Espaço com expressõs de mentes anônimas e famosas. Aqui você encontra músicas, filmes, poesias, crônicas, pesquisas, frases ou todas elas na mesma postagem. Doses diárias de reflexão para você que tem a sensibilidade de compreender que a vida é uma arte sem fim.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
"Os artistas são as pessoas mais motivadas e corajosas sobre a face da terra. Lidam com mais rejeição num ano do que a maioria das pessoas encara durante toda uma vida. Todos os dias, artistas enfrentam o desafio financeiro de viver um estilo de vida independente, o desrespeito de pessoas que acham que eles deviam ter um emprego a sério e o seu próprio medo de nunca mais ter trabalho. Todos os dias, têm de ignorar a possibilidade de que a visão à qual têm dedicado suas vidas seja apenas um sonho. Com cada obra ou papel, empurram os seus limites, emocionais e físicos, arriscando a crítica e o julgamento, muitos deles a ver outras pessoas da sua idade a alcançar os marcos previsíveis da vida normal - O carro, a família, a casa, o pé-de-meia. Por quê? "Porque os artistas estão dispostos a dar a sua vida inteira por um momento" - Para que aquele verso, aquele riso, aquele gesto, agite a alma do público. Artistas são seres que provaram o néctar da vida naquele momento de cristal quando derramaram o seu espírito criativo e tocaram no coração do outro. Nesse instante, eles estão mais próximos da magia, de Deus e da perfeição do que qualquer um poderia estar. E nos seus corações, sabem que dedicar-se a esse momento vale mil vidas."
- David Ackert - ator
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
![]() |
Reprodução |
Um
antropólogo estava estudando os usos e costumes de uma tribo africana
chamada Ubuntu e, quando terminou seu trabalho, sugeriu uma brincadeira
para as crianças: pôs um cesto muito bonito, cheio de doces embaixo de
uma árvore e propôs às crianças uma corrida. Quem vencesse ganharia o
bonito e delicioso presente. Quando ele disse “já”, todas as crianças se
deram as mãos e saíram correndo em direção ao cesto. Dividiram tudo entre si muito felizes.
O antropólogo ficou surpreso com a atitude das crianças. Elas lhe
explicaram: “Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas
as outras estivessem tristes?” Ele, então, percebeu a essência daquele
povo: não havia competição, mas sim colaboração. Ubuntu significa: “Sou
quem sou, porque somos todos nós!”domingo, 26 de janeiro de 2014
DEIXE A RAIVA SECAR

"Mariana" ficou toda feliz porque ganhou de presente um joguinho de chá, todo azulzinho, com bolinhas amarelas.
No dia seguinte, Júlia sua amiguinha, veio bem cedo convidá-la para brincar.
Mariana não podia, pois iria sair com sua mãe naquela manhã.
Júlia então, pediu a coleguinha que lhe emprestasse o seu conjuntinho de chá para que ela pudesse brincar sozinha na garagem do prédio.
Mariana não queria emprestar, mas, com a insistência da amiga, resolveu ceder, fazendo questão de demonstrar todo o seu ciúme por aquele brinquedo tão especial.
Ao regressar do passeio, Mariana ficou chocada ao ver o seu conjuntinho de chá jogado no chão.
Faltavam algumas xícaras e a bandejinha estava toda quebrada.
Chorando e muito nervosa, Mariana desabafou:
"Está vendo, mamãe, o que a Júlia fez comigo?
Emprestei o meu brinquedo, ela estragou tudo e ainda deixou jogado no chão."
Totalmente descontrolada, Mariana queria, porque queria, ir ao apartamento de Júlia pedir explicações.
Mas a mãe, com muito carinho ponderou:
"Filhinha, lembra daquele dia quando você saiu com seu vestido novo todo branquinho e um carro, passando, jogou lama em sua roupa?
Ao chegar em casa você queria lavar imediatamente aquela sujeira, mas a vovó não deixou.
