domingo, 30 de novembro de 2014

Por que o medo da rejeição nunca desaparece (mesmo quando se está num relacionamento sério)




Há doces momentos – no início dos relacionamentos – em que uma das pessoas não consegue bem ter coragem de indicar ao outro o quanto gosta dele ou dela. Adorariam pegar em sua mão e encontrar um lugar em sua vida; mas o medo da rejeição é intenso demais, e a pessoa hesita e fraqueja. Nossa cultura tem muita simpatia por esse estágio do amor, tão desajeitado e intensamente vulnerável que é.
É-nos ensinado que sejamos pacientes com as formas esquisitas que as pessoas usam, de início, na tentativa de expressar suas necessidades. Podem ficar ruborizadas ou com a língua presa. Podem também agir de forma sarcástica ou fria, não por indiferença, mas como uma forma de disfarçar um entusiasmo tão poderoso que poderia ser perturbador.
A pressuposição, no entanto, é que o terror da rejeição de alguma forma será limitado, simplesmente por ocorrer em uma fase particular do relacionamento: o início. Uma vez que um parceiro finalmente nos aceite e a união esteja em andamento, a pressuposição é de que o medo deveria acabar. Seria esquisito que as ansiedades continuassem mesmo depois que duas pessoas fizeram algum tipo de compromisso mútuo totalmente explícito, adquiriram uma hipoteca em conjunto, compraram uma casa juntas, fizeram votos, tiveram alguns filhos, e colocaram o nome uma o da outra em seus testamentos.
E ainda assim uma das características mais esquisitas dos relacionamentos é que, no fim das contas, o medo da rejeição nunca acaba. Continua, mesmo nas pessoas completamente sãs, e em termos diários, com algumas consequências devastadoras – principalmente por nos recusarmos a prestar atenção nisso, e por não sermos treinados para identificar os sintomas contraintuitivos desse medo nos outros. Não descobrimos uma forma livre de estigmas para admitir o quanto precisamos de segurança.

Sean Connery And Tippi Hedren In 'Marnie'
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Dentro de nossas psiques a aceitação nunca é tomada como garantida, a reciprocidade nunca é certa; sempre é possível que novas ameaças surjam, reais ou imaginadas, perante a integridade do amor. O desencadeador da insegurança pode ser aparentemente minúsculo. Talvez o outro esteja trabalhando mais do que o esperado; ou conversava animado com um estranho em uma festa; ou já faz um tempinho desde a última vez que se fez sexo. Talvez o outro não tenha sido tão acolhedor quando entramos na cozinha. Ou esteja muito quieto na última meia hora.
Mesmo depois de permanecer anos com alguém, ainda pode haver um rodamoinho de medo com relação a pedir uma prova do que queremos. Mas a isso se adiciona uma complicação terrível: agora presumimos que esse tipo de ansiedade não era para existir.
Isso faz com que seja muito difícil reconhecer nossos sentimentos, que dizer então comunicá-los aos outros de formas com alguma chance de nos conformar na compreensão e simpatia que tanto ansiamos. Em vez de pedir por algum conforto de forma carinhosa e apresentar nossos anseios com charme, pelo contrário mascaramos nossas necessidades por trás de alguns comportamentos brutos e simplesmente desconsiderados, o que garante que frustremos nossas necessidades. No contexto dos relacionamentos estabelecidos, quando negamos o medo da rejeição, três sintomas principais tendem a aparecer:

Um: nos distanciamos

Queremos nos aproximar de nossos parceiros, mas nos sentimos tão ansiosos quanto a sermos indesejados que os congelamos lá fora. Dizemos que estamos ocupados, fingimos que nossos pensamentos estão em outras coisas, implicamos que uma necessidade de segurança é a última coisa que passa por nossas cabeças.
Podemos até mesmo trair, o que é uma derradeira estratégia para não se ficar com cara de bobo ao manter o distanciamento – uma tentativa perversa de afirmar que não demandamos o amor do parceiro (pelo qual mal pedimos, reservados que somos). As traições podem se tornar os mais esquisitos elogios; provas ardorosas da indiferença que reservamos, e secretamente dirigimos, para aqueles com quem realmente nos importamos.

A suspicious woman observing her husband at the phone
Reprodução

Dois: ficamos controladores

Ao sentir que estão nos escapando emocionalmente, respondemos tentando enquadrá-los “administrativamente”. Ficamos indevidamente furiosos com seus atrasos, xingamos por não completarem certas tarefas cotidianas, enchemos constantemente pedindo para que realizem uma tarefa que concordaram em fazer. Tudo isso para não ter que admitir: “estou preocupado que você não se importe comigo…”
Não podemos (acreditamos) forçá-los a serem generosos e carinhosos. Não podemos forçá-los a nos querer (mesmo sem ter perguntado…) Então os tentamos controlar em suas ações. A finalidade não é realmente ficar na posição de mandão o tempo todo, só não podemos admitir nosso terror perante o quanto já nos rendemos ao outro. Um ciclo trágico então se desenrola. Ficamos desagradáveis e estridentes. Para a outra pessoa, parece que não somos mais capazes de amá-la. Ainda assim a verdade é que a amamos: só temos demasiado medo de que não nos ame.

Três: ficamos malvados

Como recurso final, protegemos nossa vulnerabilidade ao denegrir a pessoa que nos escapa. Espezinhamos suas fraquezas e reclamamos de seus defeitos. Tudo para evitar a pergunta que tanto nos perturba: essa pessoa me ama? E ainda assim, se esse comportamento grosseiro e feio pudesse ser realmente compreendido, o que seria revelado não seria rejeição, mas um pedido bem real, ainda que estranhamente distorcido, por carinho.


* * *


A solução para todos estes problemas é normalizar uma imagem nova, mais precisa, do funcionamento emocional: deixar claro o quão saudável e maduro é ser frágil e necessitar constantemente de conforto e segurança.
Sofremos porque a vida adulta postula uma imagem muito robusta de como supostamente operamos. Tenta nos ensinar a ser independentes e invulneráveis num nível implausível. Sugere que pode não ser correto exigir do parceiro que nos mostre que ainda gosta de nós, após sair por apenas algumas horas. Ou quando queremos que nos confortem que não se afastaram de nós – só não prestaram muita atenção em nós durante uma festa e não queriam ir embora quando quisemos.
E ainda assim, é precisamente esse tipo de conforto que constantemente exigimos. Nunca nos saciamos das exigências por aceitação. Não é uma maldição limitada aos fracos e inadequados. A insegurança é, nessa área, um sinal de estar bem. Significa que não nos permitimos tomar os outros como garantidos. Significa que permanecemos suficientemente realistas, verificando para que as coisas não realmente sigam numa direção ruim – e que nos importamos com isso.
Devíamos abrir espaço para momentos normais, pelo menos talvez durante algumas horas, em que nos permitimos não sentir vergonha e podemos legitimamente pedir confirmação. ‘Preciso muito de você; você ainda me quer?’ devia ser a pergunta mais normal de todas. Deveríamos desvincular a admissão de necessidade de quaisquer associações com o termo infeliz e punitivamente machão: “grudento”. Precisamos melhorar no reconhecimento do amor e dos anseios que jazem subentendidos nos momentos mais gélidos, administrativos ou brutos de nosso parceiro e de nós mesmos.


