domingo, 13 de abril de 2014

A prioridade do erro para fugir ao debate



 
 Fábio Chagas
Doutor em História e Professor

Nada poderia ser mais útil à sociedade do que a revisão dos números informados pela pesquisa do IPEA. Em vez de 65%, somamos “apenas” 26% de brasileiros que admitem que uma mulher “vestida de inadequadamente”, no fundo, não pode reclamar caso seja estuprada.
Nada pode ser mais perverso do que esta inversão das coisas, ou, renunciar ao debate sobre a gravíssima violência de gênero graças a um infeliz erro na divulgação de resultados. Alívio para muitos, pois o primeiro e assustador resultado nos deixou constrangidos, e omissos, mas o novo percentual desatou um assunto mais novo, maior e mais conveniente. Ou seja, não se celebra sequer a queda do percentual, mas o fato de poder-se fugir do debate sobre a violência de gênero. Será que podemos comemorar o fato de que em cada quatro indivíduos, no Brasil, um comete estupro?
É, pois, desta forma, que seguimos sendo uma sociedade homofóbica, sexista, machista e profundamente racista, sem encarar, sem buscar respostas para enfrentar, intransigentemente, todas as formas de preconceito e opressão.
Neste momento, uma operação de guerra está em curso no Complexo da Maré (RJ), e o mais grave é que aceitamos que o auto denominado Estado Democrático de Direito, diante da população pobre e trabalhadora, se comporte como um Estado de Exceção. O Estado está em guerra contra os pobres no Rio de Janeiro, ao passo que os fornecedores destas drogas ilícitas e das armas, assistem a tudo de seus confortáveis lares, nos condomínios de luxo da Zona Sul.
A pobreza é criminalizada e fingimos que nada acontece, o número de estupros no Brasil é maior que o de homicídios e nada discutimos, o racismo se expressa por todos os poros da nossa vida social e ainda assumimos uma postura ignorante e antidemocrática perante a Política de Cotas.
Robespierre, expoente político da Revolução Francesa, sustentou naqueles anos que a omissão era a própria traição, e partindo-se daí, o que em realidade estamos fazendo quando priorizamos um erro de pesquisa em prejuízo do problema do estupro, o qual é praticado em número maior do que os homicídios?
Talvez não concordemos com o estupro propriamente dito, mas a omissão pode revelar que entendemos e aceitamos esta prática odiável como algo natural, tal como naturalizamos o poder machista, homofóbico, racista, tal como naturalizamos o capitalismo, um sistema de morte que aniquila a essência dos seres humanos e arranca, diariamente, a vida de outros tantas milhares de pessoas.
Inegavelmente, no terreno jurídico temos avançado, mas no campo cultural, das mentalidades, ainda rastejamos. Daí, também debatermos outro tema fundamental, a saber, a democratização dos meios de comunicação. As mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os grupos religiosos perseguidos etc., precisam de espaço para recriar sua imagem e identidade perante a sociedade.
É inaceitável prosseguir com programas televisivos que naturalizam, reforçam e reproduzem os preconceitos e as várias formas de violência. Estes poderosos meios de comunicação se escondem sob o discurso da liberdade de expressão, que em realidade, consiste apenas na liberdade de fazer o que se quer, sem nenhum compromisso ético e social.
Os meios de comunicação no Brasil funcionam exclusivamente como um balcão de negócios e como um partido político das classes dominantes. Quando criticados e atacados por seu descompromisso com o jornalismo e a democracia, se defendem histericamente apresentando-se como vítimas de censura.
O fato, por fim, é que não superaremos um problema sem superar outros tantos, e o caminho é “forçar a porta” do debate, exigir posicionamentos, responsabilizações e travar a luta política em busca da radicalidade democrática.

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