domingo, 26 de abril de 2015

Aprendendo a morrer

  • Miguel Falabella

    Reprodução


    A gente tem mesmo é que aprender a morrer todos os dias e a renascer quando a manhã se avizinha, antes que o sol nos flagre no processo. A gente tem mesmo que fazer isso e tentar escamotear o coração que anda aos pedaços, cansado dessa ciranda desgovernada. No meio de uma gargalhada, por causa de um caco que a atriz colocou no texto, vem a lembrança da noticia do jornal, lida pela manhã. Uma mulher morreu sem atendimento, no saguão da casa de saúde, porque sua filha tinha atrasado o pagamento da mensalidade do plano. A gente lê a notícia e finge que não leu, é claro; aprende a morrer quietinho, prá poder renascer lá na frente, mas aquilo fica queimando dentro, como uma fogueira desatada na alma, e a gente cansa uma hora, dá um vinco no rosto, que na verdade é uma tradução do vinco do peito, do coração, do corpo todo, repuxado, abusado, triste. Como é que uma coisa dessas pode acontecer? A gente se pergunta, em silêncio, secretamente, com vergonha da humanidade, com raiva de alguém que fez um juramento, que abraçou uma profissão tão bonita, tão nobre, essa de salvar vidas, de estender a mão e ajudar o criador na tarefa de aliviar os sofrimentos do mundo. A gente escuta isso tudo e finge que não escutou, mas morre um pouquinho. Morre e renasce lá na frente.
    Eu já morri inúmeras vezes. Tantas, que já perdi a conta. Morri no dia em que descobri que o amor não era para sempre e morri outra vez, quando soube que nada tinha sobrado dos escombros, nem mesmo aquela amizade que a gente apregoa, na hora da dor. Depois de renascer, eu olhei prá trás e já não reconheci mais o objeto amado. E morri uma outra vez, ao descobrir que o meu coração era tão sem vergonha quanto o de qualquer um. Um coração vagabundo. Um coração capaz de esquecer. Bem fazem os chineses que dizem eu te amo com todo meu fígado! É um órgão mais coerente. Mais afeitos às mudanças de estado. Provocado, ele cospe bílis e sai esverdeando o que outrora parecia ser uma realidade rósea. Eu te amo com todo o meu fígado! Deviam ensinar isso nas escolas!
    Morri outras vezes, também. Morri quando, há muito tempo atrás, um diretor me chamou num canto e me mandou embora da peça que eu estava ensaiando, com as palavras mais cruéis que alguém já me disse: eu só trabalho com gente de talento. Saí daquele teatro com a sensação de que eu não seria capaz de dar dois passos. Saí dali e decretei a morte em vida, o luto desesperado. Mais na frente, quando ninguém estava olhando, eu renasci. Voei para longe daqui e voltei para recuperar a vida e o meu sonho.
    Morri quando minha mãe morreu e renasci na lembrança dela. Morri a cada noite no palco, as mortes das personagens, morri na televisão, de várias maneiras, morri na ficção e sempre me pareceu curioso ver a emoção de alguém ao olhar para aquela morte. Prá mim, sempre foi fácil interpretar esse tipo de cena. Sou calejado nesse ofício. Sei morrer como ninguém. E renasço adiante. Um pouco machucado, o passo vacilante, mas logo me aprumo. É preciso aprender a morrer, senão a vida acaba antes de começar.
    Mas falando em vida, eis que volto para o Rio e encontro outra vez a luz dessa cidade. Não há céu como esse, não há luminosidade como essa, o ar carregado de iodo e sal, o presente que é o olhar para os lados e se deliciar com tanta beleza. Voltar para o Rio é, por si só, um renascimento. A gente cai na estrada, mas o Rio nos dá uma preciosa ajuda na hora da ressurreição. Fico na varanda, olhando para a Lagoa e lembro da luz da Ilha do Governador. Eu juro que não estou exagerando, mas a luz daquele lugar é mágica. Foi ali, no começo de tudo, que eu aprendi a amar a luz. Foi ali que eu intuí que a luz daqueles céus se espalhava prá além da extensão de água e que era preciso seguir viagem. Na época, é claro, eu não sabia que tantas mortes me aguardavam pelo caminho. Tenho até hoje comigo, um pedaço de uma velha agenda, uma bobagem que eu rabisquei há muito tempo, no dia em que fiz dezessete anos. Ali, naquele pedaço de papel, há tanta esperança, tanta alegria e tanta coragem, que me comove olhar para alguém que eu fui, um aprendiz de vida, um aprendiz da morte.
    Termino a crônica com algumas palavras de Gore Vidal. É o fim de seu romance Juliano e eu trago comigo, porque essas palavras aquecem minha alma e me fazem acordar novamente com esperança. Aí vão as palavras de Mr. Vidal:
    "A luz se foi e agora nada mais resta a não ser esperar por um novo sol, um novo dia, nascido do mistério do tempo e do amor do homem pela luz."
    Renasçam! Vale a pena!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O surpreendente lado ruim de ser inteligente

David RobsonDa BBC Future

Temos uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por angústias existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas solitárias, isoladas apesar de seu brilho.

