislador do Ocidente, Moisés, sintetizou uma concepção de mundo em Dez Mandamentos. Como bom educador, o ex-príncipe do Egito sabia que longos códigos são de difícil acesso. Curioso notar que constituições muito breves, como a norte-americana, passam dos dois séculos e constituições prolixas, como todas as brasileiras , caducam em prazos muito curtos.

Inspirados neste exemplo, elaboramos os Dez Mandamentos do Professor. Estes dez mandamentos são fruto de uma experiência particular e não se pretendem eternos ou válidos em qualquer ocasião. Gostaria apenas de fornecer a colegas, como você leitor, uma reflexão particular, que possa ser aprofundada, reinterpretada ou rejeitada de acordo com a sua experiência.

O que me levou a pensar nestes princípios é a mesma angústia que assola qualquer educador: como ser um bom profissional, ensinar, transformar meu aluno e fazer parte desta transformação? Como superar o tédio dos meus alunos, a indisciplina, a irrelevância de algumas coisas que faço e meu próprio cansaço? Como não considerar a sala um fardo e o relógio um inimigo? Como parar de achar que só vivo a partir do fim-de-semana? A partir destes questionamentos, você está permanentemente convidado a adensar ou criticar, fazer seus outros dez ou sintetizar a dois ou três, pois, quem acha que pode melhorar a aula que dá , já começou a viver educação. E quem não acha que pode? Bem, deixa para lá! Ensinar não é a única profissão do mundo…

-PRIMEIRO MANDAMENTO: CORTAR O PROGRAMA!

Quase todas as disciplinas foram perdendo aulas ao longo das décadas anteriores. Não obstante, os programas nem sempre acompanharam estes cortes. Pergunte-se: isto é realmente importante? Este conteúdo é essencial? Não seria melhor aprofundar mais tais tópicos e menos outros? Se a justificativa é a pressão do vestibular, ela não pode ocupar 11 anos de Ensino Médio e Fundamental. Se a justificativa é uma regra da escola ou um coordenador obsessivo, lembre-se: o Diário de Classe sempre foi o documento por excelência do estelionato. A coragem da grande tesoura é essencial. Dar tudo equivale a dar nada. Ensinar a pensar não implica esgotar o conhecimento humano.

-SEGUNDO MANDAMENTO: SEMPRE PARTIR DO ALUNO!

Chega de lamentar o aluno que não temos! Chega de lamentar que eles não lêem, a partir de uma nebulosa memória do aluno perfeito que teríamos sido (nebulosa e duvidosa). Este é o meu aluno real. Se, para ele, Paulo Coelho é superior a Machado de Assis e baile Funk é superior a Mozart, eu preciso saber desta realidade para transformá-la. Se ele é analfabeto devo começar a alfabetizá-lo. Se ele está no Ensino Médio e ainda não domina soma de frações de denominadores diferentes devo estar atento: esta é minha realidade. A partir do zero eu posso sonhar com o cinco ou seis. A partir do imaginário da perfeição é difícil produzir algo. A Utopia, desde Platão e Thomas Morus, tem a finalidade de transformar o real, nunca de impossibilitá-lo.

-TERCEIRO MANDAMENTO: PERDER O FETICHE DO TEXTO!

Em todas as áreas, em especial nas humanas, os alunos são instigados quase que exclusivamente ao texto. Num mundo imerso na imagem e dominado por sons e cores, tornamos o texto central na sala de aula. Devemos estar atentos ao uso de imagens, música, sensorialidades variadas. O texto é muito importante, nunca deve ser abandonado. Porém, se o objetivo é fazer pensar, o texto é apenas um instrumento deste objetivo maior. Há pessoas que pensam e nunca leram Camões e há quem saiba Os Lusíadas de cor e não pense…Lembre-se de que há outros instrumentos. A sedução das imagens deve ser uma alavanca a nosso favor, nunca contra. Usar filmes, propagandas, caricaturas, desenhos, mapas: tudo pode servir ao único grande objetivo da escola: ajudar a ler o mundo, não apenas a ler letras.

-QUARTO MANDAMENTO: POSSIBILITAR O CAOS CRIATIVO.

Fomos educados a um ideal de ordem com carteiras emparelhadas e, mesmo no fundo do nosso inconsciente, este ideal persiste. Qual professor já não teve o pesadelo de perder o controle total de uma sala, especialmente na noite mal dormida que antecede o primeiro dia de aula? Devemos estar preparados para o caos criador e para o lúdico. Alunos andando pela sala, trocando fragmentos de textos ou imagens dados pelo professor, discussões, encenações, o professor recitando uma poesia ou mandando realizar um desenho: tudo pode ser canal deste lúdico que detona o caos criativo. Surpreenda seus alunos com uma encenação, com um silêncio, com um grito, com uma máscara. Uma sala pode estar em ordem e ninguém aprendendo e pode estar com muitas vozes e criando ambiente de aprendizado. Lembre-se o silêncio absoluto é mais importante para nós do que para os alunos. É difícil vencer a resistência dos colegas e da própria escola a isto. Lógico que o silêncio também deve ser um espaço de reflexão, mas é possível pensar que há valor num solo gentil de flauta, numa pausa ou num toque retumbante de 200 instrumentos.

