sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sobre os 20% de cotas para negros

por Felipe Andrade


Em vista da recente notícia de aprovação pelo Senado da reserva de vagas para negros e pardos (cotas de 20% acima de 3 vagas), publiquei um parecer em outro ambiente no Facebook e resolvi compartilhar aqui também para apreciação e discussão. Estou aberto a opiniões complementares e antagônicas.

Então, povo...
Sou a favor de cotas baseadas no critério de afrodescendência como medidas paliativas a fim de corrigir uma realidade de forte desigualdade socioeconômica e de discriminação racial praticada há pelo menos 4 séculos em nosso país. Veja bem, são medidas paliativas, ou quebra galho no bom português, pois o correto seria aprimorar os serviços de saúde, educação, previdência e ampliar a acessibilidade à cultura, lazer, mercado de trabalho a fim de melhor servir e incluir a todos. Com uma boa educação de base, cotas talvez não seriam necessárias.
Porém, enquanto isso não acontece, procuro enxergar as cotas como um pedido de desculpas incipiente dirigido aos negros pela sangrenta e horrível história de dominação, tortura e estigmatização escrita pelos portugueses e, infelizmente, até hoje pela nossa sociedade.
Não sou negro então não sou capaz de descrever os olhares tortos, piadas racistas, acusações levianas ou mesmo a desconfiança simplesmente baseada na cor da pele - mas sou capaz de imaginar. Eu mesmo parei pra refletir na questão das cotas para concursos públicos pois me peguei pensando "Isso não fere o princípio de igualdade? As cotas em universidades já não são o bastante?" Não. Nada é o bastante. Não se trata de tratamento desigual, afinal um candidato negro às vagas públicas é ferido pela desigualdade desde o berço, sendo rotulado, vigiado e perseguido pelos agentes do Estado como marginal, criminoso, pessoa inapta. Quantos negros foram aptos a se sobressair em meio a uma sociedade que lhes mostra o punho fechado, disposta a condená-los sob o pressuposto da culpabilidade implícita? Logo, um concorrente negro a vagas públicas não está em pé de igualdade comigo. Ele tem todo um contexto anterior que reduziu suas chances e que deve ser levado em conta. Contexto esse que se estende a seus antepassados, conforme discuti a pouco.
Enfim, numa sociedade miscigenada como a nossa pode parecer estranho observar critérios de cor, de fato tal avaliação não é de todo eficiente. Mas é costumeiro que aqueles que se enquadram na cor negra sejam vítimas desse cenário opressor que descrevi. Minha bisavó era negra, mas nem por isso me sinto apto a comparar meus desafios pessoais com os vividos por um jovem negro.
Então... cotas? Ok, mas o povo afrodescendente merece mais, muito mais que isso.

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