* * *



Nota: esse texto foi originalmente publicado no Philosophers Mail e traduzido sob autorização.



Alain de Botton

Pensador com uma visão afiada sobre as questões mais urgentes de hoje, escritor de livros e ensaios, fala de educação, notícias, arte, amor, viagens, arquitetura e outros temas essenciais da "filosofia da vida cotidiana". Também é fundador da School Of Life, escola dedicada a uma nova visão de formação humana.

Outros artigos escritos por
Fonte: Papo de Homem 

sábado, 29 de novembro de 2014

O 'ser cometa'



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Não imagine que esse seja mais um texto enfadonho a falar sobre amizade. Não que estes sejam chatos, ou sem verdades, mas já está manjado. Não estamos acostumados com mais do mesmo. Não somos fracos não! Hoje falamos sobre cometas. Há toda uma discussão a respeito desse corpo celeste. Os cientistas dizem que são compostos de gelo, poeira e pequenos fragmentos rochosos, variando em tamanho de algumas centenas de metros até dezenas de quilômetros. Outros acreditam que são corpos celestes perdidos no espaço, sem morada fixa. Já na filosofia popular acreditam que os cometas fazem parte de um espetáculo celeste proporcionado pelo Criador. Tantas teorias. Cada um se apossa da que lhe convém. A questão é que o ser que não participa dessa discussão fica entusiasmado quando ao olhar para imensidão do céu noturno é presenteado pela passagem dessa ‘estrela com cabeleira’, como definiu Aristóteles. Chega-se em casa todo feliz, conta para a mãe, o pai, o irmãozinho, o periquito e o papagaio. Nem todos recebem a informação empolgados, mas percebem que a passagem de tal cometa foi significativo em sua vida. Sente-se o mais felizardo dos seres. É como se fosse o fio de esperança nesse tamanho desastre que às vezes nos encontramos. E como necessitamos de esperança! Não que o céu durante a noite seja triste, pelo contrário, eis um palco que despensa comentários e elogios. Quantos de nós já não nos pegamos por horas refletindo as mais profundas, ou rasas, questões contemplando a beleza do manto azul anil que nos cobre?! Retomando o assunto cometa, este cria laços sem permanecer por muito tempo em nossas vistas. Num piscar de olhos ele se vai. Por isso, é tão importante estar desperto para admirar as belezas que nos rodeiam. Manter o foco no que de melhor nos é oferecido. Do contrário, nunca perceberemos quando um ‘cometa’ cruzar nosso caminho. Só de lembrar aquela, talvez única, vez que o vimos, voluntariamente abrimos um largo sorriso. Costumo chamar esse sorriso de ‘sorriso da esperança’. Ninguém esquece um cometa - e não há margem de erro do ibope nessa afirmação. E o cometa não se vangloria, pois não tem tempo pra isso. Apresenta seu espetáculo e, muitas vezes, não espera aplausos. Eis uma lição real de humildade! Temos muito a aprender com os cometas. Vez por outra temos a sorte de encontrá-lo. Tendo a oportunidade, aprecie, admire, reacenda a chama da esperança – se esta estiver fraca ou apagada. O ser cometa convive com você poucos dias, horas ou minutos e se torna uma das melhores personalidades que já conheceu. Esse é um dos momentos em que pensamos o quanto vale a pena ter a oportunidade de viver.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Amputado

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Fabrício Carpinejar

Ninguém enxerga. Mas estou amputado. O que é invisível sangra mais. Sofro por algo que não falarei. Não me pergunte.

Posso estar rindo, posso estar trabalhando com vontade, posso demonstrar confiança, posso ser amoroso, posso ser simpático.

Mas estou amputado. O braço levanta, mas não abraça quem quer. A perna caminha, mas não vai onde deseja.

Parte de mim não existe mais. Você não vê diferença, é que disfarço a dor com elegância.

Manco só em casa. Tropeço só em casa.

Na rua, eu me equilibro na raiva e na injustiça.

Tenho minhas bengalas provisórias. Às vezes eu me escoro nas paredes dos amigos. Às vezes escorro o rosto de noite lamentando que não serei mais completo.

Estou amputado. Vou me adaptar, vou seguir adiante, vou sobreviver.

Não terei a mesma facilidade de antes, não acreditarei mais que posso ter tudo o que preciso, mas acharei um jeito de voltar a correr.

Um dia - espero que seja breve - ponho uma prótese, esqueço o tombo, a cicatriz se junta à pele, a dor será apenas uma fisgada no temporal.

Estou amputado.

Não tenha pena de mim, nunca se deixa um amor sem se machucar.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ninguém é como você


  Por Ique


Ouça enquanto lê...




Eu abro o facebook
e o que eu vejo?
Um monte de pessoas reclamando
que não existe amor.
No passado, eu também era assim.
Chamava uma mulher para sair
e torcia para ela dizer “sim”.
Mas, na maioria das vezes,
escutava “vamos marcar outro dia”.
Um dia, finalmente percebi
não é todo mundo que vai gostar de mim.
Eu sou cheio de defeitos.
Em um mundo que luta todos os dias
para você ser perfeito.
Qual mulher
nunca escutou:
Você está muito magra.
Você está um pouco gorda.
Você é muito ciumenta e insegura.
Todo mundo apontando o dedo torto
no defeito do outro.
Supere isso.
Pare de ter pena de si mesmo.
Eu sou careca.
Existem pessoas que não gostam.
E dai?
Eu não quero alguém
que goste do meu cabelo.
Quero uma pessoa que goste do meu beijo.
E antes dos lábios se encontrarem,
eu vou tremer e você também.
Do jeito que tem que ser.
Porque, não sei se você sabe,
mas o beijo é o sabor do desejo.
Eu sou cheio de defeitos.
Em um mundo que luta todos os dias
para você agradar a todos, o tempo todo.
Chorar na frente dos outros
nem pensar.
Você tem que ser frio
e chorar no escuro.
Eu não sei de você.
Mas eu estou cansado disso.
Cansado de contar meus segredos
a um estranho.
Cansado de mendigar.
Cansado de apagar as luzes e chorar.
Cansado de gente falsa
que um dia te ama
e no outro te trai pelas costas.
Me diga se estou errado.
O amor não é um inimigo
é um aliado.
Então, hoje, espere um pouco.
Encontre algo
que seja melhor do que o seu passado.
Ei você, sim você aí.
Vá em frente
e apenas siga o presente.
Mova-se.
Faça alguma coisa.
Mesmo que seja errado
você vai se sentir melhor por ter tentado.
Palavras não ditas,
deixam a cama vazia.
Ei você, sim você aí.
Então, agora, eu quero sair com você agora.
Só você e eu,
intensamente ou nada.
Mas, antes,
há apenas uma coisa que eu gostaria de saber.
Você quer passar a sua vida inteira
procurando alguém perfeito,
ou alguém que te ame por inteiro?
Não precisa gritar para o mundo
e nem ter medo.
Todo mundo quer alguém.
E isso não é um clichê,
é a verdade.
Então, feche os olhos
e sinta.
A esperança é o vento
que traz o seu amor em silêncio.