-QUINTO MANDAMENTO: INTERDISCIPLINAR!

Assim mesmo, entendido o princípio como um verbo, como uma ação deliberada. É fundamental fazer trabalhos com todas as áreas. Elaborar temas transversais como o MEC pede e, ao mesmo tempo, libertar o aluno da idéia didática das gavetas de conhecimento. Não apenas áreas afins (como História e Geografia) mas também Literatura e Educação Física, Matemática e Artes, Química e Filosofia. É preciso restaurar o sentido original de conhecimento, que nasceu único e foi sendo fragmentado até perder a noção de todo. O profissional do futuro é muito mais holístico do que nós temos sido até hoje.

-SEXTO MANDAMENTO: PROBLEMATIZAR O CONHECIMENTO.

Oferecer ao aluno o cerne da ciência e da arte: o problema. Não o problema artificial clássico na área de exatas, mas os problemas que geraram a inquietude que produziu este mesmo conhecimento A chama que vivou os cientistas e artistas é transmitida como um monumento inerte e petrificado. Mostrem as incoerências, as dúvidas, as questões estruturais de cada matéria. Mostrem textos opostos, visões distintas, críticas de um autor ao outro. Nunca fazer um trabalho como: “O Feudalismo” ou “O Relevo do Amapá”; mas problemas para serem resolvidos. Todo animal (e, por extensão, o aluno) é curioso. Porém, é difícil ser curioso com o que está pronto. Sejamos francos: se é tedioso ler um trabalho destes, qual terá sido o tédio em fazê-lo?

-SÉTIMO MANDAMENTO: VARIAR AVALIAÇÕES.

Provas escritas são válidas, como a vitamina A é válida para o corpo humano. Porém, avaliações variadas ampliam a chance de explorar outros tipos de inteligência na sala. As outras avaliações não devem ser vistas como um trabalhinho para dar nota e ajudar na prova, mas como um processo orgânico de diminuir um pouco a eterna subjetividade da avaliação.

-OITAVO MANDAMENTO: USAR O MUNDO NA SALA DE AULA!

O mundo está permeado pela televisão, pela Internet, pelos jornais, pelas revistas, pelas músicas de sucesso. A escola e a sala de aula precisam dialogar com este mundo. Os alunos em geral não gostam do espaço da sala porque ele tem muito de artificial, de deslocado, de fora do seu interesse. Usar o mundo da comunicação contemporânea não significa repetir o mundo da comunicação contemporânea; mas estabelecer um gancho com a percepção do meu aluno.

-NONO MANDAMENTO: ANALISAR-SE PESSOALMENTE!

A primeira pessoa que deve responder aos questionamentos da educação é o professor. Somos nós que devemos saber qual o motivo de dar tal coisa, qual a relevância, qual a utilidade de tal leitura. O professor é o primeiro que deve saber como tal ciência transformou a sua vida. Isto implica fazer toda espécie de questão, mesmo as incômodas. Se eu não fico lendo tal autor por prazer e nem o levo aos meus passeios como posso exigir que um jovem ou uma criança o façam? Qual a coerência do meu trabalho? Minha irritação com a turma indisciplinada é uma espécie de raiva por saber que eles estão certos? Minha formação permanente me indica novos caminhos? Estou repetindo fórmulas que deram certo quando eu era aluno há 20 ou mais anos? É necessário um exercício analítico-crítico muito denso para que eu enfrente o mais duro olhar do planeta: o do meu aluno.

-DÉCIMO MANDAMENTO: SER PACIENTE!

Hoje eu acho que ser paciente é a maior virtude do professor. Não a clássica paciência de não esganar um adolescente numa última aula de sexta-feira, mas a paciência de saber que, como dizia Rubem Alves, plantamos carvalhos e não eucaliptos. Nossa tarefa é constante, difícil, com resultados pouco visíveis a médio prazo. Porém, se você está lendo este texto, lembre-se: houve uma professora ou um professor que o alfabetizou, que pegou na sua mão e ensinou, dezenas de vezes, a fazer a simples curva da letra O. Graças a estas paciências, somos o que somos. O modelo da paciência pedagógica é a recomendação materna para escovar os dentes: foi repetida quatro vezes ao dia, durante mais de uma década, com erros diários e recaídas diárias. As mães poderiam dizer: já que vocês não querem nada com o que é melhor para vocês, permaneçam do jeito que estão que eu não vou mais gritar sobre isto (típica frase de sala de aula…) . Sem estas paciências, seríamos analfabetos e banguelas. Não devamos oferecer menos ao nosso aluno, especialmente ao aluno que não merece nem quer esta paciência este é o que necessita urgentemente dela. O doente precisa do médico, não o sadio. O aluno-problema precisa de nós, não o brilhante e limpo discípulo da primeira carteira.

