quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

POR QUE PAREI DE LER LIVROS PARA MEUS FILHOS?


Reprodução
por Fabrício Carpinejar




 Eu cheguei cansado do trabalho, preparei o jantar e chamei meu filho adolescente para perto.
- Vem me ouvir! Comprei um romance bem bacana, deixa ler os primeiros capítulos?
Ele não negou talvez pelo tom despretensioso do convite, assim como quem mostra um vídeo engraçado no Youtube.
Sentou no sofá ao meu lado. O rosto arregalado com o imprevisto. Nem eu compreendi o que passou pela minha cabeça, quis ler para o Vicente, apesar dos seus 12 anos e de outros interesses.
Ficamos quarenta minutos juntos. Eu virando as páginas com a minha voz, ele interessado com o que iria acontecer no enredo.
Assim que terminou parte da trama, falei:
- Por hoje é só, amanhã continuamos.
Fiquei emocionado ao dar boa-noite. O timbre embargou, o nariz trancou, a garganta encolheu numa pontada de secura.
Despistei. Mas somei todas as paternidades de repente em meu sangue, reuni minhas paternidades, teci um inventário de meu passado cuidador.
Voltei a ser o pai de antes, o pai de seus primeiros anos, o pai que não permitia trocar a folha do calendário sem antes mudar a folha de um livro, o pai que se debruçava na sua cama com a luz fraca do abajur para descrever façanhas de seus personagens prediletos, o pai que fingia não estar demolido pelo serviço, o pai que só fechava a porta do quarto de seu filho quando tinha certeza que ele fechara os olhos, o pai que levantava o cobertor até o pescoço e secretamente oferecia um beijo na testa.
Ele voltou a ser meu menino, o menino que insistia que continuasse a conversa para permanecer acordado, o menino que fazia perguntas incríveis e curiosas (que me intrigavam: onde ele aprendeu isso?), o menino que questionava o que significava uma palavra estranha, o menino que pressentia quando corria com a entonação para esconder cenas de terror, o menino que me encarava, fixo, espectador de meus lábios, com uma admiração de teatro de fantoches.
E me bateu um arrependimento: Por que parei de ler livros para os meus filhos? Somente por que cresceram e não eram mais crianças?
As histórias antes de dormir não devem ser restritas à infância.
Ler para meu filho, em qualquer idade, é protegê-lo. É uma segurança maior do que chavear o apartamento ou fechar as janelas.
Ele saberá que estou próximo, que pode adormecer e eu seguirei cuidando da casa, que alguém vigia seus sonhos, que acordará daqui a algumas horas e verá que nada mudou com sua breve ausência.
Mesmo que sejam três parágrafos por dia. Que ele sempre escute a voz paterna descrevendo o mundo.
A voz que ele se acostumou a ouvir quando pequeno e que ajudou a formar, de algum jeito, sua alma.

 Fonte: POR QUE PAREI DE LER LIVROS PARA MEUS FILHOS? - Fabrício Carpinejar: O Globo

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