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Leonardo Boff |
Por Leonardo Boff
Todos os seres vivos superiores possuem acentuado sentido
lúdico. Basta observa os gatinhos e cachorros de nossas casas. Mas o
humor é próprio só dos seres humanos. O humor nunca foi considerado tema
“sério” pela reflexão teológica, sabendo-se que ele se encontra
presente em todas as pessoas santas e místicas que são os únicos
cristãos verdadeiramente sérios. Na filosofia e na pscinálise teve
melhor sorte.
Humor não é sinônimo de chiste, pois pode haver chiste sem humor e e
humor sem chiste. O chiste é irrepetível. Repetido, perde a graça. A
historieta cheia de humor conserva sua permanente graça; e gostamos de
ouvi-la repetidas vezes.
O humor só pode ser entendido a partir da profundidade do ser humano.
Sua característica é ser um projeto infinito, portador de inesgotáveis
desejos, utopias, sonhos e fantasias. Tal dado existencial faz com que
haja sempre um descompasso entre o desejo e a realidade, entre o sonhado
e sua concretização. Nenhuma instituição, religião, Estado e lei
conseguem enquadrar totalmente o ser humano, embora existam exatamente
para enquadrá-lo a um certo tipo de ordem. Mas ele desborda estas
determinações. Dai a importância da violação do inerdito para a vivência
da liberdade e para que surjam coisas novas. Isso na arte, na
literatura e também na religião.
Quando se dá conta desta diferença entre a lei e a realidade –
veja-se por exemplo, a exdrúxula moral católica sobre a proibição do uso
da camisinha em tempos em que grassa a AIDs – surge o sentido do humor.
Dá vontade de rir, pois é tudo tão fora do bom senso, é tanto discurso
proferido em pleno deserto que ninguém escuta nem observa que só podemos
ter humor. Essas pessoas vivem na lua não na Terra.
No humor se vive o sentimento de alívio do peso das limitações e do
prazer de vê-las relativas e sem a importância que elas mesmas se dão.
Por um momento, a pessoa se sente livre dos super-egos castradores, das
injunções impostas pela situação e faz uma experiência de liberdade,
como forma de plasmar seu tempo, dar sentido ao que está fazendo e
construir algo novo. Por detrás do humor vigora a criatividade, própria
do ser humano. Por mais que haja constrangimentos naturais e sociais,
sempre há espaço para se criar algo novo. Se não fosse assim não haveria
gênios na ciência, na arte e no pensamento. Inicialmente são tidos por
“loucos”, excêntricos e anormais. Quando tudo passou, um novo olhar
descobre a genialidade de um van Gogh, a criatividade fantástica de
Bach, quase desapercebido no seu tempo. De Jesus se diz que “os seus
saíram para agarrá-lo, pois diziam “ele está louco” (Mc 3,21). De São
Francisco se disse a mesma coisa: ele é um “pazzus” um louco, coisa que
ele aceitava como expressão da vontade de Deus. E era uma santo cheio de
de humor e alegria a ponto de o chamaram”frade-sempre-alegre”.
Em palavras mais pedestres: o humor é sinal de que nos é impossível
definir o ser humano dentro de um quadro estabelecido. Em seu ser mais
profundo e verdadeiro é um criador e um livre.
Por isso, pode sorrir e ter humor sobre os sistemas que o querem
aprisionar em categorias estabelecidas. E o ridículo que constatamos em
senhores sérios (por exemplo, professores, juízes, diretores de escola e
até monsenhores) que querem, solenemente e com ares de uma autoridade
superior, quase divina, fazer dos outros cegos e submissos ou quais
ovelhas terem que obedecer às suas ordens. Isso também causa humor.
Acertado estava aquele filósofo (Th. Lersch Philosophie des Humors,
Munique 1953, 26) que escreveu: “A essência secreta do humor reside na
força da atitude religiosa. Pois o humor vê as coisas humanas e divinas
na sua insuficiência diante de Deus”. A partir da seriedade de Deus, o
ser humano sorri das seriedades humanas com a pretensão de serem
absolutamente verdadeiras e sérias. Elas são um nada diante de Deus. E
existe ainda toda uma tradição teológica que nos vem dos Padres da
Igreja Ortodoxa que falam do Deus ludens, (do Deus lúdico) pois
criou o mundo como um jogo para o seu próprio entretenimento. E o
fazia, sabiamente, unindo humor com seriedade.
Quem vive centrado em Deus tem motivos de cultivar o humor.
Relativiza as seriedades terrenas, até os próprios defeitos e é um livre
de preocupações. São Thomas Morus, condenado à guilhotina, cultivou o
humor até o fim: pedia aos algozes que lhe cortassem o pescoço mas lhe
poupassem a longa barba branca. São Lourenço sorria com humor dos
algozes que o assavam na grelha e os incitava a virá-lo do outro lado
porque de um lado estava vem cozido ou do Santo Inácio de Antioquia,
bispo, ancião e referência de toda a Igreja dos primórdios, que
suplicava aos leões que viessem devorá-lo para passar mais rapidamente à
felicidade eterna.
Conservar esta serenidade, viver em estado de humor e compreende-lo a
partir das insuficiências humanas é uma graça que todos devemos buscar e
pedir a Deus.
Fonte: Blog Leonardo Boff
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