Você é tão sensível. Tão emocional. Tão defensiva. Você está
exagerando. Calma. Relaxe. Pare de surtar! Você é louca! Eu estava só
brincando, você não tem senso de humor? Você é tão dramática. Deixa pra
lá de uma vez!
Soa familiar?
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Foto por Maciek Łempicki | flickr.com/emciek/ |
Se você é uma mulher, provavelmente sim.
Você alguma vez escuta esse tipo de comentário de seu marido,
parceiro, chefe, amigos, colegas ou parentes após expressar frustração,
tristeza ou raiva sobre algo que eles disseram ou fizeram?
Quando alguém diz essas coisas a você, não é um exemplo de
comportamento sem consideração. Quando seu marido aparece meia hora
atrasado para o jantar sem avisar – isso é desconsideração. Uma
observação com o propósito de calar você – como, “Relaxa, está
exagerando” – logo após você apontar o comportamento ruim de alguém é
manipulação emocional, pura e simples.
E é esse o tipo de manipulação emocional que alimenta uma epidemia em
nosso país, uma epidemia que define as mulheres como loucas,
irracionais, exageradamente sensíveis e confusas. Essa epidemia ajuda a
alimentar a ideia de que as menores provocações fazem com que as
mulheres libertem suas (loucas) emoções. Isso é falso e injusto. Acho
que é hora de separar o comportamento sem consideração de manipulação
emocional e começarmos a usar uma palavra fora de nosso vocabulário
usual.
Quero introduzir um útil temo para identificar essas reações: “gaslaitear“.
(pequeno adendo do editor: “gaslaitear” foi uma adaptação do termo gaslighting para o português, para facilitar a compreensão do texto)
Gaslaitear é um termo usado com frequência por profissionais da área
de saúde mental (não sou um deles) para descrever comportamento
manipulador usado para induzir pessoas a pensarem que suas reações são
tão insanas que só podem estar malucas.
O termo vem do filme de 1944 da MGM, “Gaslight“,
estrelando Ingrid Bergman. O marido de Bergman no filme, interpretado
por Charles Boyer, quer tomar sua fortuna. Ele se dá conta de que pode
conseguir isso fazendo com que ela seja considerada insana e enviada
para uma instituição mental. Para tanto, ele intencionalmente prepara as
lâmpadas de gás (no inglês, “gaslights”, vindo daí o nome do filme) de
sua casa para ligarem e desligarem alternadamente.
E toda vez que Ingrid reage a isso, ele diz a ela que está vendo coisas.
Nesse contexto, uma pessoa gaslaiteadora é alguém que apresenta
informação falsa para alterar a percepção da vítima sobre si mesma.
Hoje, quando o termo é usado, usualmente significa que o perpetrador
usou expressões como, “Você é tão estúpida” ou “Ninguém jamais vai te
querer” para a vítima.
Essa é uma forma intencional e premeditada de gaslaitear, como as
ações do personagem de Charles Boyer no filme Gaslight, no qual ele
estrategicamente age para fazer com que sua esposa acredite estar
confusa.
A forma de gaslaitear que estou apontando nem sempre é premeditada ou
intencional, o que a torna pior, pois significa que todos nós,
especialmente as mulheres, já tiveram que lidar com isso em algum
momento.
Aqueles que gaslaiteaim criam reações – seja raiva, frustração,
tristeza – na pessoa com quem estão interagindo. Então, quando essa
pessoa reage, o gaslaiteador a faz sentir desconfortável e insegura por
agir como se seus sentimentos fossem irracionais ou anormais.
* * *
Minha amiga Anna (todos os nomes trocados por questão de privacidade,
claro) é casada com um homem que sente a necessidade de fazer
observações não solicitadas e aleatórias sobre seu peso.
Sempre que ela fica brava ou frustrada com seus comentários
insensíveis, ele responde da mesma maneira defensiva, “Você é tão
sensível, estou só brincando”.
Minha amiga Abbie trabalha para um homem que, quase todos os dias,
acha um jeito de criticá-la, assim como a qualidade de seu trabalho.
Observações como “Você não consegue fazer algo direito?” ou “Por que fui
te contratar?” são comuns para ela. Seu chefe não tem dificuldade em
demitir pessoas (o que faz regularmente), então seria difícil pensar,
baseado nesses comentários, que Abbie trabalha pra ele há seis anos.
Mas toda vez que ela se posiciona e diz “Não me ajuda em nada quando você diz essas coisas”, ela recebe a mesma resposta:
“Relaxa, você está exagerando.”
É muito mais fácil manipular emocionalmente alguém que foi
condicionado por nossa sociedade para tal. Nós continuamos a impor isso
sobre as mulheres pelo simples fato de que elas não recusam nossos
fardos. É a covardice suprema.
Abbie pensa que seu chefe está apenas sendo um babaca nesses
momentos, mas a verdade é que ele está fazendo esses comentários para
induzí-la a achar que suas reações não fazem sentido. E é exatamente
esse tipo de manipulação que a faz sentir culpada por ser sensível e,
como resultado, se recusar a deixar seu emprego.
Mas gaslaitear pode ser tão simples quanto alguém sorrindo e dizendo,
“Você é tão sensível”, para outra pessoa. Tal comentário pode soar
inócuo, mas naquele contexto a pessoa está emitindo um julgamento sobre
como a outra deveria se sentir.
Mesmo que lidar com gaslaitear não seja uma verdade universal para
todas as mulheres, nós certamente conhecemos muitas delas que enfrentam
isso no trabalho, em casa ou em seus relacionamentos.
