Vejo
que hoje muitas pessoas demonstram um entendimento equivocado acerca da
livre manifestação de pensamento. Por exemplo. Se o coleguinha do seu
filho o chama, de modo recorrente, de “gordo”, “crente burro”, “idiota
católico”, “branquelo azedo”, isso é “bullying”. Mas se um jornalista
faz isso, o nome é outro: é liberdade de expressão.
Precisamos,
então, ponderar acerca desse direito tão importante às bases
democráticas, mas devassador quando tem exorbitados seus limites.
Ocorre
que a liberdade de expressão não é absoluta. Essa liberdade, assim como
todos os outros direitos, é relativa. Precisa amoldar-se, no contexto
social, a várias outras garantias que a lei dá ao indivíduo.
Aquilo
que você pensa, é algo seu. Inerente a você e isso é indiferente à
sociedade. A partir do momento em que você manifesta o seu pensamento,
ele terá repercussão em dado local, num determinado período de tempo e,
se ferir direito de terceiros, teremos que colocar na balança o que vale
mais: o seu direito de dizer ou o direito que foi ferido pela sua fala.
A sociedade estabelece leis para que possamos aferir o que é mais
importante.

Você
pode achar o seu vizinho esnobe e feio. E se isso ficar com você, que
problema há? Mas se você o disser, ele poderá se sentir ofendido, e isso
poderá caracterizar um crime de injúria.
Talvez
você não goste do credo de alguém. Direito seu. Mas se você
ridicularizar esse credo, você pode ferir intimamente o outro. E ele
possui, assegurado constitucionalmente, o direito ao livre exercício de
seu credo, de modo a garantir que sua crença não seja um motivo de
escárnio. Se você fizer isso, pode infringir o art. 208 do Código Penal,
que diz que é crime “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de
crença ou função religiosa”.
Você
pode achar que, por exemplo, todo político é ladrão. Pode achar (veja
que pensamento vulgar, mas tem gente que até pensa) que todo padre é
pedófilo. Mas se você o disser, assim mesmo: genericamente, incorre em
crime tanto de injúria quanto de calúnia. Como são ações penais de
natureza privada, (aquelas situações em que é a própria pessoa ofendida e
não o ministério público leva o caso a julgamento) se qualquer político
ou padre se ofender (seguindo com o exemplo acima mencionado), você
responde por esses crimes. Afinal, é crime mesmo.
E
não interessa se quem achincalha, ofende, agride ou calunia é você, um
menininho que estuda com o seu filho ou se é um jornalista de uma grande
revista internacional. Ninguém tem o direito de usar o verbo para
humilhar e ofender gratuitamente, movido por preconceito, pela
necessidade de hierarquizar o humano, de colocar o outro em um patamar
inferior ao seu (ou aos seus). Afinal, assim como os indivíduos
coexistem e devem conviver harmonicamente, assim também a integralidade
dos nossos direitos, e não apenas o direito à liberdade de expressão,
deve ser respeitado.
Nara Rúbia Ribeiro

Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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Fonte: Conti Outra
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