A questão pode parecer um assunto que atinge apenas alguns poucos privilegiados – mas os conceitos e ideias por trás dessa impressão repercutem em quase todos nós.

Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada a melhorar a inteligência acadêmica. Apesar de suas limitações serem conhecidas, o Quociente de Inteligência (QI) ainda é a principal maneira de medir habilidades cognitivas. Cada vez mais gente gasta fortunas em atividades de treinamento do cérebro para tentar melhorar sua pontuação. Mas e se essa busca pela genialidade for uma tarefa para tolos?

As primeiras respostas para esses questionamentos surgiram há quase um século, no auge da Era do Jazz americana. Na época, o teste de QI ganhava popularidade após ter se provado útil nos centros de recrutamento de voluntários durante a Primeira Guerra Mundial.

Os altos e baixos de pequenos gênios

Estudos mostraram que pessoas com alto QI sofrem mais de ansiedade

Em 1926, o psicólogo Lewis Terman decidiu usar a prova para identificar e estudar um grupo de crianças superdotadas. Ele selecionou 1,5 mil alunos da Califórnia com QI maior que 140 – 80 deles com mais de 170 de QI. O grupo ficou conhecido como os “Termites”, e os altos e baixos de suas vidas ainda são estudados hoje em dia.

Como era de se esperar, muitos dos Termites cresceram para fazer fama e fortuna. Nos anos 1950, eles ganhavam um salário médio que correspondia ao dobro do de pessoas “comuns”.

Mas, inesperadamente, muitas crianças no grupo de Terman preferiram profissões menos glamorosas, como policial, marinheiro ou datilógrafo. Os Termites também não foram particularmente mais felizes do que o cidadão americano comum, com os níveis de divórcio, alcoolismo e suicídio semelhantes ao da média da população do país.

A moral da história é que, na melhor das hipóteses, um grande intelecto não faz diferença em relação à sua satisfação com a vida. Na pior, ele pode significar uma sensação maior de vazio.

Isso não quer dizer que todo mundo com um QI alto seja um gênio torturado, como a cultura popular nos faz crer. Mas ainda é assim, é algo intrigante. Por que os benefícios de ter uma inteligência abençoada não aparecem a longo prazo?

Fardo pesado e preocupação excessiva

Muitos jovens superdotados chegaram à maturidade com mais frustrações

Uma possibilidade é a de que a consciência de alguém sobre seus próprios talentos intelectuais tenha se tornado uma carga pesada. De fato, nos anos 1990, quando alguns dos Termites tinham quase 80 anos, eles olhavam para trás e, em vez de se vangloriar de seus sucessos, diziam ter sido perseguidos pela sensação de que não corresponderam ao que esperavam atingir quando jovens.

Essa sensação de fardo – principalmente quando combinada com as expectativas dos outros – é uma constante para muitas outras crianças superdotadas. Um dos casos mais famosos – e tristes – é o da britânica Sufiah Yusof. Admitida na prestigiada Universidade de Oxford aos 12 anos, ela abandonou os estudos na área de Matemática antes de se formar e começou a trabalhar como garçonete. Depois disso, tornou-se garota de programa e ficou conhecida por recitar equações para os clientes durante o sexo.

Outra reclamação comum é a de que pessoas mais inteligentes geralmente têm uma visão mais clara sobre os problemas do mundo. Enquanto o resto de nós se mantém distante das crises existenciais, os gênios perdem o sono sofrendo pela condição humana e pelos erros dos outros.

A preocupação constante, de fato, pode ser um sinal de inteligência – mas não da maneira que os filósofos de poltrona imaginaram. Alexander Penney, da MacEwan University, no Canadá entrevistou estudantes universitários sobre vários tópicos e descobriu que aqueles com o QI mais alto realmente se sentiam mais ansiosos.

Mas curiosamente, a maioria das preocupações era banal e cotidiana. “Eles não se inquietavam por coisas muito profundas, mas se preocupavam mais frequentemente sobre mais coisas”, diz Penney. “Se algo ruim acontecia, eles passam mais tempo pensando naquilo.”

Ao examinar com mais atenção, Penney também descobriu que isso se relaciona com a inteligência verbal, testada em jogos de palavras nos exames de QI. Ele acredita que uma maior eloquência pode ajudar o indivíduo a verbalizar suas ansiedades e remoer mais seus pensamentos. O que não é necessariamente uma desvantagem. “Eles tendem a solucionar problemas mais rapidamente do que a maioria das pessoas”, afirma.

Pontos ‘cegos’

A verdade nua e crua, no entanto, é que uma maior inteligência não equivale a tomar decisões mais sábias. Na realidade, a situação pode até tornar as decisões mais equivocadas.

Keith Stanovich, da Universidade de Toronto, passou a última década preparando testes de raciocínio e descobriu que decisões justas e independentes não estão nem um pouco relacionadas ao QI.

Segundo ele, os indivíduos que se saíam melhor em testes cognitivos padrão são na realidade um pouco mais vulneráveis a terem um “ponto cego de predisposição”. Ou seja, eles têm menos capacidade de enxergar seus próprios defeitos, mesmo quando são capazes de criticar os pontos fracos dos outros.