E o ato de gaslaitear não afeta só mulheres inseguras. Até mesmo mulheres assertivas e confiantes estão vulneráveis. Por que?
Porque as mulheres suportam o peso da nossa neurose. É muito mais
fácil para nós colocar nossos fardos emocionais nos ombros de nossas
esposas, amigas, namoradas e empregadas, do que é impô-los nos ombros
dos homens.
Quer gaslaitear seja consciente ou não, produz o mesmo resultado: torna algumas mulheres emocionalmente mudas.
Essas mulheres não conseguem expressar com clareza para seus esposos
que o que é dito ou feito a elas as machuca. Elas não conseguem dizer a
seus chefes que esse comportamento é desrespeitoso e as impede de
trabalhar melhor. Elas não conseguem dizer a seus parentes que, quando
eles são críticos, estão fazendo mais mal do que bem.
Quando essas mulheres recebem qualquer tipo de reprimenda por suas
reações, tendem a deixar passar, pensando, “Esqueça, tá tudo bem.”
Esse “esqueça” não significa apenas deixar um pensamento de lado, é ignorar a si mesma. Me parte o coração.
Não é de se admirar que algumas mulheres sejam inconscientemente
passivas agressivas ao expressarem raiva, tristeza ou frustração. Por
anos, têm se sujeitado a tanto abuso que nem conseguem mais se expressar
de um modo que seja autêntico para elas.
Elas dizem “sinto muito” antes de darem sua opinião. Em um email ou
mensagem de texto, colocam uma carinha feliz ao lado de uma questão ou
preocupação séria, de modo a reduzir o impacto de expressarem seus
verdadeiros sentimentos.
Você sabe como é: “Você está atrasado :) ”
Essas são as mesmas mulheres que seguem em relacionamentos dos quais
deveriam sair, que não seguem seus sonhos, que desistem da vida que
gostariam de viver.
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“Aqui está tudo que precisa saber sobre homens e mulheres: mulheres são loucas, homens são estúpidos. E a principal razão pela qual as mulheres são loucas é porque os homens são estúpidos.” – George Carlin |
* * *
Desde que embarquei nessa auto-exploração feminista na minha vida e
nas vidas das mulheres que conheço, esse conceito das mulheres como
“loucas” tem de fato emergido como uma séria questão na sociedade e
igualmente uma grande frustração para as mulheres em minha vida, de modo
geral.
Desde o modo com que as mulheres são retratadas em reality shows a
como nós condicionamos meninos e meninas a verem as mulheres, acabamos
aceitando a ideia de que as mulheres são desequilibradas, indivíduos
irracionais, especialmente em momentos de raiva e frustração.
Outro dia mesmo, em um vôo de São Francisco para Los Angeles, uma
aeromoça que acabou me reconhecendo de outras viagens perguntou qual era
minha profissão. Quando disse a ela que escrevo principalmente sobre
mulheres, ela logo riu e perguntou, “Oh, sobre como somos malucas?”.
Sua reação instintiva ao meu trabalho me deixou um bocado deprimido.
Apesar de ter respondido como uma brincadeira, a pergunta dela não deixa
de apontar um padrão sexista que atravessa todas as facetas da
sociedade, sobre como homens veem as mulheres, o que impacta enormente
como as mulheres enxergam a si mesmas.
Até onde sei, a epidemia de gaslaitear é parte da luta contra os
obstáculos da desigualdade que as mulheres enfrentam. Gaslaitear rouba
sua ferramenta mais forte: sua voz. Isso é algo que fazemos com elas
todos dias, de diferentes modos.
Não acho que essa ideia de que as mulheres são “loucas” está baseada
em algum tipo de conspiração massiva. Na verdade, acredito que está
conectada à lenta e firme batida das mulheres sendo minadas e postas de
lado, diariamente. E gaslaitear é uma das muitas razões pelas quais
estamos lidando com essa construção pública das mulheres como “loucas”.
Reconheço ter gaslaiteado minhas amigas no passado (mas nunca os
amigos – surpresa, surpresa). É vergonhoso, mas fico feliz em ter me
dado conta disso e cessado de agir dessa maneira.
Mesmo tomando responsabilidade por meus atos, acredito sim que, junto
com outros homens, sou um produto de nosso condicionamento. E que ele
nos dificulta admitir culpa e expor qualquer tipo de emoção.
Quando somos desencorajados de expressar nossas emoções em nossa
infância e adolescência, isso faz com que muitos de nós sigam firmes em
sua recusa de expressar arrependimento quando vemos alguém sofrendo por
conta de nossas ações.
Quando estava escrevendo esse artigo, me lembrei de uma de minhas falas favoritas de Gloria Steinem:
“O primeiro problema para todos nós, homens e mulheres, não é aprender; mas sim desaprender.”
Então, para muitos de nós, o assunto é primeiro desaprender como usar
essas lâmpadas de gás (referência à origem do termo
gaslighting/gaslaitear) e entender os sentimentos, opiniões e posições
das mulheres em nossas vidas.
Pois a questão de gaslaitear não seria, em última instância, sobre
nosso condicionamento em acreditar que as opiniões das mulheres não têm
tanto peso quanto as nossas? Que o que elas têm a dizer e o que sentem
não é tão legítimo quanto o que nós dizemos e sentimos?
* * *
Nota do editor: Yashar vai publicar em breve
seu primeiro e-book, chamado “A message to women from a man: you are
not crazy”.
Esse post foi originalmente publicado no blog do Yashar, The Current Conscience. Nós lemos pela primeira vez no The Good Men Project. Tradução feita com permissão do autor.
Fonte: Papo de Homem - Site
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