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Imagem: Reprodução |
Tenho uma amiga que não perde a oportunidade de dizer que sou um homem
cheio de teorias. Acredito que todos sejam. O que tenho mesmo é o hábito de
abrir um monte de portas e não fechar nenhuma. Quando estava no Ensino Médio
fiz um texto na aula de redação que pensei ser a obra prima de todos os meus
trabalhos escolares. Toda minha dedicação, pesquisa, leituras, influências
estavam ali. Todo o meu pensamento e reflexão condensado nas poucas linhas
daquela folha. Tinha certeza de que seria bem avaliado por aquele exercício.
Doce engano! O professor disse que faltavam vírgulas. Não compreendi, mas
aceitei a disciplina. Ele sabia o que dizia, apesar de ser exageradamente
exigente. Passei a prestar mais atenção às pontuações. Passei a utilizar a
vírgula descompassadamente. Já na faculdade, no último período, uma das
professoras que mais admirava elogiou minhas redações e pediu para que tomasse
cuidado com o excesso de vírgulas. Aquelas palavras ecoaram em meus pensamentos
por um longo tempo. ‘Tome cuidado com as vírgulas!’ Desde então, relacionei as
vírgulas com minhas constantes pausas para reflexão, mania de enumerar coisas e
acontecimentos, aquele hábito de abrir várias portas e não fechar nenhuma,
tentar explicar o que não consigo. É como se ela tivesse me aconselhado: ‘Muito
cuidado com seus pensamentos, teorias. Há portas que merecem estar sempre
fechadas. Tais portas uma vez abertas inquietam toda nossa existência.’ Ela até
hoje não sabe que interpretei assim aquele simples conselho ortográfico. Mais
tarde, ao ter como companheira de trabalho uma professora de Português pude
perceber que minha ligação com a vírgula era ainda mais forte que imaginava.
Num momento de conversa na sala dos professores, ela me falava o quanto achava
ser exagerada no uso de vírgulas. Apaixonei-me instantaneamente por aquele ser.
Era como se estivesse me vendo no espelho. E como é bom perceber que não está
sozinho neste vasto mundo! Nosso debate a esse respeito disso foi valioso,
proveitoso. Ponderamos e rimos muito. Acredito que se alguém disser que ama
vírgula pesará muito mais que dizer ‘eu te amo’. Amo vírgula! E uso porque amo
pensar, pausar, enumerar, considerar, explicar, teorizar... Gosto que as portas
estejam abertas para passar livremente por todas elas. Seria interessante causar
uma grande revolução ortográfica e tornar obrigatório o uso de vírgulas sem
medidas. Até mesmo colocá-la no lugar do ponto final. Que loucura! Para isso
existe a reticências. Mas essa é outra história, outra relação...
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