As
cotas e a disribuição de renda desorganizarão o sistema de dominação
das elites e a verdadeira abolição chegará, aos trabalhadores negros e
não negros.
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E eles chegaram, um dia, e depois outro, e
por séculos, continuaram chegando, transportadoras em navios fétidos,
podres e desumanos. No outro lado do Oceano deixaram seus roçados, suas
famílias e suas formas de vida.
Aqui nestas terras, a morte rápida e
certeira, em canaviais, troncos e senzalas. Estupros, castigos e um novo
deus, uma nova submissão. Suas mãos e seus pés, artísticos e
trabalhadores, edificaram a Pátria Continente Brasil e, em troca, nunca,
nada!
Há 124 anos, a Princesa Isabel assinou a
Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil. De fato, ninguém mais
poderia comprar ou vender negros, ninguém poderia ser dono de negros. No
mais, o que já conhecemos: mera formalidade, como a chamada democracia
brasileira. Está no papel, mas só lá.
Depois de 1888, nenhuma terra, nenhuma
escola, nenhum emprego, apenas as favelas e o braço da lei para punir os
que não aceitassem a modelagem social que lhes cabia.
O Negro fez o Brasil, conquanto nossos
índios e brancos jamais possam ser ignorados. O Negro ensinou a toda
gente a “língua brasileira”, o Negro povoou a culinária, a dança e o
canto. O Negro contagiou nossa música e nossas festas, o Negro nos
ensinou a arte de sorrir e de gingar.
De trabalho em trabalho, de sol a sol,
surra a surra, muitos foram morrendo, mas ainda assim, a fantástica
força cultural do Negro manteve sua vitalidade. Reinventou-se, se
moldou, e não morreu, nunca morrerá, porque agora esta é a força do
Brasil.
Quando o Negro virou prejuízo, o
expulsaram da senzala e cinicamente chamaram a isto de Abolição. Vagou
por estradas, sem terra, emprego ou escola. Povoou morros e favelas, e
excluído, ainda criou um mundo paralelo à sociedade para sobreviver. A
sociedade absorveu as contribuições culturais negras, mas levantou
muralhas sociais e econômicas intransponíveis à civilização negra.
O Negro foi e sempre será importante ao
Brasil, mas ele ainda não se vê nas revistas nem outdoors, o Negro não
está na TV, nem nos empregos mais cobiçados, social e economicamente.
Nas universidades uma minoria, ínfima, é negra, embora, sob os governos
petistas, o percentual tenha saltado de 3%, para 17%.
Miseravelmente, a barbárie social e
cultural sofrida pelos negros não é capaz de convencer as cabeças mais
atrasadas e preguiçosas sobre a necessidade, ainda que provisória, de
uma política de cotas no Brasil. Vou mais longe e defendo cotas na TV e
nas propagandas, onde só aparecem brancos, como se nosso país não
tivesse metade da população afrodescendente.
Vamos à essência do problema, as cotas e a
distribuição de renda exigirão, muito em breve, que as classes
dominantes remodelem seus esquemas de dominação e, isso, obviamente,
inquieta e assusta. A verdadeira abolição chegará, mas só será
verdadeira quando abolir a opressão sobre os trabalhadores brasileiros,
negros e não negros.

Sobre o(a) autor(a)
Fábio Chagas
sepechagas@yahoo.com.br
Doutor em História e professor universitário
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