terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Os cérebros estão ocos. A empatia foi pro saco. A tolerância virou algo descartável

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 No tutorial de hoje vamos ensinar a construir relações com baixo limiar de tolerância. Você vai precisar de cola, barbante, cartolina, caneta e tesoura sem ponta. Recorte a cartolina em formato retangular e cole o barbante formando um cordão. Escreva em letras garrafais “RESPEITO É BOM E EU GOSTO”. Coloque no pescoço e use na rua, em casa e no trabalho focando exclusivamente no que você acredita merecer e ignorando quem à sua volta anseia pelo mesmo. Simples e prático: está pronto o mecanismo que tem nos tornado cada vez mais alheios ao outro, submersos em egocentrismo mimado.
Escutamos desde cedo que o nosso direito termina quando começa o do outro. Sempre achei essa máxima um tanto furada. Criança, pensava como havia sido relapsa a pessoa que elaborou tal teoria, sem ao menos nos deixar mapeadas as delimitações dessa suposta fronteira. Eu, por exemplo, achava que ao xingar meu irmão ele tinha o direito de replicar a injúria na mesma moeda. Ele, por sua vez, sentia-se credenciado a reagir com pontapés aos meus desaforos. “É desproporcional” eu gritava, pedindo socorro à minha mãe, que punia ambos nos tirando a TV. Meu irmão acreditava ter sido injustiçado, afinal quem começou merecia o pior castigo. Eu não me conformava com a equidade de tratamento dispensada a xingamentos e chutes. Minha mãe não tinha dúvidas de que estava certa. Três cabeças, três sentenças, e eu ainda procurando a demarcação desse limite que estipula até onde cada um pode ir.
Em uma sala pequena, entre pessoas da mesma família, com criação e valores semelhantes, eu já percebia a complexidade inerente ao convívio. Acomodar de maneira minimamente respeitosa nossas crenças, comportamentos e ideologias em uma sociedade multifacetada, portanto, não é tarefa das mais fáceis. Nós caminhamos desejando ser bons, mas tropeçamos em nossos próprios preconceitos. Falhamos no propósito de ser mais complacentes com aquilo que é estranho ao nosso mundo, mergulhados em ideais rígidos do que é certo ou errado. De repente nos vemos no meio de um fogo cruzado, munidos do desejo incontrolável de provar que temos razão, feridos pela fúria dos que tentam o mesmo do lado oposto.
A falta de maleabilidade com causas que destoam das nossas tem edificado muros entre nós — simbolicamente tão perigosos quanto aquele que criticamos do alto de nossa poltrona enquanto assistimos ao jornal. Alimentamos um misto de má vontade com ego inflado, de prepotência com apreço pelo confronto, de indisposição em ouvir com necessidade de falar e chegamos ao inevitável desfecho: culturas, vontades e histórias atropeladas pelo trator da intransigência. Porque olhar os outros com olhos menos severos dá trabalho. E, tragicamente, tripudiar muitas vezes dá prazer.
Eu não sei mensurar se machuca mais não ter a quimioterapia tratada com dignidade por conta de um turbante ou ver um símbolo de luta contra a subjugação do seu povo ser banalizado. Não sei dimensionar dor, categorizar discussões como quem coloca etiqueta em potes de plástico. Não sei se grafite é arte, se comprar cachorro é monstruosidade, se fui mais lesada pela direita ou pela esquerda. Se não há consenso sequer sobre se o vestido é azul e preto ou branco e dourado, como esperar um olhar linear sobre todas as subjetividades que nos cercam? Mas é preciso um pouco de disponibilidade em compreender as pessoas e toda a carga de vida que as acompanha. Enquanto insistirmos em pisotear aqueles que fogem dos padrões que sacramentamos como corretos, perdemos humanidade. A empatia respira por aparelhos. Mas é possível que se recupere.


 Texto extraído do site Revista Bula

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Ainda mais sobre felicidade



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Há tempos venho tentando elabora algo concreto sobre algumas questões deixadas de lado nesse caminhar que é o viver. Tenho recusado muitos convites – que sempre quis recusar, mas não o fazia para manter o status social -, para reuniões sociais, happy hour e outras ocasiões. Imagino que essa recusa tem causado desconforto em meus convidantes. E em alguns casos, para mim totalmente libertador.
Recordo-me do tempo de colegial em que fizemos uma pesquisa sobre a biografia da literária Clarice Lispector.  Um dos pontos altos de nossa pesquisa foi a descoberta, a nível pessoal, da personalidade curiosamente singular dessa escritora. Segundo nossas investidas na vida privada da autora, Clarice tinha o hábito de ser convidada para jantares na casa de seus amigos íntimos. Até aí tudo bem. A grande questão é que costumeiramente ela decidia ir embora antes do jantar ser servido e sem dar explicações, como manda o ‘protocolo’. Nunca me esqueci disso. Ficou marcado como tatuagem em minha memória. Depois disso, nunca mais encontrei referências sobre essa informação. Repetíamos o fato durante a Feira Cultural como um mantra. Era aprova de que havíamos feito uma relevante pesquisa. Sempre quis ter a personalidade e coragem dessa mulher. Me aprimorei ao ponto de recusar convites, não sendo preciso sair antes do jantar ser servido. Em tempos de fotos em redes sociais para comprovar o quanto somos desejados, amáveis e sociáveis isso é completamente exótico. Isso me fez pensar sobre a felicidade e necessidade de esfregá-la na face alheia. O que é ser feliz?
Recordo-me das palavras de Clóvis de Barros Filho: “Vamos nos acostumando a admitir que, no momento em que a vida é vivida, temos que suportar inconvenientes para que alguma coisa melhor advenha. Mas não tem advindo. Portanto, faço um convite à vida. Um convite à realidade, às coisas como elas são. E ainda preferirei que elas sejam alegradoras. Se, com isso, eu tiver que pagar a pena do castigo eterno, da criatividade comprometida, de uma aposentadoria curta, de uma existência pouco longeva ou de um final de semana sem graça, pouco importa. Eu ainda prefiro a alegria de uma semana inteira de trabalho do que happy hour de sexta-feira depois das 18 horas, apenas para fazer uma pequena observação.”
Não posso resumir minha felicidade a momentos exclusivamente selecionados como, por exemplo, finais de semana, feriados prolongados e dias santos. A minha felicidade cabe em todo o instante. Sim. No trabalho árduo, no ócio, na solidão escolhida, no momento que desejo dividir com alguém, no prazer de não se explicar, no agir, no observar, na ausência e presença de responsabilidade. A felicidade é propriedade e receita particular de cada indivíduo. Busque a sua. Te convido a uma realidade alegradora.