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Alguém muito, mas muito entendedor
dos assuntos do coração, ou que pelo menos acredito que já passou por
uns bons bocados nessa vida, disse por
aí que amor é um ato de fé. Não estou falando de santos, orações,
imagens ou lendas, estou falando de fé de verdade. Aquela que lá no
fundinho da nossa alma acredita, sonha, cruza os dedos, joga a moeda,
que ainda segue otimista mesmo com todos os percalços que aparecem pelo
caminho. Fé de gente. Inconsciente, inconsequente, subjugada. Fé de quem
ainda nem descobriu o significado desta palavra no meio da travessia.
Acho que a gente anda tão acostumado com a frieza e a distância cada dia
maior das relações interpessoais, que se esquece de que tudo na vida,
principalmente o amor, é uma escolha. Barganhar retorno de um sentimento
que deveria ser fornecido de graça é perder a fé em si mesmo, no seu
potencial dentro de um relacionamento e no amor em si, que ó, tem que
vir por merecimento não por obrigação.
Mania feia que a gente tem de barganhar. Na maioria das vezes são
coisas bobas, mínimas, como de quem é a vez de fazer o jantar, quem liga
primeiro depois de um encontro, quem busca quem para sair. Coisas que
seriam facilmente resolvidas com um pingo de desapego. Infelizmente, a
mídia, as redes sociais, a revista da fila de espera do dentista, a
novela das 8 e o programa de rádio, pregam uma “verdade absoluta” de que
as pessoas tem que se fazer de difíceis, que a outra metade tem que
correr atrás para demonstrar seu valor, que pessoas que adiantam o
primeiro passo têm caráter duvidoso e mais um bilhão de baboseiras que
muitos tomam para si, tornando isso regra total e irrestrita de vida. O
resultado são relacionamentos turbulentos, romances unilaterais,
carência, descaso e ao invés de se afastarem definitivamente, vão de
encontro direto a tão temerosa solidão.
Amor não é barganha. Você
não liga só porque ela ligou, você não vai até ele só porque da última
vez foi o contrário, você não espera para dizer que gosta só pra não
parecer vulnerável. Você faz o que seu coração tem vontade, única e
exclusivamente, porque assim você deseja. E só. A gente não pode fazer
muita coisa pela reciprocidade do outro, mas pela nossa a gente pode e
deve sim, fazer tudo que traz paz para o nosso coração. Se todo mundo
soubesse o tempo de carinho, cuidado e afeto que se perde barganhando
minúcias dentro de um relacionamento as pessoas abraçariam mais o livre
arbítrio e arcariam de mente aberta e essência tranquila, com as
consequências de suas próprias escolhas. Se não está disposto a correr
riscos não desafie o outro para jogar. A gente pode cair sim, se
machucar sim, literalmente ganhar um tapa na cara do universo sim, cada
vez que resolve alimentar um sentimento abstrato como o amor. Mas
mergulhar pela metade numa jornada que te pede inteira, só gera
frustração e carência.
Amor é um ato de fé. Ou você doa de graça,
de bom grado, de coração e alma lavados para o outro ou, com o perdão
da palavra, você não tem merecimento para viver o sentimento de forma
plena. Claro que tudo que a gente precisa de uma pessoa que nosso
coração escolheu se apaixonar é o mínimo de retorno. Mas não dá pra
barganhar uma troca. A gente abre portas e janelas na esperança de que o
outro venha com as flores e as cortinas. Se vier ótimo, deixe os
passarinhos entrarem. Se não vier, isso não deve ser motivo para não
decorar sua morada. Feliz é quem aceita que o amor começa dentro da
gente. Sem criar expectativas, sem cobrar desnecessariamente, sem fazer
“mimimi” por um mero ponto equivocado dentro de um parágrafo recheado de
pequenas delicadezas.
A melhor metade do amor a gente demonstra
justamente na hora que “falha” a reciprocidade do outro. Se ele estiver
muito cansado para sair vá até ele, se ela estiver indisposta em fazer o
jantar tome as rédeas e peça um sanduíche, se ele não te ligou depois
do primeiro encontro honre seu poder de escolha, sua autossuficiência e
seu batom vermelho escarlate e faça o contato. Discernimento para
diferenciar indiferença de descuido. Coragem para guardar o ego, o apego
e aquela vontade tentadora de “chegar em primeiro lugar”, em um
cantinho bem escondido da nossa alma. E muita fé, para acreditar que
onde a gente deposita nossa vivência alguém transformará nossa prece em
disponibilidade, respeito e merecimento. Assim seja.
[Danielle Daian]
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