Fonte: The Love Code

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Ninguém é feito para ninguém

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Ninguém é feito para ninguém. O mundo não é uma enorme caixa com milhões de pares de sapatos com somente dois de cada número, nos levando a uma busca incessante e insana por encontrar o par certo. O mundo está mais para uma enorme caixa com milhões de meias – não sapatos – e mesmo que você pegue o par do número errado, é só esticar um pouquinho ou usá-la um pouco que ela se molda ao seu pé. Mas no fim das contas, você pode escolher qualquer meia, porque, com boa vontade, ela vai te servir. Apertada ou larga, mas vai servir.
Essa falácia de almas gêmeas e de “nascidos um para o outro” pode ser ótima para se escrever textos românticos ou para convencer a sua namorada de que a Marilene não significou nada, [...]. Mas na vida real, no plano adulto de tentar fazer um relacionamento dar certo sem ajuda divina ou de falas de comédias românticas, esse papo de almas gêmeas fica lá fora da porta, junto com a fada do dente e o deputado ficha limpa.
De nada adianta você achar que encontrou a sua alma gêmea e não se esforçar para fazer dar certo. É como levar jeito com animais e achar que isso faz de você imune a veneno de cobra. É preciso muita paciência, uma boa dose de boa vontade e entender que ceder faz parte, que ceder não é perder, que ceder é ganhar, é poupar o casal de uma talvez infrutífera discussão ou uma inevitável briga. Ninguém precisa namorar um clone seu, alguém que concorde com tudo o que você faz o tempo todo. Pelo contrário. É perfeitamente possível se relacionar com alguém que discorde de você o tempo todo, que odeie tudo o que você gosta, que goste de tudo o que você mais abomina. É só ter respeito e não tentar impor sua opinião ou pensar que a outra pessoa está errada – só por não concordar com você.
Aliás, tentar entender que estar certo é menos importante do que evitar uma briga que vem dobrando a esquina, se esgueirando por trás do “você sabe que to estou certo”. Nenhuma alma gêmea sobrevive a um relacionamento onde alguém quer estar certo o tempo todo. E falo isso por experiência própria, porque eu só não sou o tipo de pessoa que “acha” que está sempre certo, porque eu sou o tipo de pessoa que sabe que está sempre certo. Mas em um relacionamento, eu tento deixar essa minha sapiência sobre-humana de lado, em prol de uma convivência saudável e pacífica. É fácil? Não, na maioria das vezes eu não consigo. Mas é mais fácil se esforçar, tentar, do que se esconder atrás da baboseira de achar que vocês são almas gêmeas e que por isso vocês vão ficar juntos para sempre, não importa o que aconteça. Duas pessoas que querem, que tem vontade e se esforçam, vão ficar juntos de qualquer maneira, por mais diferentes que elas sejam. [...] Esforço é a chave para tudo.



Sobre Léo Luz

Leonardo Luz é escritor e roteirista, e não sabe fazer mais nada da vida, a não ser jogar poker e fazer pipoca de microondas.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Cada um sabe o que traz na bagagem

 
 Por Fabíola Simões



 Ás vezes entendemos a vida de forma "torta".
 Seja porque nos ensinaram assim, ou talvez porque simplesmente não compreendemos as coisas no momento em que foram ensinadas, ou ainda porque o único jeito que encontramos para lidar com aquilo foi dessa forma distorcida.
 O fato é que continuamos a viver assim, entendendo tudo ao contrário - como se fosse certo - e obtendo resultados ruins.

 Um dia, numa hora qualquer, percebemos os estragos de ter compreendido errado. Porque não facilitamos as coisas para ninguém, principalmente para nós mesmos.
 É preciso entender que as pessoas têm visões diferentes da vida, dos momentos, dos acontecimentos. Porque deduzem baseadas nos primórdios do aprendizado, naquela porção interior cheia de mistérios que ainda estamos longe de compreender.

 Cada um sabe o que traz na bagagem. E ninguém tem visão de Rx - como na esteira do aeroporto - para desvendar o que vai dentro do outro. E mesmo tentando explicar, é difícil compreender.
 Por isso, o que me deixa à flor da pele não é o mesmo que te excita, o que me faz ferver por dentro não provoca nem cócegas em você, o que não suporto é indiferente aos seus sentidos, o que você oculta é escancarado em mim. Porque somos complexos até para nós mesmos. Assimilamos distorções e colecionamos traumas, que culminam nas horas mais impróprias: um encontro inusitado, um filme bobo, um tropeção sem importância. E choramos "sem motivo", surtamos sem "razão", nos declaramos "do nada".
  Nessas horas você deixa vir à tona aquilo que andava guardado há muito tempo, naquele cantinho da bagagem onde colocamos pequenos pertences e grandes segredos.

 Então você descobre que qualquer fato pode trazer à tona sua versão mais primitiva. E, se tiver sorte, pode consertar alguma coisa a partir daí. Porque percebe que é hora de encontrar o caminho de volta.

 E o caminho de volta pode lhe conduzir ao mesmo lugar de onde você partiu, mas saberá lidar melhor com a situação.
 Ou te levará à uma rua totalmente nova, com paisagens inéditas, como folha em branco.
 Mas é fundamental que encontre um caminho.

 Pois a vida não parou, ela só te mostrou que ás vezes não adianta ter razão, não adianta querer muito alguma coisa, não adianta acreditar. Certas coisas simplesmente acontecem, aleatoriamente, livremente. E isso não se refere necessariamente a você. Isso faz parte de um equilíbrio universal talvez como folhas que caem e se renovam com a mudança das estações. E basta estar vivo para estar sujeito ao caos.

 Sobreviver é reconhecer novas chances, novos recomeços, novas possibilidades.
 Entender que uma janela se fecha enquanto uma porta se abre; entender principalmente que se fixar no cadeado sem chaves é perda de tempo, talvez burrice.

 Então você se dispõe a recusar o papel de vítima; e aprende a desdenhar qualquer emoção ególatra...

 Finalmente você percebe que é único. E algumas questões pertencem somente a você. Exclusivamente. E, se estar à flor da pele por motivos aparentemente banais faz de você quem é, apenas aceite. Aceite e toque seu barco sem perder a fé, acreditando que todo mundo tem uma bagagem também - algumas mais leves, com rodinhas ultra deslizantes; outras pesadas, com a alça desabando...

 Porém, haverá um momento - quando você menos esperar - que não estará tão pesado assim. Nem difícil.
 Estará apenas mais adaptado ao seu corpo, ao seu tamanho, às suas forças... a você. 
 
Reprodução
 
 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Monumento a um jovem monolito

      Curiosa sugestão de leitura por Alex Castro, um ser que admiro há algum tempo. Trata-se das inspiradas declarações de André Dahmer, Monumento a um jovem monolito, que soa como uma oração-modelo a ser realizada diariamente. Considerar nossa rotina por esse ângulo nos tornará cada vez mais humanos, vivos, no real sentido dos termos. De antemão digo, repense sua rotina se acaso se identificar com as palavras abaixo. Que seja como um sinal de alerta. Crie coragem e mude, se necessário. Bom proveito!