Você lembra o que a vovó falou?
Ela falou que era para deixar o barro secar primeiro. Depois ficava mais fácil limpar.
Pois é, minha filha, com a raiva é a mesma coisa.
Deixa a raiva secar primeiro..
Depois fica bem mais fácil resolver tudo."
Mariana não entendeu muito bem, mas resolveu seguir o conselho da mãe e foi para a sala ver televisão.
Logo depois alguém tocou a campainha..
Era Júlia, toda sem graça, com um embrulho na mão.
Sem que houvesse tempo para qualquer pergunta, ela foi falando:
"Mariana, sabe aquele menino mau da outra rua que fica correndo atrás da gente?
Ele veio querendo brincar comigo e eu não deixei.
Aí ele ficou bravo e estragou o brinquedo que você havia me emprestado.
Quando eu contei para a mamãe ela ficou preocupada e foi correndo comprar outro brinquedo igualzinho para você.
Espero que você não fique com raiva de mim.
Não foi minha culpa."
"Não tem problema", disse Mariana, "minha raiva já secou."
E dando um forte abraço em sua amiga, tomou-a pela mão e levou-a para o quarto para contar a história do vestido novo que havia sujado de barro.
Nunca tome qualquer atitude com raiva.
A raiva nos cega e impede que vejamos as coisas como elas realmente são.
Assim você evitará cometer injustiças e ganhará o respeito dos demais pela sua posição ponderada e correta.
Diante de uma situação difícil. Lembre-se sempre: Deixe a raiva secar.
sábado, 25 de janeiro de 2014
O CONVITE
Não me interessa o que você faz pra viver. Quero saber o que você
deseja ardentemente, e se você se atreve a sonhar em encontrar os
desejos do seu coração.
Não me interessa quantos anos você tem. Quero saber se você se
arriscaria parecer que é um tolo por amor, por seus sonhos, pela
aventura de estar vivo. Não me interessa que planetas estão em
quadratura com a sua lua. Quero saber se você tocou o centro de sua
própria tristeza, se você se tornou mais aberto por causa das traições
da vida, ou se tornou murcho e fechado por medo das futuras mágoas.
Quero saber se você pode sentar-se com a dor, minha ou sua, sem se
mexer para escondê-la, tentar diminuí-la ou tratá-la. Quero saber se
você pode conviver com a alegria, minha ou sua, se você pode dançar
loucamente e deixar que o êxtase tome conta de você dos pés à cabeça,
sem a cautela de ser cuidadoso, de ser realista ou de lembrar das
limitações de ser humano.
Não me interessa se a história que você está contando é verdadeira.
Quero saber se você pode desapontar alguém para ser verdadeiro consigo
mesmo; se você pode suportar acusações de traição e não trair sua
própria alma. Quero saber se você pode ser leal, e portanto, confiável.
Quero saber se você pode ver a beleza mesmo quando o que vê não é
bonito, todos os dias, e se você pode buscar a fonte de sua vida em sua
presença. Quero saber se você pode conviver com o fracasso, seu e meu, e
ainda postar-se à beira de um lago e gritar à lua cheia prateada:
“Sim!”.
Não me interessa saber onde mora e quanto dinheiro você tem. Quero
saber se você pode levantar depois de uma noite de tristeza e desespero,
cansado e machucado até os ossos e fazer o que tem que ser feito para
as crianças.
Não me interessa quem você é, como chegou até aqui. Quero saber se
você vai se postar no meio do fogo comigo e não vai se encolher.
Não me interessa onde ou o que ou com quem você estudou. Quero saber o
que o segura por dentro quando tudo o mais fracassa. Quero saber se
você pode ficar só consigo mesmo e se você verdadeiramente gosta da
companhia que tem nos momentos vazios.