Há alguns anos eu falava de alguns destes princípios e uma senhora redargüiu dizendo que ela fazia tudo isto e muito mais e, mesmo assim, os alunos estavam cada vez piores e com menos resultados. Olhei para esta professora e senti nela o reflexo de meus cansaços também. A única coisa que me ocorreu lembrar é uma alegoria, com a qual encerro este texto:

Na nossa cultura há um modelo de professor: Jesus. A maioria absoluta das pessoas no Brasil é cristã, mas a alegoria serve também para os que não são. Tomemos a história de Jesus independente da nossa orientação religiosa. Comparemos: Jesus teve 12 alunos escolhidos por ele! Eu tenho 30, 60, 100, escolhidos por um rigoroso processo de seleção: inscreveu, pagou, entrou. Jesus teve alunos em tempo integral por três anos: eu tenho por duas ou quatro aulas semanais, por um período mais curto. Os alunos de Jesus deixaram tudo para segui-lo, o meu não deixa quase nada e não quer acompanhar nem meu pensamento, quanto mais minhas propostas existenciais. Fiel aos novo ditames do MEC, Jesus deu um curso superior em três anos. Para quem acredita, Ele fazia milagres, coisa que nós certamente não fazemos naquele sentido. A aula, de Jesus, assim, era reforçada por work-shops. A auto estima e a confiança de Jesus era enorme: o cara simplesmente dizia que era o Filho de Deus, que ressuscitava mortos, andava sobre as águas, passava quarenta dias sem comer e não tinha medo de ninguém. Eu não tenho esta convicção. Melhor: as aulas eram ao ar livre, sem coordenação, sem direção, sem colegas e os pais dos alunos não apareciam para reclamar! Bem, após 3 anos de curso intenso com todos estes reforços, chegou a prova final. Na agonia do Horto os três melhores alunos dormiram, quando o Mestre estava chorando sangue. O tesoureiro da turma denunciou o professor à Delegacia de Educação por 30 moedas. O líder da classe, Pedro, negou que tivesse tido aula por três vezes diante da supervisora de ensino: nunca vi este cara antes… Outros nove fugiram sem dar notícia e não compareceram à prova final: o Calvário. O mais novo e bobinho, João, foi até lá, mas não fez nada para impedir que os guardas matassem o professor. Se considerarmos João , com boa vontade, o único aprovado, teremos uma média de êxito de 8.33%, baixa demais para os padrões das Delegacias de Ensino e alvo de demissão sumária por justa causa. O professor morreu e, para quem acredita, voltou para uma recuperação de férias. Reuniu os reprovados e disse: mais uma chance. Um dos alunos , Tomé, pediu para colocar o dedo no diploma do professor para ver se era de verdade. Primeira pergunta do líder da turma, Pedro: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?” Ou seja, o melhor aluno não aprendeu nada! Esta pergunta mostra o oposto da aula dada, pois ele achou que o curso tinha sido sobre política e, na verdade, tinha sido sobre Teologia… Objetivos não atingidos: 100% ! Novos milagres, mais 40 dias defeedback, apostilas, recuperação, reforço de férias. Final de curso pirotécnico: subiu ao céu entre nuvens e anjos assistentes-pedagógicos disseram que o mestre tinha ido para a sala dos professores eterna e não mais voltaria. O curso estava encerrado, todas as lições tinham sido dadas para aquela nata de 11 homens. O que eles fizeram? Foram se esconder numa casa, todos apavorados. O mestre mandou um módulo auto-instrucional de reforço, o Espírito Santo, um anabolizante. Só então, com uma força externa, eles começaram a entender, e finalmente tiveram aquela famosa reação bovina: HUMMMM…
Bem, eu disse à professora que me questionava: se Jesus teve tantos insucessos apesar de condições tão boas, a senhora quer ser mais do que Ele? Hoje eu diria para qualquer profissional: faça o máximo, mas apenas o máximo, e deixem o resto por conta do resto. A frase parece autista, mas é muito importante. Nós temos um limite: a vontade do aluno, da instituição e da sociedade como um todo. Não transformamos nada sozinhos, mas transformamos. O primeiro passo é a vontade. O segundo começa daqui a pouco, naquela sala difícil, com aquela turma sentada no fundo e naqueles angustiantes dez minutos que você vai levar para conseguir fazer a chamada… Vamos lá?