Monumento a um jovem monolito
Monumento a um jovem monolito: Reprodução
     "Ao completar trinta anos, você ganhará os olhos duros dos sobreviventes. Só verá sua amada na parte da manhã e da noite, só encontrará seus pais de vinte em vinte dias. E quando seus velhos morrerem, você ganhará um dia de folga para soluçar e gritar que deveria ter ficado mais próximo deles. Sorria, você é um jovem monolito e a vida vai ser pedrada. O trabalho é uma grande cadeia e você sentirá muito alívio por ter uma. A cadeia engrandece o homem, o sangue do dinheiro tem poder. Reze. Reze ajoelhado por uma carreira, dê a sua vida por ela. Viva como todo mundo vive, você não é melhor que ninguém. Porque o dinheiro move montanhas, o dinheiro é a igreja que lhe dará o céu. Sorria, você é um jovem monolito e o mundo é uma pedreira. Eles irão moer você todinho. De brinde, muitos domingos para chorar sua falta de tempo ou operar uma tendinite. Nas terríveis noites de domingo, beba. Beba para conseguir dormir e abraçar mais uma monstruosa segunda-feira. [...] A vida é uma grande seca, mas ninguém sente calor: Nas salas refrigeradas, seus colegas de trabalho fabricam informação e, frios, sonham com o dia dez do próximo mês. Você é o Babaca do Dia Dez, não há como mudar o seu próprio destino. Babaca que acorda assustado, porque ninguém deve atrasar mais de vinte e cinco minutos. Eles descontam em folha e você é refém da folha, do salário, do medo. Ninguém tem o direito de ser feliz, mas você ganhará a sua esmola de seis feriados por ano. E todos nós vamos enfrentar, juntos, um imenso engarrafamento até a praia. Para fingir que ainda estamos vivos. Para mostrar que ainda somos capazes de sentir prazer. Para tomar um porre de caipirinha sentado em uma cadeirinha de praia. É uma grande solução. E você ainda ganhará quinze dias de férias para consertar a persiana, pagar contas, fazer uma bateria de exames. Ninguém quer morrer do coração, ninguém quer viver de coração. Eu não duvido da sua capacidade de vencer: Lembre disso no primeiro divórcio, no primeiro infarto, no primeiro AVC."


* * *

domingo, 23 de novembro de 2014

Não aprendi a dizer adeus

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Ruth Manus

Nossa eterna incapacidade de aceitar que as despedidas fazem parte da vida.

Finalmente, dezembro vem chegando. Com ele, algum alívio, algum sossego e uma bela meia dúzia de alegrias. Mas com o fim do ano, para muitos, também chega alguma perspectiva de despedida.
Só ontem, nessa minha alegre e turbulenta vida de professora, foram duas turmas que me disseram seus adeus. Quase cem rostos, cem nomes, cem histórias, cem abraços marejando meus olhos.
Não tem jeito, não aprendi a dizer adeus.
E será que algum de nós aprendeu?
Seja por longo ou curto prazo, para longe ou para perto, para o bem ou para o mal, será que sabemos gerir e digerir despedidas?
Interessante o fato de que todos sabemos que a vida é permeada por caminhos que seguem direções opostas… E nem por isso conseguimos encarar separações como algo natural.
Eu não nasci com olhos claros. É uma realidade com a qual me conformei. Não me lamento a cada vez que me olho no espelho e vejo esses dois círculos escuros no meio do meu rosto. No Brasil não neva. E não nos chateamos a cada inverno por causa disso. Mulheres não fazem xixi em pé. E nem por isso fazemos um drama a cada vez que vamos ao banheiro.
E pessoas vão embora.
É uma realidade mais do que sabida. E aceitamos sem relutar? Sem barganhar, mendigar, suplicar? Não. Simplesmente não conseguimos admitir isso como uma verdade com a qual temos que conviver.
E nem sempre conseguimos materializar o porquê da tristeza na despedida. O porquê do nó que se instala em nossos peitos ao pensar no portão de embarque dos aeroportos ou nos veículos que, aos poucos, vamos perdendo de vista.
Às vezes é por prenúncio de saudade. Outras é por medo de perda. Outras por dependência. Apego. Posse. E muitas vezes é por mera consciência de que a vida é incerta, os caminhos independentes e o reencontro, uma mera hipótese.
Na verdade, quase sempre que não é um mero “até amanhã”, é ruim. Sobretudo com pessoas que, num dado momento, já foram o nosso “todo dia”. Pais, irmãos, amigos de escola, de faculdade, de trabalho.
Marisa Monte com seu “por isso não vá embora, por isso não me deixe nunca, nunca mais”; Bruno Mars com seu “don’t you say goodbye”; Piaf ou Jacques Brel com “ne me quitte pas”; Laura Pausini com seu “tu non lasciarmi mai”; Paralamas com seu “não me abandone jamais”. É uma angústia universal…
É um dos poucos momentos da vida em que adultos se permitem lapsos de irresignação e, sejamos sinceros, um certo egoísmo. Mas dentre tantas coisas lindas já escritas sobre despedidas por poetas e escritores célebres, na simplicidade das palavras que se tornaram célebres nas vozes de Leandro e Leonardo é possível encontrarmos a tão batalhada e necessária generosidade para lidar com as partidas.

“Não aprendi dizer adeus
Mas tenho que aceitar
Que amores vêm e vão
São aves de verão
Se tens que me deixar, que seja então feliz
Não aprendi dizer adeus
Mas deixo você ir
Sem lágrimas no olhar
Se o adeus me machucar
O inverno vai passar
E apaga a cicatriz.”

Não tem jeito. Vai ser um eterno aprendizado para todos nós. Uma eterna tentativa de entender e aceitar que os rumos da vida simplesmente não estão nas nossas mãos. Que nossos planos e vontades não têm o condão de controlar a vida daqueles que nos cercam. Por vezes, nem mesmo de controlar a nossa.
E que no fundo, talvez seja exatamente essa fluidez dos caminhos, os encontros, desencontros e reencontros que tornem a vida inevitavelmente dolorosa, mas tão encantadoramente imprevisível.
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sábado, 22 de novembro de 2014

Portugal deve pagar indemnizações pela escravatura?