Eles também tendem a ser vítimas da “ilusão do apostador” – a ideia de que se uma moeda cai indicando “cara” dez vezes, ela terá mais chances de cair em “coroa” na 11ª vez.

Uma tendência a confiar mais nos instintos do que no pensamento racional pode explicar porque um número surpreendente de membros da associação britânica de superdotados Mensa acredita em atividades paranormais. Ou por que alguém com um QI de 140 têm duas vezes mais chances de estourar seu cartão de crédito.

Stanovich enxerga esses vieses em todas as camadas da sociedade. “Existe muita irracionalidade no mundo de hoje – pessoas fazendo coisas irracionais apesar de terem uma inteligência mais que adequada”, afirma. “Essas pessoas que ficam espalhando memes antivacinação para pais ou disseminando erros de informação na Internet são em geral pessoas com uma inteligência e uma educação acima da média.” Obviamente, pessoas inteligentes podem ser perigosamente, e bobamente, enganadas.

O lado bom

Portanto, se a inteligência não leva a decisões racionais ou a uma vida melhor, quais as suas vantagens? Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no Canadá, acredita que temos que prestar mais atenção a um conceito antiquado: a sabedoria.

Sua abordagem é mais científica do que parece. “O conceito de sabedoria tem uma qualidade etérea”, admite. “Mas se olharmos para a pura definição de sabedoria, muitos vão concordar que se trata da ideia de alguém que pode fazer um julgamento bom e sem amarras”.

Em um experimento, Grossmann apresentou a voluntários vários dilemas sociais – que iam desde o que fazer sobre a guerra pela Crimeia a crises que leitores descrevem em colunas de aconselhamentos sentimentais de jornais.

Conforme os voluntários falavam, um painel de psicólogos julgava seus argumentos e sua tendência a uma ideia preconcebida.

Os que mais pontuaram acabaram predizendo maior satisfação com a vida, mais qualidade de relacionamento, e menos ansiedades e preocupações – todas as qualidades que parecem faltar a pessoas enquadradas no conceito clássico de inteligência.

Crucialmente, Grossmann descobriu que um alto QI não necessariamente significa maior sabedoria.

Aprender a saber

No futuro, empregadores podem começar a empregar testes como os de Grossmann para examinar outras capacidades intelectuais em vez do QI. A área de recursos humanos do Google, por exemplo, já anunciou que planeja avaliar candidatos com base em qualidades como “humildade intelectual”, em fez de pura proeza cognitiva.

Felizmente, a sabedoria pode vir do treino, segundo Grossmann. Ele ressalta que nós normalmente temos mais facilidade em deixar para trás nossas predisposições quando levamos outras pessoas em consideração em vez de nós mesmo.

Com isso, ele descobriu que simplesmente falar sobre seus problemas na terceira pessoa (“ele” ou “ela” em vez de “eu”) ajuda a criar a distância emocional necessária, diminuindo preconceitos e levando a argumentos mais sábios. Novos estudos devem gerar novos truques semelhantes.

O desafio vai fazer com que as pessoas admitam seus próprios defeitos. Mesmo se você conseguiu repousar sobre os louros da sua inteligência durante toda a vida, pode ser muito difícil aceitar que ela vem atrapalhando seu julgamento. Como disse o filósofo Sócrates, “o sábio é aquele que pode admitir que não sabe nada”.

Leia a versão original em inglês dessa reportagem no site BBC Future.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Talvez você esteja exigindo demais



Márcio Rodrigues

Querer é um direito seu, ter é um privilégio. Até que ponto vale a pena fazer a vida parar só para que ela aconteça exatamente do jeito que deseja? “Queria outra coisa”, “queria de outra forma”, “queria outra pessoa”. E quem somos nós para nos atrevermos a esperar que a vida seja exatamente do jeito que desejamos?

A vontade de ser feliz é a mesma que pode nos deixar mais tristes. Isso tem a ver com a frustração que sentimos através das expectativas que alimentamos. A busca pela “pessoa ideal” – aliás, ela existe? – e a espera para que apareça alguém do jeitinho que você sempre quis são só armas contra a sua própria vida.

Na espera de uma boa oportunidade nós perdemos as melhores possibilidades. É louco como os padrões e os clichês nos cegam. Gostamos de compartilhar frases sobre “o que realmente importa na vida” mas quando a vida é a nossa, queremos mesmo é que ela aconteça do jeito que desejamos, ignorando o jeito que merecemos e que precisamos.

Sabe, é que talvez ele não tenha um corpo de invejar quando fica sem camiseta na praia, mas, exatamente ele, possa ser quem não liga pra sua estria ou pra sua celulite em que gasta 70% do salário para eliminar. Talvez ele nem saiba exatamente o que é isso. Mas você prefere colocá-lo num perfil que não faz o seu tipo, então o descarta. Talvez ele não seja tão bom com palavras e tenha uma certa dificuldade em organizar pensamentos que resultem em frases bonitas, mas sabe, talvez ele seja quem se importa em te mandar mensagens surpresas durante o seu dia, ainda que não tenha nada de diferente para contar além de te lembrar como gosta de você.

