sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Lado a Lado – Contribuição sociocultural em forma de novela e valorização do Negro

Quando era criança, nas aulas de História, sempre me perguntei sobre o que aconteceu com os escravos quando foram libertos? Como aconteceu este processo de interação que temos hoje? Como foi para o negro ser liberto, mas não ser inserido? Infelizmente, os livros de história no Ensino Fundamental e Médio das escolas brasileiras pouco falam disso. Ou melhor, nada falam. Omitem uma série de detalhes uma vez que a História é contada apenas, muitas vezes, apenas sob o ponto de vista da elite. Mas isto está mudando, ainda bem.

E mais: antes de todos estes episódios de escravidão à abolição, como se deu esta mistura entre europeus, indígenas e negros, que se transformou no povo brasileiro que temos hoje? Como sempre fui muito curioso, sentia que havia uma lacuna importante no aprendizado da História Brasileira. Por conta própria, li algumas coisas. A conclusão que cheguei é que o Brasil não foi descoberto. O país, na verdade, foi explorado e devastado.

Houve várias chacinas e verdadeiros genocídios à população indígena, ora escravizada, ora condenada trabalhar de forma desumana para sobrevivência. A ganância europeia foi tanta por recursos naturais que foi preciso importar mão de obra barata, no caso os escravos de origem africana. Nesta época, pelo pouco que li, as tribos africanas já tinham essa cultura da escravidão, da dominação. O mercado de escravos humanos era lucrativo. Desta época, temos hoje o Tráfico de Pessoas, seja por exploração sexual, seja no trabalho escravo.

No entanto, isso ficou mais acentuado, no decorrer dos tempos, quando os europeus sugaram tudo que podia das Américas e recorreram à África como segundo plano de exploração. Aliás, cabe um adendo de que a América ficou dividida entre espanhóis, portugueses e ingleses. Às outras nações europeias – isso entre o século XV e XVIII, coube a divisão de quem ficaria com o que na África. Mas isso nunca foi respeitado. Portugueses, ingleses, holandeses, franceses e por aí afora exploraram as regiões africanas da maneira mais indecente: tirando a dignidade daquele povo, por meio da violência, do preconceito e da alienação.

O lado triste da história da humanidade é que sempre houve injustiça, preconceito, intolerância e ignorância. No programa Esquenta, do último domingo (03/02), Regina Casé trouxe ao palco o escritor e pesquisador da cultura africana, Alberto da Costa e Silva. Confesso que não o conhecia. E quando descobri os vários livros e ensaios dele sobre a relação histórica, social e cultural entre o Brasil e África, me emocionei. Entrei em estado de êxtase.

Boa parte das minhas perguntas na época de estudante estavam ali, principalmente depois de uma fala dele. “Todo o brasileiro que quer realmente conhecer o Brasil precisa conhecer a África”. É impressionante como o nosso país está entrelaçado com a cultura africana, de uma maneira tão rica e nossa que criamos a cultura brasileira, do sincretismo religioso, à culinária e as mais variadas expressões artísticas e musicais, como o samba. Costa e Silva também falou do livro que o marcou e que o inspirou para que ele trilhasse esse caminho, “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre.

Foi a partir daí que me ocorreu que estamos vivenciando um marco na TV brasileira com a novela Lado a Lado. Pela primeira vez em um folhetim estamos discutindo a interação entre brancos e negros, ricos e pobres numa novela de época pós-abolição. O folhetim ainda toca em temas espinhosos como o divórcio, o feminismo, a liberdade sexual, a politicagem e a intolerância religiosa.

Já evoluímos muito em relação a inserção do negro e do povo indígena na sociedade, mais ainda tem muito a ser feito. O preconceito e a discriminação ainda sobrevivem desses resquícios socioculturais do início do século XX, de algumas vertentes da religião cristã que não respeitam o diferente e que estimula a culpa e a falta de liberdade – sendo que o amor ao próximo é um dos maiores ensinamentos de fé da sociedade moderna.

Nesta terça-feira (05/02), ao assistir Lado a Lado, e ver mais uma vez a forma inteligente e crítica que os autores inserem os episódios históricos pontuais da cultura afro-brasileira na trama, me emocionei e agradeci a Deus pela oportunidade de estarmos diante de algo na TV aberta que não só entretém, como também ensina. Que faz o negro sentir orgulho da sua história, da sua luta, do seu passado, presente e futuro.

Foi emocionante ver o Zé Maria entrar no campo de futebol e pedir para que o Chico tire o pó de arroz do rosto e do corpo, se apresentando do jeito que é, sem vergonha da sua cor. A novela está abordando sobre como o futebol chegou à cultura brasileira que, no início, era um esporte apenas de brancos da elite. O Chico representa o início da trajetória de tantos atletas negros como Pelé, Romário, Ronaldo, Neymar e tantos outros que fizeram do futebol um esporte brasileiro, e não só de uma etnia, de uma classe. Clique aqui e entenda este episódio histórico do futebol brasileiro, que aconteceu no Fluminense.

Nunca antes na história deste Brasil, uma novela conseguir promover tantos debates, tantos ensinamentos. Talvez seja por isso que a audiência dela não seja alta, se compararmos com as produções anteriores. Entender a nossa própria cultura exige uma mente aberta. Será que o brasileiro está preparado para assumir os seus medos e preconceitos diante do televisor?

Fotos: TV Globo / Divulgação.
Autor: Wander Veroni Maia - Jornalista pós-graduado em Rádio e TV e especializado em mídias sociais. Editor do blog @cafecnoticias

Fonte: http://cafecomnoticias.blogspot.com.br/2013/02/lado-lado-contribuicao-sociocultural-em.html?showComment=1360173381841

Nenhum comentário:

Postar um comentário