É um tema que tem vindo a debate regularmente, mas de que pouco se fala em Portugal. Devem os países que participaram na escravatura pagar indemnizações? Quem o deve fazer, quem deve ser indemnizado?
Em Maio, a organização Comunidade das Caraíbas (Caricom) reuniu-se na conferência da Comissão de Compensações/Reparações e incluiu Portugal na lista dos países europeus aos quais querem exigir indemnizações. Chegaram, na altura, a um programa de dez pontos que consideram essenciais para o processo de reparações: passa pelo pedido de desculpas formal, apoio ao repatriamento para África, criação de programas de desenvolvimento para indígenas, criação de instituições culturais, erradicação da iliteracia ou cancelamento das dívidas dos países africanos.
Há três semanas, a Caricom voltou a reunir-se em Antígua e Barbuda numa segunda edição da conferência e voltou a fazer as mesmas reivindicações. As negociações continuam e estão agora nas mãos do comité liderado pelo primeiro-ministro de Barbados, Hon Frendel Sturat, diz Verene Shepherd, presidente da Comissão Nacional para as Reparações da Jamaica e uma das três vice-presidentes da Comissão de Compensações.
Apesar de estar incluído na lista, Portugal ainda não terá tido uma abordagem formal da parte da Caricom, pelo menos que Shepherd saiba. Os países da Caricom são Antígua e Barbuda, Baamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname e Trindade e Tobago. Além de Portugal, são pedidas indemnizações a Espanha, Reino Unido, França, Holanda, Dinamarca ou Suécia.
O próximo passo da Caricom será o envio de uma carta aos governos destes países europeus e uma terceira conferência com a Universidade de Essex em data a definir, mas que esperam ser em 2015, revela Shepherd. Assim, a revindicação não vai ficar por aqui. “A escravatura e o comércio de escravos foram um crime contra a humanidade”, diz a também professora de História Social, por email. “Houve uma política de genocídio deliberado contra os indígenas das Caraíbas. Aqueles que cometeram crimes contra a humanidade ou que se envolveram em actos de genocídio devem primeiro pedir desculpas e depois integrar um programa de justiça reparatória. Não há limite estatutário para um crime contra a humanidade e portanto os países europeus colonizadores nas Caraíbas e na América Latina devem responder por isso. A reparação é uma questão de justiça.”

Nesta resposta, Shepherd aborda vários pontos polémicos que têm provocado acesos debates entre quem defende e quem é contra as reparações: é a escravatura um crime contra a humanidade? Pode ser considerada genocídio? Devem os governantes dos países comerciantes de escravos pagar hoje por um crime cometido até há dois séculos? O que há a reparar e como?
“No mínimo, aquilo de que precisamos é de maior transparência sobre quem beneficiou da escravatura e quanto”, diz o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no Século XXI, numa curta resposta por email à Revista 2. “Isto implica a abertura dos arquivos públicos e privados e a criação de museus”, acrescenta.
Piketty, que em 2013 escreveu sobre a escravatura na sua coluna de opinião no Libération, defendendo “uma reparação pela transparência”, é a favor, “em alguns casos”, das “reparações directas e da transferência de bens”, esclarece à 2. Por exemplo, através da “reforma agrária em algumas antigas ilhas escravas como Reunião, Martinica ou Guadalupe, no caso francês”, ilhas que têm altos níveis de “desigualdade entre descendentes de escravos e descendentes de donos de escravos”. “A dimensão destes casos ainda está por saber”, conclui o perito em concentração e distribuição de riqueza.
Quanto renderam e valiam os 12 milhões de escravos que se calcula terem atravessado o Atlântico não se sabe. Mas há dados sobre as indemnizações “ao contrário”, como o valor pago pelo Estado britânico aos donos de escravos, quando a Inglaterra aboliu a escravatura em 1833: 20 milhões de libras (25,5 milhões de euros).
Isto é um dado relevante para uma discussão sobre as compensações, sublinha o britânico Nick Draper, autor de livros como Slave Compensation Records, The Price of Emancipation: Slave-Ownership, Compensation, Capitalism and Slave Ownership, ou British Society at the End of Slavery. “Mostra que os donos de escravos foram indemnizados, enquanto os escravos não receberam nada — hoje podemos dizer que a indemnização foi para as pessoas erradas.” Nick Draper é um dos investigadores associados do projecto Legacies of British Slave-Ownership, da University City of London, que disponibiliza online uma base de dados dos britânicos envolvidos no comércio de escravos — mas não toma posição sobre o tema das compensações. “Esses 20 milhões representavam entre 40% e 45% do valor das pessoas escravizadas”, acrescenta. Quanto vale isso hoje? “Depende do que se mede na inflação, qual o preço do pão agora e qual o preço do pão na altura: os 20 milhões da altura equivalem a 1,6/1,7 mil milhões de libras hoje. Se pensarmos em termos de salários e da média, esse número é dez vezes mais — seria 16/17 mil milhões de libras. E se pensarmos em termos de PIB e dívida pública os números ainda aumentam mais.”
Painel de azulejos do século XVIII. Museu da cidade Júlio Marques

 
Ser a favor ou não das reparações é uma questão que não tem uma resposta directa, nem simples. “O mundo hoje reflecte o que fizemos colectivamente como europeus há 200 anos, e uma das coisas que fizemos foi contribuir para o não desenvolvimento das Caraíbas”, reconhece Draper. “Sinto vontade de voltar atrás e tentar abordar algumas das heranças da escravatura? Claro. O programa da Caricom é sobre transferência de pagamentos da Europa para as Caraíbas. Não lida com a questão das diásporas no resto do mundo. A questão de como é extraordinariamente difícil, mas ainda nem estamos lá — estamos a debater o princípio. O resto é detalhe.”
Independentemente de tudo, o primeiro passo deve ser o reconhecimento da história britânica, acrescenta. “A identidade britânica está muito ligada à abolição e isso é importante, mas tende a minimizar a escravatura e o comércio de escravos. Os primeiros passos no Reino Unido são reconhecer, colectivamente, que a nossa história é marcada pela abolição, mas também pela escravatura.”
Em 2009, um parque de estacionamento estava a ser construído em Lagos, junto à Cerca Nova, no Vale da Gafaria, quando foram encontrados 150 esqueletos. Tratava-se de um cemitério de escravos africanos do século XV, o mais antigo conhecido no mundo e o único na Europa, segundo peritos.
Com a descoberta, o Comité Português do projecto UNESCO A Rota do Escravo propôs a criação do Museu da Escravatura, já que este achado “impunha uma atenção e uma preservação adequada do sítio”. Foi desenhado um pré-projecto de museu, com três núcleos — o mercado do escravo, um memorial no local do cemitério e um centro de estudos sobre a escravatura —, aprovado pela autarquia em 2011. Hoje, no local está um minigolfe, uma obra que teve parecer favorável do Igespar (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico) em Dezembro de 2011, segundo a Câmara Municipal de Lagos. Diz a vereadora da câmara Fernanda Afonso que “o executivo continua determinado a projectar toda a temática que envolve a descoberta do cemitério, bem como o Museu da Escravatura”. Mas para Isabel Castro Henriques, historiadora especialista em escravatura, e presidente do comité, se a autarquia se tem preocupado com o museu, “já no caso do cemitério parece interessar -se mais por preservar o parking e o minigolfe”.
Isabel Castro Henriques conta este episódio para ilustrar o desinteresse que existe em Portugal pelo tema da escravatura, algo que começa no poder público. Se um achado arqueológico desta importância não gera interesse, então falar de reparações é um tema ainda mais obscuro. “A escravatura não é considerada uma questão que interesse à sociedade. Continua a haver uma desvalorização dos africanos”, diz.
Esqueleto encontrado em 2009 em Lagos no cemitério de africanos do século XV Foto cedida por Isabel Castro Henriques