Talvez você esteja exigindo demais. Talvez você esteja se colocando num patamar alto demais pra ficar. Talvez você não esteja se enxergando o bastante para valorizar quem consegue te valorizar mesmo você fazendo questão de mostrar seus defeitos. Você sabe como é difícil ter alguém? Você lembra como foi quando gostou sem que gostassem de você?

Do que você precisa? De uma foto a dois com mil curtidas ou de um dia com mil risadas?O que te faz bem? Porque se emociona com os filmes? Porque torce para o mocinho na novela?

Talvez você esteja exigindo demais. E entenda, é claro que não é para se obrigar a sentir o que não consegue, mas bem que você pode direcionar sua energia para quem te dedica parte da própria vida. Não seja mais uma pessoa entre tantas outras que ignoram quando lhe são reveladas amor. Não seja também quem mente dizendo “eu também”, seja apenas quem você gostaria que fossem com você, goste como gostaria que gostassem de você.

Presta atenção em quem te dá atenção sem que você precise clamar por atenção.

Querer é um direito, ter é um privilégio e aceitar é o caminho.


Fonte: Site Entenda Os Homens

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Enquanto eu espero você chegar

Eduarda Costa

Prezado Amor da Minha Vida,

Gostaria de informar que eu estou esperando você chegar. Estou esperando ansiosamente. Eu estou perita em esperar. Já coei café, aguei o feijão e assei pão de queijo para caso você seja um mineirinho dus bão. Já fiz unha, cabelo e depilação mesmo sabendo que sendo o amor da minha vida, você não vai se importar com todo esse padrão. Aprendi inglês para caso você não fale português. Gelei o mate para a eventualidade de arrastar o carioquês. Comprei a erva para o seu chimarrão e um pouco de farofa para acompanhar o baião.

Sabe como é, Meu Amor: eu cresci lendo contos de Grimm. Aprendi que se você não chegou é porque ainda não é o fim.  Sei que uma hora você chega. Ai de você se não chegar. Já alerto de antemão que eu calço 36 e prefiro sapatos abertos no calcanhar. Não sou Griselda nem Anastacia para você me descalçar.

Antes de cavalgar em minha direção, só peço que leia com atenção a essas coisinhas que eu achei melhor aclarar: enquanto você não chegava, decidi estudar e trabalhar. Virei redatora. Tenho um emprego bem bacana. Não ganho muito mas já consegui dar entrada numa carruagem para nós. Também estou pensando em alugar um apê. Não que eu faça planos sem você. É que sabe como é: vida de princesa independente é mais gostosa de viver.

Acho de bom tom avisar que nesse meio tempo eu vivi algumas paixões. Conheci homens incríveis. De cheiros inesquecíveis. Corpos indescritíveis. Personalidades ininteligíveis. Mas nenhum deles se compara a você. Você sabe: amor é um só.

Beijei muitas bocas, Meu Amor. Muitas mesmo. Acho até que peguei sapinho. Mas isso não importa porque quando você chegar ele vira príncipe.

Também é bom que você saiba que eu tenho ótimas amigas. Enquanto você não chega, elas vêm aqui em casa nas noites chuvosas de verão e nós assistimos a seriados, enchemos a cara de vinho branco, falamos muita baixaria e dançamos funk sujo até o chão. Nós viajamos juntas frequentemente. Conheci lugares incríveis ao lado delas. Andamos de helicóptero, bote, bicicleta, patins e avião. Pretendo repetir todos esses passeios com você. Mas caso você não queira, são experiências que eu não poderia deixar de viver.  

Minha família também é muito importante para mim. Aos domingos nós nos reunimos para almoçar e falar mal da vida alheia. Trocamos carinhos desajeitados e perdemo-nos em devaneios mal ajambrados. Ao lado deles eu experimento a plenitude e espero genuinamente que haja lugar na mesa quando você chegar para que você também possa usufruir desse amor que me dá forças para continuar.

Só quero dizer que eu continuo te esperando, Meu Amor. Continuo lendo meus livros, vendo meus filmes, bebendo minha cervejinha às quintas, beijando bocas desconhecidas e estudando antropologia. Eu continuo ouvindo samba, reunindo os amigos, fazendo churrasco, indo à praia e viajando sozinha. Continuo construindo minha independência, vivendo crises de consciência, rezando muito mas sem medir cada consequência. A vida vai bem, Meu Amor. Eu sei que cedo ou tarde você deve chegar. Só escrevi essa carta mesmo para dizer que você não precisa se apressar. 

