domingo, 26 de outubro de 2014

DELAÇÃO PREMIADA DO AMOR



Fabrício Carpinejar

É preparar a lista de convidados que bate uma vontade danada de se separar.

Trata-se de um último degrau de superação entre os pombos: escolher quem é íntimo ou não é íntimo, uma questão pra lá de subjetiva.

Definir quem é amigo ou é conhecido, um debate quase insuportável capaz de enfraquecer os planos e suspender o altar.

Os noivos odeiam este momento, adiam o máximo possível para não se desgastarem.

Não é fácil mesmo. Para uma festa destinada a cem pessoas (o que já será cara), deve optar por cinquenta do seu absoluto convívio, de sua indiscutível preferência.

Isso se não tem uma parentela infinita, uma porção de parentes e primos que vem de ônibus de um ponto remoto da serra. Caso tenha uma família grande, sua lista terá metade ocupada antes mesmo de ser feita. Pois se convidar uma tia que gosta terá que convidar a outra que não suporta, se convidar um sobrinho precisa imaginar que ele cresceu e virá acompanhado.

Todo mundo que faz lista de convidados para um casamento se percebe um completo avarento. É o cálculo de quanto cada um vai comer, o quanto que cada um vai beber.

O prazer da festa se esvai em estatísticas, em cálculos, em matemática precisa e rigorosa. Está chamando números para a comemoração de seu amor. O charme romântico se perde em planilhas e restrições.

- Tem que ser cinquenta nomes, mais nenhum!

Começa a suar frio pela desfeita que poderá fazer a alguém.

A vida de solteiro não tem preferências, só a de casado.

[...]

Um dilema entre quem foi muito influente em uma fase de sua vida e quem é influente no momento. Como o casamento é uma retrospectiva de sua história, sofre por não trazer para perto os contatos extraviados pelo tempo.

- Vou convidar o Caolho, amor.

- Quem é o Caolho?

- O meu amigo de infância. O sujeito de boné, com correntes no pescoço, que a gente cumprimentou no Moinhos Shopping.

- Aquele cara? Tem jeito de traficante!

- Ele não é traficante.

- Pensa bem, não vou me meter, você é que decide, você é bem adulto.

Quando uma mulher decreta "pensa bem" é que ela tem certeza que o homem está pensando errado e virá uma reprimenda na sequência.

Não há como negociar: o Caolho não irá para festa. Abandonará o Moinhos Shopping apenas para não encontrá-lo de novo.

O que começa com o nó na garganta termina em nó no estômago.

Após encerrada a relação definitiva dos convocados, jura que terminou o martírio e pode finalmente se deliciar com os preparativos, mas a noiva lhe encara com incredulidade:

- Onde vai?

- Não terminou, amor?

- Claro que não, agora é a parte mais difícil. Temos que definir onde sentarão os convidados.

E põe um mapa do salão de festas em sua frente, disposta a nomear os assentos das vinte e cinco mesas.

- Quem sentará com quem? Quem sentará perto da gente? Me diz?
 
 

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