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Imagem: Reprodução |
Sou uma viciada em fase de recuperação. Meus pais, meus
amigos, meus colegas, meu namorado e até meus inimigos sabem do meu
vício. No início, eu tinha vergonha. Depois, pensei que era melhorar
começar a tratar logo para não perder mais tempo. Tenho tentado, só por
um dia, não deixar que o meu vício no smartphone – seus jogos,
aplicativos, possibilidades, megapixels – atrapalhasse a minha vida.
Demorou para que eu percebesse que o smartphone é só um aparelho que
depende de uma pessoa para ligar e desligar. Então a questão não é o
aparelho, mas quem está no comando dele.
Em poucas semanas de tratamento, percebi muitas coisas que abri mão
porque não cabiam na telinha – e descuidei tanto dela que o meu
smartphone caiu, quebrou, estilhaçou. Mas ainda funciona (porque não
estou curada, vivo um dia de cada vez).
Percebi o quanto de vida real um smartphone pode me sugar. Se faz isso comigo, faz contigo também.
Percebi o quanto de vida real um smartphone pode me sugar. Se faz isso comigo, faz contigo também.
1 – A possibilidade de fazer amigos e conhecer pessoas enquanto espera
Espera enche o saco, é verdade. Mas já fiz vários contatos, tive boas
reflexões e dei boas risadas na recepção do dentista, no ponto de
ônibus, num restaurante enquanto o prato não vinha, no elevador. Nesse
último, aliás, o smartphone matou o “será que chove hoje” e o “como essa
sexta demorou pra chegar”.
Quando o tédio da espera vem, você abre a guarda para ter conversas
com desconhecidos que podem acabar se tornando bons amigos, colegas,
contatos profissionais ou até mesmo cinco minutos de um papo
despretensioso – e quem há de questionar o seu valor? Hoje fica todo
mundo no smartphone jogando Candy Crush enquanto essas possibilidades
passam pelo sofá ao lado.
2 – A emoção de assistir a um show sem pensar no depois
Pobres das bandas de hardrock que incentivavam as pessoas a acenderem
isqueiros nos momentos emocionantes. O mar de smartphones que se
concentram em frente aos shows hoje em dia faz com que, apesar de
pagaram pelo ingresso, muita gente assista ao espetáculo de uma telinha.
Que tal fone de ouvido e vídeo no Youtube?
A grande emoção de ir a um show é viver um momento único com um
artista que você gosta. Absolutamente ninguém – através daquela lei da
física que diz que duas pessoas não podem ocupar o mesmo lugar no espaço
– vai assistir àquele acorde, daquele lugar, com aquela sonoridade.
Compartilhar uma foto rapidinho no Instagram é incrível, mas seria
sacanagem com os amigos mostrar pra eles o show inteiro e tirar o prazer
da surpresa (além de aguçar o ódio da inveja).
3 – Perceber a natureza e se conectar com a sua fé
Já fui a um piquenique em que os selfies se tornaram bem mais
importantes do que a sensação de ter o pé na grama e o sol na cara. Vi
até gente fazendo gambiarra com os sucos naturais e as frutas pra
produzir a foto e postando algo como “a beleza natural desta tarde de
sol”. O entardecer de outono é lindo e eu mesma vivo postando imagens
dele no meu Instagram. Mas ir até a janela, clicar, postar e não
observar todos os seus detalhes é um desperdício.
Outro dia percebi que o smartphone tinha feito com que eu parasse de
ouvir os pássaros no caminho entre a porta do meu apartamento e o carro.
Eu ia vendo os e-mails, respondendo os Whatsapp e simplesmente tinha
parado de perceber. Prometi pra mim mesma que do último degrau até a
porta do carro, o celular fica na bolsa. Geralmente paro no caminho,
respiro fundo, peço a bênção (...) para o meu dia. Mudou tudo. O
celular saiu de cena para que a minha fé fosse protagonista.
4 – Chorar num ombro de verdade
Todo mundo tem mil amigos o tempo todo. O Whatsapp não para de
receber mensagens de grupos bizarros que você nem sabe como entrou, você
fala com colegas distantes o tempo todo, mas na hora de ligar para
dividir um cinema ou de chorar por um pé na bunda, você está sozinho.
No meu boteco favorito, há um quadro de giz já na entrada que diz:
“não temos wi-fi, conversem entre vocês”. No início, gerou revolta.
Hoje, é um lugar onde as pessoas como eu – que sou viciada, admito –
quando enchem o saco da telinha de smartphone vão para falar com gente
diferente e fazer amigos de verdade.
5 – Estar sozinho e de bem com isso
Quem tem um smartphone nunca está sozinho. Mas sempre está. Não
sabemos mais lidar com a solidão. Ou vai dizer que a sua família não
surta quando a energia acaba naquele momento em que o celular está sem
bateria e o notebook está estragado e só liga quando conectado à tomada?
Ficar sozinho é bom. Mesmo sem energia. Faz pensar, alivia dores
emocionais, faz ter certeza de quem a gente é e aonde quer chegar. E
isso, meu amigo, não há smartphone que vá te dizer.
Sobre Marina Melz
É jornalista e trabalha com assessoria de imprensa. É meio Bridget Jones e meio Woody Allen. Não tem preconceitos com músicas, filmes e qualquer coisa que seja. Acha que toda história (boa ou não) merece ser contada.Fonte: Entenda Os Homens
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