 
Porque é que não houve em Portugal um debate sério e aprofundado sobre o envolvimento do país no tráfico de escravos e na escravatura?, pergunta o historiador Miguel Bandeira Jerónimo, que nota uma “reserva colectiva em abordar inúmeros aspectos relativos ao nosso passado colonial”, aos quais chama “lutos inacabados”, que têm sido sujeitos a todo o tipo de mistificações.
Dá como exemplo negligenciar-se o facto de não terem existido movimentos abolicionistas “com um mínimo de importância” no Portugal de 1800, e ignorar-se, sobretudo fora da academia, a existência da escravatura e de “condições análogas à escravatura” no “terceiro império colonial português” (1822-1975). O trabalho forçado só é legalmente abolido em 1962, diz. “Do mesmo modo, a história do envolvimento do Estado português no tráfico de escravos e na escravatura é um assunto relativamente ocultado.”
Por outro lado, como lembra Isabel Castro Henriques, é comum referir-se que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura, pois o Marquês de Pombal, em 1761, decreta-a, mas “fá-lo para evitar que os escravos venham para Portugal, sendo desviados do Brasil, onde são essenciais ao desenvolvimento económico”.
Este não é um tema de debate, porque continua a predominar um olhar luso-tropicalista, um discurso oficial atenuante, analisa Rui Estrela, activista da Plataforma Gueto, uma associação contra o racismo e racismo institucional. Licenciado em Ciência Política, diz: “Portugal foi o primeiro país a levar a cabo esta engenharia financeira — porque as pessoas foram tratadas como activos financeiros — e é o único país onde não se debate esta questão.”
Se em Portugal o debate não existe fora da academia, nos países colonizados e emissores de escravos comercializados por Portugal o tema também não tem estado em cima da mesa. Miguel Bandeira Jerónimo lembra as palavras do representante angolano Georges Chikoti (hoje ministro das Relações Exteriores) na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Relacionadas em Durban, em 2001, como um marco, ao dizer que era “necessário que a conferência identificasse a escravatura como crime contra a humanidade e que reparações têm de ser feitas às vítimas dessa tragédia”. O envolvimento dos portugueses, os “pioneiros do tráfico transatlântico de escravos”, devia ser notado, acrescentou.
Esta não é, porém, uma posição consensual. Em Luanda há o Museu Nacional da Escravatura desde os anos 1970, situado numa capela do século XVII onde se baptizavam os escravos antes de embarcarem. O historiador angolano Patrício Batsikama refere-o para dizer que serve de memória aos escravos que partiram de Angola. Porém, há muito por saber no estudo da escravatura, que “ainda não é exaustivo”, há apenas “algumas teses pouco sólidas para especificar a desumanização do angolano fora de Angola”.

Esse conhecimento é essencial antes de se “pensar no que se deve reparar”, defende, por telefone. “Se colocarmos na cabeça que alguém tem de reparar, estamos a sofrer um complexo de inferioridade.” O autor de O Reino do Kôngo e a Sua Origem Meridional defende que “talvez” as reparações devam começar pelos museus internacionais no Reino Unido, Portugal, Estados Unidos devolveram as peças “que foram roubadas” a países africanos como Angola. “Não é a minha geração nem a geração vindoura que vai saber o que de facto foi estragado com os escravos angolanos e que é preciso reparar.”
A partir da instituição que dirige, a Escola Portuguesa em São Tomé, e com o som do recreio como barulho de fundo, a historiadora Isaura Carvalho diz-nos ao telefone que “não faz sentido pedir reparações a estas gerações, cujos dirigentes não participaram directamente” na escravatura. “Há coisas que são irreparáveis: pior do que os danos materiais foram os danos a nível da nossa auto-estima, das mentalidades e da capacidade de decidirmos por nós”, acrescenta.
Isaura Carvalho lembra que a seguir à escravatura veio o domínio colonial, ou seja, foram séculos em que o povo são-tomense foi impedido de pensar, de ser livre, de decidir, e isso é algo interiorizado, que passa de geração em geração. “Ainda hoje há dificuldade de dirigentes africanos se afirmarem junto de dirigentes europeus. São conhecidos pelos corruptos que não gerem bem as finanças e não conseguem tomar em mãos as decisões do país, que continuam a depender do exterior.” Resume, partilhando um ponto de vista parecido com o de Batsikama, que a reparação, “nos moldes em que tem estado a ser vista, cria mais uma forma de dependência”. “Porque vamos continuar a depender desses países para resolver os nossos problemas. [É dizer]: ‘Okay, eles estiveram a explorar-nos durante anos, eles que tratem de nós.’ E voltamos à menoridade. Sabemos que estamos a sofrer as consequências do passado, mas temos que ter uma outra atitude. Se continuarmos com o discurso dos coitadinhos, não vamos lá, é uma boa facada na nossa auto-estima outra vez.”
O historiador Luís António Covane, que foi vice-ministro da Cultura (2000-2004), vice-ministro da Educação e Cultura (2005-2009) e é reitor da Universidade Nachingwea desde 2011 (uma instituição privada da Frelimo), lembra que no estudo da história de Moçambique se classifica a exploração mercantil portuguesa em três fases: a fase do ouro, a do marfim e a dos escravos. “A nossa escravatura culminou com um processo de colonização e, em vez de se mandarem as pessoas para fora, elas passaram a ser exploradas dentro do seu próprio território: o trabalho forçado e outro tipo de escravatura interna, pessoas que trabalhavam sem salário, violência das exportações de pessoas para as plantações, para as minas de ouro e diamante na África do Sul e principalmente aqui dentro.” O sistema colonial português, principalmente durante a fase do fascismo e do nacionalismo económico que impôs medidas para a produção de matérias-primas nas colónias, foi alimentado com este esquema, acrescenta.
Pensar em reparações exige fazer contas. E estas, diz, “serão as contas mais difíceis que a humanidade será obrigada a fazer”: “Quanto custa uma vida? Quanto custa uma grávida? Quanto custa um homem que era chefe do seu povo e foi exportado? Abrangeu imperadores, príncipes, rainhas, soldados, generais que foram deportados de forma indiscriminada. Estas contas entram naquela página que são os erros cometidos no passado e devemos fazer tudo para que não se repita.”
As contas seriam difíceis de fazer também por uma questão territorial, lembra o historiador guineense a viver em Portugal Julião Sousa. “Não creio que haja lugar a indemnização de ninguém: a Guiné era uma grande extensão de território que foi variando ao longo do tempo, não tinha limites definidos. Se houvesse uma indemnização, Portugal iria entregar isso a quem? Os países que existem agora ao longo da costa africana não existiam enquanto países com fronteira definida… Teria de pagar a quem? À Guiné actual? E o Mali? E o Gana? E o Senegal?”
Com uma realidade diferente de países como a Guiné onde já existia uma população residente, Cabo Verde foi sendo habitado por população trazida de outros países africanos e por portugueses brancos. André Corsino Tolentino, embaixador cabo-verdiano, sublinha que “a escravatura se deu de forma diferente” neste arquipélago. “Em 1466 houve os primeiros núcleos destinados à América do Sul e Central. Eram iniciados em Cabo Verde até para acrescentar valor comercial. O escravo boçal, considerado inferior, era usado para ser ladinizado — ou seja, para ensinar a cultura ocidental, fazer a conversão à religião católica, ensinar as artes de servir. Um escravo ladino valia mais do que um escravo boçal. Depois de iniciado em actividades agrícolas, artesanais, etc., o escravo continua a ser exportado e reexportado para o Brasil e Caraíbas.”
Mas Tolentino toca num ponto polémico que é usado por quem é contra as reparações: o facto de os próprios africanos terem participado no comércio de escravos. Diz: “Os escravocratas foram nacionais e estrangeiros.”
É Miguel Bandeira Jerónimo quem recorda a posição do académico afro-americano de Harvard Henry Gates num artigo escrito em 2010 para o New York Times, sustentada nos trabalhos dos historiadores John Thornton e Linda Heywood (centrados na história colonial, sobretudo relativa ao Congo e a Angola): só uma “complexa cooperação comercial entre elites africanas e comerciantes e agentes comerciais europeus” permitiu o tráfico transatlântico de escravos com a dimensão que teve. Uma teoria que Henry Gates continua a defender, cinco anos depois, como disse à Revista 2 por email. Bandeira Jerónimo comenta: “Esta é uma ‘verdade triste’ [expressão de Gates] que agrada pouco a cada um dos lados da barricada. Mais, torna a resposta prática à questão das reparações incómoda. Face ao que sabemos com rigor, quem deve pagar?”
O americano Ron Daniels, do Institute of the Black World 21st Century (IBW), responde indirectamente a Gates, por telefone: “A questão é: quem iniciou e quem beneficiou? Não foram os africanos.” Rui Estrela defende que a participação dos africanos não retira o cunho racial à questão. “É como discutir se um polícia negro pode ser racista — sim, pode. Esse foi, aliás, o trabalho de Frantz Fanon sobre as mentalidades coloniais, sobre quanto tempo depois perdura a mentalidade servilista e colonialista.”
O capataz a punir o escravo, numa roça brasileira, retratado pelo francês Jean-Baptiste Debret

