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"Abram os olhos. Somos umas bestas.
No mau sentido. Somos primitivos. Somos primários. Por nossa causa
corre um oceano de sangue todos os dias. Não é auscultando todos os
nossos instintos ou encorajando a nossa natureza biológica a
manifestar-se que conseguiremos afastar-nos da crueza da nossa condição.
É lendo Platão. E construindo pontes suspensas. É tendo insônias. É
desenvolvendo paranoias, conceitos filosóficos, poemas, desequilíbrios
neuroquímicos insanáveis, frisos de portas, birras de amor, grafismos, sistemas políticos, receitas de bacalhau, pormenores. (...)
A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade,
o desespero, a experiência, o amor desinteressado, a ansiedade
artística, a sensação de vazio, a fé em Deus, o sentimento de
impotência, o sentir-mo-nos pequeninos, a confissão da ignorância, o
susto da solidão, a esperança nos outros, o respeito pelo tempo e a
bênção que é uma pessoa sentir-se perdida e poder andar às aranhas, à
procura daquela ideia, daquela casa, daquela pessoa que já sabe de
antemão que nunca há-de encontrar."
Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'
Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'
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