sábado, 24 de janeiro de 2015

GUERRA FRIA



Fabrício Carpinejar


O principal motivo de separação de tantos casais promissores não é a falta de química ou os interesses diferentes ou o medo de se entregar. É algo que surge depois da paixão. Já que a opinião do apaixonado não vale, ele somente concorda, avisa que está ótimo e não se preocupa com detalhes.
Parece bobo, idiota, insignificante o que vou dizer, mas realmente é o padrasto do início das brigas.
Estou falando do controle remoto do ar-condicionado, que assumiu a vilania competitiva antes exclusiva do controle remoto da tevê.
Acertar a temperatura do quarto tornou-se uma das maiores querelas amorosas. O homem sempre quer mais frio, a mulher sempre quer mais quente. Um precisa ceder, ninguém cede. A mulher contrariada culpará sua companhia pela enxaqueca e dor de garganta. O homem contrariado culpará sua companhia pelo suor, pesadelos e insônia.
Ele pretende dormir com edredom, como se fosse inverno. Ela busca descansar com a janela aberta, fino lençol cobrindo os pés e esperança de brisa.
Não há tribunal de pequenas causas que abarque a grandeza do conflito. O homem anseia se trancar num frigorífico, a mulher tem a predileção pela espontaneidade de uma estufa. Homem é esquimó, mulher é nudista.
Começa uma trapaça sem limites entre calorentos e friorentos.O homem deita com a temperatura de 18 graus e acorda com 26. A mulher deita com 26 graus e acorda com 18. Nenhum dois banca o desvio de rota durante a madrugada e seguem se boicotando e mentindo e fingindo que a refrigeração tem vida própria.
Homem e mulher são estações meteorológicas de continentes opostos. A guerra se anunciava com o ventilador. A mulher não gostava do aparelho ligado a noite inteira e virado em cima dela. O homem fazia questão do ponto fixo e das hélices em força máxima. Nesta queda de braço muda e ancestral, um se aproveita do vacilo do outro para tirar vantagem e o par costuma amanhecer descontente e cansado.
A origem do problema é profissional. Ambos estão se vingando do ambiente padrão do emprego, onde não mandam coisa alguma e terminam submissos e gripados.
Não se leva mais trabalho para casa. O que os casais andam trazendo agora para o lar são recalques.


 
 
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