Fonte: Entenda Os Homens

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Analfabetos do Amor

Fabrício Carpinejar
・・・
Você pode amar como nunca na vida. Você pode fazer o que não precisava, só o que não precisa significa o quanto tudo é simbólico. Você pode imaginar como agradar durante o dia inteiro, cronometrar os horários de sua pessoa predileta, para preparar um jantar ou dar uma carona ou buscar algo que inspire seu riso. Você pode suportar crises de raiva, de angústia, de agressão, de ciúme, e depois oferecer o abraço confortável do esquecimento. Você pode colocar suas canções prediletas e convidar a dançar com a voz. Você pode procurar fatos engraçados, criar situações cômicas, disposto a arrancar a tristeza dos olhos à sua frente. Você pode rezar em meio à descrença religiosa, pois alguém é mais importante do que você mesmo pela primeira vez. Você pode explodir a cada separação como se fosse um inimigo e pedir perdão em nome da reconciliação como se fosse um mendigo. Você pode esquecer seu trabalho para estar disponível mais cedo. Você pode procurar se retratar antes mesmo de errar. Você pode lembrar as datas especiais da relação e inventar ainda novas. Você pode nunca se cansar de mandar mensagens e arranjos de frases confessando dependência e saudade. Você pode frequentar lugares que não passaria por perto, só para se infiltrar na memória de sua companhia. Você pode dizer que não se recorda mais daquilo que causou mágoa, disposto a não alimentar a culpa. Você pode abrir a janela do carro e gritar de felicidade para o aceno das árvores. Você pode escrever bilhetes com o desejo sigiloso que um dia a boca de sua letra seja beijada na boca, assim como toda mulher cheira as flores que recebe. Você pode se tornar responsável, louco, sóbrio, discreto, escandaloso, irreverente, apaixonado, centrado, pode ser o que sonhou, pode se contorcer em pesadelo, pode se transformar no seu contrário, virar-se pelo avesso e oferecer o forro do silêncio. Mas nada disso importa se a outra pessoa é analfabeta do seu amor. Nenhuma demonstração de cuidado terá validade. Suas palavras não encontrarão o amparo da caligrafia. Seus gestos serão traços à toa na folha branca. Nem todos sabem ler e escrever dentro do amor.

domingo, 12 de abril de 2015

A miséria que nos causam os pontos cegos de personalidade


 Por Carolina Vila Nova


Certa vez participei de uma conversa, que me calou por dentro. Um amigo perguntou para um conhecido, o que este fazia para aliviar seu stress. O colega em questão respondeu que não tinha absolutamente nenhum stress, pois tinha uma vida muito boa, por causa de seu emprego. Até aí, vê-se a sorte de alguém que gosta de seu trabalho. Mas o silêncio foi total. Isto por que a pessoa a dar esta resposta era simplesmente alguém que raramente sorria ou conversava com os outros. Alguém que parecia viver o stress constantemente. Eu conhecia seu comportamento e fiquei atônita com a resposta.
Ao mesmo tempo em que lamentei a falta de noção de felicidade por parte desta pessoa, também me lembrei de algo que a psicanálise chama de “Ponto cego de personalidade”. Todo ser humano possui o seu, assim como um espelho retrovisor. Ao me lembrar desta característica, que todos possuímos, imediatamente parei de julgar o colega e simplesmente refleti a situação.
Meu conhecido acreditava piamente que era feliz. Porém, olhando de fora, posso afirmar que esta pessoa estava quase sempre de mau humor, não sorria e não conversava com quase ninguém em seu trabalho. Irritava-se e ofendia com facilidade. É claro como água que se tratava de uma pessoa em stress. Mas o colega não mentiu ao dizer que não sofria stress algum. Eu percebi simplesmente que se tratava do “Ponto cego de personalidade” dele.
O “Ponto cego de personalidade” vem a ser uma ou mais características que se carrega e não se tem capacidade para enxergar, devido à dificuldade que se possui para mudar tal ou tais pontos em si mesmo. Todos veem, exceto o indivíduo em questão. E o defeito está ali, tão nítido, que o cidadão é até atacado por isso: falam-lhe pelas costas. E apesar de óbvio, só ele mesmo não é capaz de perceber.
Quem não conhece alguém assim? O mentiroso que acredita enganar a todos, quando ele mesmo é o único que não percebe sua óbvia falsidade. O fofoqueiro que fala da vida alheia, sem nunca se dar conta do quanto fala mal de si mesmo. O invejoso que sofre aquilo que não possui.  E tantos outros exemplos.
Por que afinal, não somos capazes de enxergar aquilo que todo mundo enxerga sobre nós mesmos? Por que é tão difícil? Todas as respostas vão em direção ao autoconhecimento. Maturidade, vontade de evoluir, sair do lugar do comum, dando adeus à zona de conforto de si mesmo. Entender quem se é, é o primeiro passo para se enxergar os pontos cegos de personalidade. Mais do que o conhecimento em psicologia ou psiquiatria, o se olhar para dentro: porque eu fiz isto? Por que eu agi assim? Por que me sinto magoado em determinada situação? Será mesmo que minhas atitudes são corretas neste ou naquele momento? Nada vale mais do que a reflexão sobre si mesmo.
Os Pontos cegos de personalidade não dependem de inteligência ou conhecimento. Meu conhecido, por exemplo, é uma pessoa inteligentíssima, mas que parece não ter noção da sua falta de inteligência emocional.
É fácil identificar o ponto cego de personalidade alheio. Mas reagir sobre nossos pontos e não sobre o dos outros é o que realmente muda alguma coisa. Vendo o que não se quer ver. De certa forma, somos todos vítimas de nós mesmos, de nossas misérias interiores e incapacidade de nos enxergarmos como realmente somos.
Com coragem e humildade devemos olhar os nossos pontos cegos e deixar de se espantar com os pontos dos outros. Pois mais vale uma boa miopia a ser melhorada a cada dia do que uma cegueira a vida inteira.