 
Em casos como o Brasil, por exemplo, a questão das reparações torna-se mais complexa, como faz notar a historiadora Ana Lúcia Araújo, professora na Howard University, em Washington: “Seria complicado pedir a Portugal e não ao Brasil, porque sabemos que os brasileiros nascidos no Brasil estavam envolvidos no tráfico atlântico de escravos desde o começo — então Portugal e Brasil eram parte da mesma questão.”
O que tem existido no Brasil são várias iniciativas “com intento de reparar as atrocidades [vividas] na escravatura”, como as medidas de acção afirmativas. “No Brasil, mais de metade da população é afro-descendente, mais de 100 milhões de habitantes, e a única maneira de reparar os erros do passado é através do aprofundamento de medidas que já estão sendo desenvolvidas”, como as acções afirmativas, com cotas raciais nas universidades. “A escravidão durou praticamente 400 anos no Brasil, todas as esferas da sociedade estavam envolvidas. Fica difícil: para quem pedir e quem deve receber?”
Isabel Castro Henriques lembra que dar reparações financeiras implicava “ir a todos os países de onde eram originários os negreiros”. “E não estou a desculpabilizar os portugueses de quem sou muito crítica e que não têm feito nada.” “Mas como identificá-los? E todos os outros crimes praticados ao longo da história ?”
Apesar de não estarem directamente no programa de dez pontos, as compensações financeiras têm sido referidas em algumas reivindicações. Em 1999, a Comissão Africana Mundial para as Reparações e Repatriamento exigia que o Ocidente pagasse cerca de 777 triliões de dólares a África.
Argumentos: a desigualdade entre países africanos e caraíbas, por um lado, e ocidentais, por outro, e os diferentes níveis de desenvolvimento são consequência da escravatura. Nos Estados Unidos, o debate já foi mais aceso, mas quem advoga reparações refere igualmente as desigualdades sociais entre brancos e afro-americanos e a necessidade de compensar as comunidades negras no país. É o caso de Adjoa A. Aiyetoro, activista, jurista, professora na University of Arkansas, que escreveu um artigo em que considera que as reparações aos afro-descendentes americanos são essenciais à democracia. “Continua a existir discriminação até hoje”, diz-nos ao telefone. Aiyetoro, que fez parte da National Coalition of Blacks for Reparations in America, explica ainda que para colocar as vozes dos afro-americanos ao mesmo nível das dos outros americanos é preciso reparar. “As nossas vozes têm sido marginalizadas de inúmeras maneiras, desde o emprego à educação até à prisão.”
Integrado numa série que se pode traduzir como Descolonizar a Mente, 20 Questions and Answers about Reparations for Colonialism, o novo livro do activista holandês Sandrew Hira, director do International Institute for Scientific Research, faz um cálculo do valor das reparações que os países colonizadores deveriam pagar pela escravatura e pelo colonialismo. Dá um número esmagador: “O total seria 10 mil vezes o PIB de todos os países europeus, 30 triliões de dólares vezes 10 mil.”
Os cálculos são feitos a partir da área dos continentes colonizados, do período de colonização, do ouro extraído das Américas, do número de escravos trazidos para as Américas, das estimativas da população indígena, do número de nascimentos, do valor à hora para seis dias de trabalho. “O impacto do colonialismo é gigante”, diz, por telefone a partir da Holanda. “Os países europeus não podem pagar isto, mas podem pensar na forma como lidam com o colonialismo. Idealmente, um dia atingem o nível de civismo dos alemães, que tiveram a atitude de dar uma indemnização às vítimas do Holocausto.” “[Foram] 70 mil milhões de dólares até agora, sem qualquer lei, pagos por uma questão de moralidade, de justiça.”
No seu livro, Sandrew Hira construiu uma série de argumentos que desmontam as críticas às reparações. O mais usado é que a escravatura e o colonialismo aconteceram há muito tempo. “O meu contra-argumento é que se trata de uma questão de herança. Se o seu bisavô roubou a minha casa, a minha terra, o meu carro e se hoje nos conhecermos, o que é que vamos dizer um ao outro?” Outro argumento é que quem deve pagar a indemnização deve ser quem cometeu o crime. “Nos Estados Unidos a Al-Qaeda cometeu o crime do 11 de Setembro — foram os contribuintes americanos que pagaram reparações às famílias das vítimas e às companhias aéreas. Na Europa, as pessoas aceitam que, se abrirmos um negócio na propriedade de alguém, se deve pagar algo — os colonialistas europeus abriram muitos negócios nas terras dos colonizados sem pagar renda. Se alguém trabalha para si, deve ser remunerado por isso. Os países colonizadores puseram as pessoas a trabalhar e, não tendo pago por isso, têm hoje uma dívida para com os seus descendentes. Se for ao supermercado, paga pelo que leva, os colonizadores chegaram aos países colonizados e levaram coisas sem pagar.”
A quem pagar é sempre a questão que se coloca sobre as reparações. Hira sugere que se olhe para o modelo judeu. “No caso do colonialismo, pode começar-se a negociar com o Estado e com as organizações. Em Israel, além de dinheiro, houve também apoio a infra-estruturas, bens que vieram da Alemanha, há uma cadeia de apoios até agora e é uma questão de montar a estrutura para isso. O dinheiro foi também usado para programas que ensinavam aos alemães por que se deviam fazer reparações.”

