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Imagem: Reprodução |
"Há
momentos em que sinto tal tristeza, tal espanto… Nesses momentos chega a
parecer-me e até começo a acredita-lo, que já não poderei iniciar
nenhuma vida nova, pois já por mais de uma vez tive a impressão de que
perdia todo o sentimento e toda a sensibilidade para tudo quanto é
realidade e vida verdadeira; porque eu me amaldiçoei a mim mesmo; porque
às minhas noites fantásticas se seguem
momentos de prostração que são terríveis. E para além de tudo isto
acabamos por sentir que as massas humanas se agitam à nossa volta em
ruidoso tropel, ouvimos e vemos como vivem as criaturas: o que se chama
viver, viver de verdade e acordado, e chegamos a verificar que a nossa
vida não obedece à nossa vontade, que a nossa vida não se deixa moldar
como um sonho, que eternamente se renova e fica eternamente jovem, e
nela nenhuma hora é igual à que se segue, enquanto a horrível fantasia,
essa nossa força de imaginação, acaba por ficar desconsolada e
suscetível, e monótona ate à vulgaridade, escrava das primeiras
nuvenzinhas que de repente cobrem o sol e oprimem numa dor amarga o
nosso coração que tanto ama esse mesmo sol. E até na própria dor, que
fantasia! Sentimos que, por fim, essa mesma fantasia que parece
inesgotável, há de esgotar-se na sua eterna tensão, pois nos vamos
tornando mais viris e amadurecidos, e superamos os nossos antigos
ideais, que se desvanecem e se reduzem a palavras e a pó. E se depois
não houver outra vida, temos de nos pôr a reunir os restos desse entulho
para com eles voltarmos a refazê-la. E contudo a nossa alma reclama e
anseia por alguma coisa completamente diferente. E em vão o sonhador
remexe nos seus antigos sonhos, como se ainda procurasse no rescaldo uma
centelha, uma só, por pequena que fosse, sobre a qual pudesse soprar, e
com a nova chama assim ateada aquecer o coração enregelado e voltar a
despertar nele o que dantes lhe era tão querido, o que comovia a nossa
alma e nos arrebatava o sangue, aquilo que fazia subir as lágrimas aos
nossos olhos e que era uma ilusão tão bela."
- Fiódor Dostoiévski, em 'Noites Brancas'.
- Fiódor Dostoiévski, em 'Noites Brancas'.
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