pontos cegos de personalidade



CAROLINA VILA NOVA:  colunista Conti outra
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Carolina Vila Nova é brasileira. Tem cidadania alemã, 39 anos. Escritora e Roteirista.
É autora dos seguintes livros:
“Minha vida na Alemanha” (Biografia),
“A dor de Joana” (Romance-drama),
“Carolina nua” (Crônicas),
“Carolina nua outra vez” (Crônicas),
“Vamos vida, me surpreenda!” (Crônicas) e
“As várias mortes de Amanda” (Romance-drama).
“O dia em que os gatos andaram de avião” (Infantil)
Disponíveis na Amazon.com e Amazon.com.br 
Mais matérias em: www.carolinavilanova.com

 Fonte: ContiOutra

Sete maneiras inteligentes de lidar com pessoas tóxicas



A convivência com os altos e baixos de uma pessoa e com sua constante flutuação de humor pode ser um desafio e tanto. Mas é importante ter em mente que esta pessoa temperamental e negativa talvez esteja passando por uma fase difícil da vida – que pode envolver uma doença, um estado de ansiedade crônica, ou mesmo a carência de amor e apoio emocional. Tal pessoa precisa de alguém que a ouça, que lhe dê apoio, e que cuide dela (mesmo assim, seja qual for a motivação deste comportamento temperamental e negatividade, haverá momentos em que você terá necessidade de se proteger disso tudo).

Porém, há outro tipo de comportamento temperamental e negativo: o do indivíduo que usa suas oscilações de humor como pretexto para intimidar e manipular os outros. Esta tendência à flutuação de humor acaba perpetuando um clima propício aos abusos e à infelicidade. Observando esta pessoa com atenção, você notará que a atitude dela é completamente autocentrada. A prioridade dos relacionamentos que ela mantêm estará associada ao modo como as pessoas de seu convívio podem servir para atender às suas necessidades egoístas. É neste tipo de relacionamento tóxico que eu gostaria de centrar o foco, neste texto.

Estou convencido de que ninguém tem o direito de impor suas nocivas oscilações de humor (tais como e-mails com “correntes” de mensagens ameaçadoras) a outrem, sob quaisquer circunstâncias. Portanto, como lidar bem com as consequências nocivas do implacável veneno destilado por estas pessoas?

1. Afaste-se desta pessoa.

Se você convive com alguém que sempre tenta criar um clima emocional destrutivo, não tenha dúvidas: esta pessoa é tóxica. Se o comportamento dela lhe causa sofrimento, e a compaixão, a paciência, os conselhos e a atenção que você lhe dedica não parecem surtir efeito – e, além disso, ela não parece dar a mínima –, é o momento de você se perguntar: “Preciso desta pessoa em minha vida?”

Quando você se afasta de uma pessoa tóxica num determinado ambiente, o ar fica muito mais arejado.

Sempre que a situação lhe permitir, ignore-a e siga em frente com sua vida. Tome uma atitude enérgica, e identifique o momento de dar um basta. Afastar-se de uma pessoa tóxica não significa que você a odeia, ou que você lhe deseje algum mal; isso simplesmente quer dizer que você dá valor ao seu próprio bem-estar.
Uma relação saudável envolve reciprocidade; deve haver espaço para dar e receber, sem que uma das partes esteja sempre doando, e a outra sempre recebendo. Se, por um motivo qualquer, você tiver de conviver com uma pessoa tóxica, leve em consideração os aspectos abaixo.

2. Pare de fingir que o comportamento desta pessoa não é nocivo.

Se você descuidar, a pessoa tóxica poderá recorrer a atitudes temperamentais com o objetivo de receber tratamento preferencial, já que… bem… acalmá-la pode parecer mais uma tarefa mais fácil do que ter de ouvir resmungos. Mas não se engane: no longo prazo, quem vai sofrer com isso é você. Uma pessoa tóxica não mudará de comportamento se estiver obtendo recompensas pelo fato de não mudar. Tome a firme decisão de não se deixar influenciar pelo comportamento desta pessoa. Pare de “pisar manso” quando estiver ao lado dela, e deixe de ser condescendente com seu comportamento agressivo.

O esforço de tolerar uma pessoa negativa, e que sempre cria drama diante das situações, nunca é compensador. Se uma pessoa com pelo menos 21 anos de idade não é capaz, de modo geral, de ter o comportamento de um adulto sensato e confiável, é chegada a hora de adotar a recomendação a seguir.

3. Diga a ela o que você pensa, de modo claro e sem rodeios!

Defenda-se. Há pessoas dispostas a qualquer coisa para obter ganhos pessoais às custas dos outros – furar fila, furtar dinheiro ou bens, praticar bullying, menosprezar alguém ou fazê-lo sentir-se culpado etc. Não tolere esse tipo de comportamento. Na maioria dos casos, estas pessoas sabem que estão agindo de modo errado e, se colocadas contra a parede, tendem a recuar em suas atitudes nocivas. Em muitas interações sociais, as pessoas tendem a tolerar os indivíduos tóxicos, até o momento em que alguém toma uma atitude, e diz o que pensa, com clareza. Você pode muito bem assumir este papel!

