quarta-feira, 25 de junho de 2014

Minha relação com a vírgula


Imagem: Reprodução


Tenho uma amiga que não perde a oportunidade de dizer que sou um homem cheio de teorias. Acredito que todos sejam. O que tenho mesmo é o hábito de abrir um monte de portas e não fechar nenhuma. Quando estava no Ensino Médio fiz um texto na aula de redação que pensei ser a obra prima de todos os meus trabalhos escolares. Toda minha dedicação, pesquisa, leituras, influências estavam ali. Todo o meu pensamento e reflexão condensado nas poucas linhas daquela folha. Tinha certeza de que seria bem avaliado por aquele exercício. Doce engano! O professor disse que faltavam vírgulas. Não compreendi, mas aceitei a disciplina. Ele sabia o que dizia, apesar de ser exageradamente exigente. Passei a prestar mais atenção às pontuações. Passei a utilizar a vírgula descompassadamente. Já na faculdade, no último período, uma das professoras que mais admirava elogiou minhas redações e pediu para que tomasse cuidado com o excesso de vírgulas. Aquelas palavras ecoaram em meus pensamentos por um longo tempo. ‘Tome cuidado com as vírgulas!’ Desde então, relacionei as vírgulas com minhas constantes pausas para reflexão, mania de enumerar coisas e acontecimentos, aquele hábito de abrir várias portas e não fechar nenhuma, tentar explicar o que não consigo. É como se ela tivesse me aconselhado: ‘Muito cuidado com seus pensamentos, teorias. Há portas que merecem estar sempre fechadas. Tais portas uma vez abertas inquietam toda nossa existência.’ Ela até hoje não sabe que interpretei assim aquele simples conselho ortográfico. Mais tarde, ao ter como companheira de trabalho uma professora de Português pude perceber que minha ligação com a vírgula era ainda mais forte que imaginava. Num momento de conversa na sala dos professores, ela me falava o quanto achava ser exagerada no uso de vírgulas. Apaixonei-me instantaneamente por aquele ser. Era como se estivesse me vendo no espelho. E como é bom perceber que não está sozinho neste vasto mundo! Nosso debate a esse respeito disso foi valioso, proveitoso. Ponderamos e rimos muito. Acredito que se alguém disser que ama vírgula pesará muito mais que dizer ‘eu te amo’. Amo vírgula! E uso porque amo pensar, pausar, enumerar, considerar, explicar, teorizar... Gosto que as portas estejam abertas para passar livremente por todas elas. Seria interessante causar uma grande revolução ortográfica e tornar obrigatório o uso de vírgulas sem medidas. Até mesmo colocá-la no lugar do ponto final. Que loucura! Para isso existe a reticências. Mas essa é outra história, outra relação...

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