Vantagens? “O Holocausto é considerado um crime contra a humanidade. Toda a gente no mundo sabe e leu sobre o Holocausto. No caso da escravatura a memória foi enterrada e há um silêncio em relação ao Holocausto dos negros.” A questão, para Hira, é que na Europa “ainda existe a ideia de que se fizeram muito boas coisas com o colonialismo, em vez de se assumir que foi um crime”.
Autor de várias obras sobre escravatura, João Pedro Marques descreveu como em Portugal persistiu uma forte corrente toleracionista da escravatura e uma ausência de abolicionistas, pois “temia-se geralmente que ela lesasse os interesses nacionais e equivalesse à perda das colónias”. Existia também complacência social em relação aos implicados na escravatura ilegal. “Mesmo na década de 1840, quando os governos se esforçavam por acompanhar o ritmo do abolicionismo britânico, vários indivíduos reconhecidamente implicados no comércio negreiro receberam recompensas do poder central”, escreveu.
Mas João Pedro Marques “é completamente contra a ideia de reparações” pela escravatura. “A história é um tecido enorme de injustiças e horrores, [só que] não podemos aplicar retrospectivamente os nossos conceitos a épocas distanciadas de 200, 300, 400 anos”, diz à Revista 2. “Não faz qualquer sentido julgar, criminalizar ou pedir indemnizações de coisas que não eram entendidas como crimes. Se fingimos que somos Deus e começamos a aplicar ao passado as nossas próprias ideias, onde é que a gente pára? Então, temos de nos começar a indemnizar todos uns aos outros. Imagine que resolvemos pedir uma indemnização aos franceses pelas invasões. Podemos dizer que foi por causa das invasões napoleónicas que a corte teve de fugir para o Brasil, etc., etc., até chegarmos à troika.”
Algo completamente diferente das reparações aos judeus, defende, porque os crimes nazis eram vistos como crimes, quando foram cometidos, “enquanto aquilo que se passou com os escravos não era entendido como crime em parte nenhuma do mundo, nem na América, na Europa, em África”. Louis-Georges Tin contra-argumenta: “As pessoas que eram escravizadas consideravam-no um crime… Mais uma vez, quando se diz isso, está a dizer-se que os africanos na altura não eram seres humanos, não tinham importância e o que eles dizem não tem importância. Até entre europeus era considerado um crime; em França no século XIII, havia uma lei que dizia que a terra do reino não podia ter escravos.”
Porém, João Pedro Marques defende: a ideia de abolir a escravidão de forma universal é ocidental e foram os ocidentais “que pagaram para acabar com a escravidão”.
Foi no Congresso de Viena, em 1815, que o comércio de escravos foi condenado. Em 1836 é abolido o comércio em Portugal, mas o tráfico continua clandestinamente. Na década de 1850, Sá da Bandeira decretou a abolição da escravatura e estabeleceu um prazo de 20 anos até que os libertados fossem efectivamente livres. “E portanto passaram de escravos a libertos e continuaram a trabalhar para os mesmos senhores. Só ao fim de 20 anos se tornaram livres”, contextualiza. O fim oficial da escravatura é em 1878.
Ao contrário de no Reino Unido, em Portugal não existiu qualquer indemnização. Desde 1500 que há uma consciência do crime da escravatura e isto está registado por vários estudiosos, defende, por seu lado, Rui Estrela. É com convicção que diz ser preciso discutir a legalidade do termo jurídico reparação — e “assumir que houve uma acção criminosa, é preciso pôr isto nos livros de História”. A palavra “genocídio” ou “negrocídio” deve ser usada para falar da escravatura e do comércio de escravos, afirma.
O Chafariz d’El Rey no século XVI, de autor desconhecido

 
A verdade é que hoje há uma hierarquia racial herdeira do sistema esclavagista que se reflecte na hierarquia social, nota Estrela: em Portugal, a maioria das pessoas que saíram dos países colonizados por Portugal vive em guetos. “Com as questões do racismo e do racismo institucional, há uma certa continuidade. Há toda uma psicologia herdeira do sistema colonial e temos de assumi-la e travá-la. Discutir a reparação vai obrigar a discutir uma série de temas relacionados com o que Portugal é agora e com o que quer ser.”
Nascido no Haiti, o activista Louis-Georges Tin, presidente do Conseil Représentatif des Associations Noires de France (CRAN), explica que, “quando um crime é cometido, deve existir reparação” e a História tem inúmeros exemplos disso: “Muitas reparações aconteceram depois da I e II guerra mundiais; os nativos americanos tiveram reparações para o genocídio que é mais antigo do que a escravatura; o Quénia teve reparações do Reino Unido pelos mau-mau. Não há prescrição para um crime contra a humanidade e este é um exemplo.”
Por isso, primeiro devia ser feito um pedido de desculpas formal, depois devia haver indemnização para ajudar a reparar e, finalmente, quando a justiça for feita, pode existir reconciliação, afirma Ron Daniels. Quem pagaria? Nos Estados Unidos, os governos, instituições e empresas que estiveram envolvidas na escravatura. Quem recebe? “Com os afro-americanos é difícil, mas temos defendido que não interessa uma compensação individual mas a um grupo — por exemplo, um fundo para ser usado em instituições de Educação, de Saúde ou noutra estrutura comunitária.”
Embora não concorde com as reparações financeiras, Isabel Castro Henriques advoga manifestações públicas que mostrem uma consciência europeia sobre a natureza e dimensão da escravatura e do tráfico negreiro — por exemplo, acções pedagógicas, homenagens, memoriais. A criação de debates, produção cultural, tudo o que possa eliminar o que chama “silêncios envergonhados” e contribuir para “a assunção dos erros cometidos, o reconhecimento do preconceito e do racismo” seriam iniciativas a desenvolver.
Já Rui Estrela defende que parte da cooperação internacional — “que é tratada como filantropia, humanismo, solidariedade” — “poderia ser tratada como reparação jurídica”.
É também de cooperação, mas com um propósito oposto, que fala o embaixador Corsino, ao considerar que a questão das reparações deveria ser colocada “no plano da cooperação/colaboração e não da reivindicação”. Por outro lado, “uma coisa com custo zero, mas que teria um impacto simbólico muito grande seria Portugal, Grã-Bretanha, ou Bélgica, etc., reconhecer que esvaziar a região africana ou transportar os escravos do continente africano provocou os prejuízos tais e tais”.
De qualquer modo, a questão das reparações deve ser debatida, declara convictamente Rui Estrela. É verdade que em Portugal não têm aparecido, até agora, movimentos que reivindiquem activamente as reparações. O activista não sabe explicar porquê. Na geração anterior, diz, dos seus avós, o discurso “era muito feito para a questão da independência”. “Só agora, passado o capítulo da descolonização, é que há a questão de eu nascer em Portugal e de haver uma comunidade nascida em Portugal, amadurecida, com sentido de comunidade africana ou de afro-descendentes.”
Sandrew Hira e Louis-Georges Tin referem que mais cedo ou mais tarde este tema será colocado em cima da mesa dos países europeus. “Pagar as reparações custa dinheiro, mas não pagar vai custar ainda mais — muitos países africanos dizem que não querem fazer negócios com países que nos negam justiça”, diz Tin. Sandrew Hira conclui: “Os portugueses podem esperar que o tema apareça ou podem fazer como os alemães e pensar na questão da moralidade. Comecem a debater a história do colonialismo, porque senão os fantasmas irão perseguir-vos quando menos esperarem.”