A pessoa tóxica poderá usar a raiva como uma estratégia para influenciar você, não lhe dar ouvidos quando você está tentando dizer algo, ou mesmo interromper o que você está dizendo, e começar a dizer coisas negativas a respeito de algo a que você dá valor. Se você disser claramente o que pensa, e enfrentar diretamente este comportamento temperamental, ela poderá ficar surpresa, ou mesmo chocada, por você ter invadido o “território” dela. Seja como for, é importante ser claro e direto, sem fazer rodeios.

Se, ao relacionar-se com esta pessoa, você jamais fizer qualquer referência a este comportamento tóxico, corre o risco de enredar-se nas manipulações dela. Por outro lado, se você contesta abertamente estas atitudes, ela poderá eventualmente se dar conta do impacto negativo de tal comportamento. Por exemplo, você pode dizer:
 “Você parece zangado(a). Tem algo te incomodando?”
 “Você parece entediado(a). O que eu estou dizendo soa desnecessário pra você?”
 “Você está me aborrecendo com seu comportamento. Era esta a sua intenção?”

Frases diretas como estas podem desarmar a pessoa, caso ela realmente esteja usando seu comportamento temperamental como um modo de manipulação. Tais comentários podem também servir de porta de entrada para que você possa ajudá-la, caso ela esteja realmente enfrentando um problema sério.

Ainda que a pessoa lhe pergunte: “O que você quer dizer com isso?”, e negue a própria atitude, pelo menos você a alertou que este comportamento já é um problema bem conhecido de todos que a cercam, e que não é somente uma estratégia que ela pode usar para manipular os outros sempre que quiser.

Mas se ela continuar negando, talvez seja o momento de…

4. Ser mais enérgico(a).

A sua dignidade poderá ser ridicularizada e violentamente atacada, mas ninguém poderá tirá-la de você, a menos que você permita. Trata-se, aqui, de encontrar energia para defender os limites do seu território.

Deixe muito clara a sua recusa a insultos ou a atitudes de menosprezo. Para ser sincero, nunca tive bons resultados no enfrentamento com uma pessoa realmente tóxica (o pior tipo de gente que existe), enquanto ela me agredia. A melhor reação que já tive foi a seguinte frase, dita em tom irritadiço: “É uma pena que você tomou meu comentário de modo pessoal”. Uma estratégia muito mais eficaz foi abortar a conversa, num tom de “delicadeza nauseante”, ou de modo simplesmente abrupto. A mensagem será clara: não haverá recompensa para as “alfinetadas” desta pessoa, e você se recusa a participar de um jogo de manipulações.

A pessoa realmente tóxica tende a envenenar todas as pessoas ao redor; se você o permitir, será afetado por este veneno. Se você já recorreu à argumentação, e isso não surtiu efeito, não hesite em afastar-se desta pessoa e ignorá-la, até que ela perceba a necessidade de mudança de atitude.

5. Não tome este comportamento tóxico de maneira pessoal.

O problema é deste indivíduo, não seu. LEMBRE-SE DISSO.

Há grandes chances de que esta pessoa tente insinuar que, de algum modo, você é quem agiu errado. E, já que o sentimento de culpa tende a ser um peso considerável para a maioria das pessoas, a mera insinuação de ter feito algo errado poderá abalar sua autoconfiança e minar sua determinação. Cuide para que isso não aconteça com você.

Lembre-se: se você não toma nada de maneira pessoal, isso lhe dá uma enorme liberdade. A maioria das pessoas tóxicas age de modo negativo não apenas com você, mas com todos ao redor. Mesmo quando a situação parece ser de natureza pessoal – mesmo que você se sinta diretamente insultado(a) –, em geral, isso não tem nada a ver com você. As coisas que esta pessoa diz e faz, e as opiniões dela não passam de um reflexo dela própria.

6. Exercite a compaixão.

Há momentos em que vale a pena demonstrar empatia pela pessoa tóxica que claramente está enfrentando situações difíceis, ou sofrimentos por causa de uma doença. Não resta dúvida de que algumas destas pessoas estão, de fato, angustiadas, deprimidas, ou até mesmo doentes mental ou fisicamente; ainda assim, é preciso distinguir entre problemas legítimos e a maneira como esta pessoa o trata. Se você seguir justificando e relevando atitudes de uma pessoa pelo fato de ela estar angustiada, fisicamente doente, ou mesmo deprimida, isso servirá de estímulo para que ela use a própria circunstância infeliz como um meio para atingir os fins.

Há alguns anos, trabalhei como voluntário num hospital psiquiátrico para crianças. Atuava como orientador para Dennis, um garoto que recebera o diagnóstico de transtorno bipolar. Às vezes, Dennis se revelava um menino difícil, e, no momento em que seus conflitos vinham à tona, xingava a todos, com palavras obscenas.

Ninguém nunca o advertia sobre suas explosões; àquela altura, eu tampouco fazia isto. Afinal, ele é clinicamente “louco”, e não tem controle sobre isso, não é mesmo?

Certo dia, levei Dennis a um parque, e começamos a brincar com uma bola. Uma hora depois, ele teve uma de suas crises, e começou a me xingar. Em vez de ignorar, eu lhe disse: “Pare de me agredir, e de me xingar. Sei que você é um menino legal, e que pode ser bem mais legal do que está sendo agora”. Ele ficou de queixo caído, e tinha uma expressão atônita no rosto. Segundos depois, voltou a si e me disse: “Desculpe por ter sido agressivo, sr. Marc”.

A lição que tirei deste episódio: não é possível “ajudar” uma pessoa por meio do perdão incondicional a tudo que ela faz só porque ela tem problemas. Há muita gente passando por extremas dificuldades, mas que evita envenenar as pessoas com quem convivem. Só é possível agir com verdadeira compaixão quando se consegue impor limites. No longo prazo, uma postura de excessiva tolerância e condescendência não é saudável nem sensata para nenhuma das partes.

7. Reserve um tempo para si mesmo(a).

Caso você tenha de viver ou trabalhar com uma pessoa tóxica, e não lhe restar alternativa, lembre-se sempre da importância de reservar um tempo para si mesmo, para descansar e recarregar as baterias. Viver sempre o papel de um “adulto centrado e sensato” diante de uma pessoa temperamental e tóxica pode ser uma tarefa exaustiva; se você não tomar cuidado, este veneno pode infectá-lo. Lembre-se que mesmo as pessoas que estão enfrentando problemas legítimos e doenças clínicas conseguem compreender que você também tem problemas – o que significa que você também pode “sair de cena”, sempre que for necessário.

Você merece este distanciamento. Para poder refletir em paz, livre de pressões externas e de comportamentos nocivos. Sem ter de resolver quaisquer problemas, lutar pela preservação de seu território, ou agradar a ninguém. Há momentos em que você precisa simplesmente achar um tempo para si mesmo(a), longe do mundo agitado em que vive – mundo em que o tempo individual de cada pessoa não é uma prioridade.

Do original: 7 Smart Ways to Deal with Toxic People

Traduzido exclusivamente para CONTI outra pelo tradutor e revisor LUIS GONZAGA FRAGOSO

Luis Gonzaga Fragoso

Nascido em Sampa, mora numa chácara. Tradutor, músico amador, tem uma espécie de jukebox na mente, que toca o repertório que bem entende.

sábado, 11 de abril de 2015

Colocar-se em outra pessoa

Alex Castro

Empatia não é pena, dó, caridade — todos sentimentos condescendentes.

Empatia não é amor, simpatia, agrado — todas manifestações de afeto pessoal.

Empatia não é entendimento, compreensão — todas operações de redução e controle.

Empatia não é algo que se exerça de fora para dentro, de uma pessoa para outra.

Empatia é ESTAR dentro de outra pessoa, sentir o que ela sente, pensar o que ela pensa.

E, sim, é tão impossível quanto soa e tão imprescindível quanto parece.

* * *

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Eu sei, mas não devia




Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(1972)

Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

18 razões para não reduzir a maioridade penal


Por Douglas Belchior


O debate sobre a redução da maioridade penal é muito complexo. Não porque seja difícil defender a inconsequência e a ineficácia da medida enquanto solução para os problemas da violência e criminalidade. Mas, principalmente, por ter de enfrentar um imaginário retroalimentado pela grande mídia o tempo todo e há muitos anos, que reafirma: há pessoas que colocam a sociedade em risco. Precisamos nos ver livres delas. Se possível, matá-las. Ou ao menos prendê-las, quanto mais e quanto antes.

Em sala de aula, ver adolescentes defendendo a prisão e a morte para seus iguais dói. Mas é possível reverter esse pensamento. “Queremos justiça ou vingança?”, é a pergunta que mais gosto de fazer.

E você que me lê, se quer vingança, está correto. Reduza a maioridade penal para 16, e depois para 14, 12, 10 anos. Prenda em maior número e cada vez mais cedo. Institua a pena de morte.

Mas se quer justiça, as saídas são outras. E te apresento abaixo, 18 razões para refletir.

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Do Movimento 18 razões

1°. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

2°. Porque a lei já existe, resta ser cumprida

O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre.

3°. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%

Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.

4°. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas

O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).

O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.

Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.

5°. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

6°. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial

Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.

De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.

Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

7°. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado

A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente.

A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

8°. Porque as leis não podem se pautar na exceção

Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

9°. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa

A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade  do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.

O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.

A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.

Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que educar.

10°. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir

A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.

11°. Porque reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude

O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.

12°. Porque os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência

Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!

A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

13°. Porque, na prática, a PEC 33/2012 é inviável

A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Publico quiser poderá pedir para ‘desconsiderar inimputabilidade’, o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na pratica de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde.

A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto.

No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.

14°. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime

Se reduzida a idade penal, estes serão recrutados cada vez mais cedo.

O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.

A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.

Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.

Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.

15°. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais

Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional.

Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.

Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.

Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

16°. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos

O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.

Nesta idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional.

Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.

17°. Porque o Brasil está dentro dos padrões internacionais

São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.

Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.

Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.

18°. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução

O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.

 

 

Fonte: Carta Capital