Fonte: O Mundo de Gaya
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Os salários “sem juízo” em Minas Gerais

Fábio Chagas
Doutor em História e Professor
Doutor em História e Professor
Nossa sociedade, liberal, capitalista, se rege pelas regras do
mercado, da competição e do individualismo, esvaziando o ser humano em
suas essência e existência. Somos medíocres e vivemos como estúpidos,
nos matamos pelo santo dinheiro e por mercadorias que ele pode comprar.
Não pensamos no coletivo, e, por isso, não pensamos em nós mesmos.
Estamos mortificados!
Quando prestamos um concurso público, pensamos apenas nos salários e no emprego que nunca perderemos. Raros, talvez pensem, que um servidor público deve servir ao seu povo..o resto é salário e emprego garantido...Ao invés de algo elevado como dar o melhor de si, pelo outro, boa parte dos funcionários trata os usuários com um poder de burocratizar e emperrar as necessidades dos cidadãos.
Quando isso se espraia para o Poder Judiciário, tudo se complica.
Em Minas Gerais, Juízes e Desembargadores acham que ganham pouco e lutam agora para receber nada mais do que modestos 28 mil reais, além dos “benefícios”, é claro...
Seguindo a História e a literatura brasileiras, notamos nossa vocação para ser o país dos Bacharéis, dos doutores e dos funcionários públicos. Nesse sentido, sugiro a leitura do maravilhoso Lima Barreto.
O Diploma conferia status, poder social e facilidades para se arrumar emprego.
Médicos e advogados viraram doutores, sem saber o que é a pesquisa científica e a defesa de um doutoramento (quem vive de joelhos os chama de doutores)
Já os juízes, no Brasil, são “super doutores”, acima do bem e do mal, sem ideologias, partido ou classe social. Dizem trabalhar muito mas, será que apenas eles trabalham muito?
Quando prestamos um concurso público, pensamos apenas nos salários e no emprego que nunca perderemos. Raros, talvez pensem, que um servidor público deve servir ao seu povo..o resto é salário e emprego garantido...Ao invés de algo elevado como dar o melhor de si, pelo outro, boa parte dos funcionários trata os usuários com um poder de burocratizar e emperrar as necessidades dos cidadãos.
Quando isso se espraia para o Poder Judiciário, tudo se complica.
Em Minas Gerais, Juízes e Desembargadores acham que ganham pouco e lutam agora para receber nada mais do que modestos 28 mil reais, além dos “benefícios”, é claro...
Seguindo a História e a literatura brasileiras, notamos nossa vocação para ser o país dos Bacharéis, dos doutores e dos funcionários públicos. Nesse sentido, sugiro a leitura do maravilhoso Lima Barreto.
O Diploma conferia status, poder social e facilidades para se arrumar emprego.
Médicos e advogados viraram doutores, sem saber o que é a pesquisa científica e a defesa de um doutoramento (quem vive de joelhos os chama de doutores)
Já os juízes, no Brasil, são “super doutores”, acima do bem e do mal, sem ideologias, partido ou classe social. Dizem trabalhar muito mas, será que apenas eles trabalham muito?
Sua profissão é tão mais importante? Qual seria tão menos importante?
Os juízes querem receber R$ 28.059 e mais alguns benefícios como:
1. auxílio para compra de livros
2. aumento do abono de férias
3. pagamento de R$25 mil para os que precisarem mudar de comarca
2. aumento do abono de férias
3. pagamento de R$25 mil para os que precisarem mudar de comarca
Acaso, quem recebe 28 mil reais, precisa destes privilégios?
Qual trabalhador brasileiro recebe tanto dinheiro e ainda é presenteado com tais benefícios?
Os juízes podem merecer, como muitos merecem, mas:
Não será indecente e profundamente antidemocrático, receber 28 mil reais, e outros tantos privilégios, num país em que dezenas de milhões vivem com salário mínimo (R$ 724,00) e Bolsa Família?
Não será indecente e profundamente antidemocrático, receber 28 mil reais, e outros tantos privilégios, num país em que dezenas de milhões vivem com salário mínimo (R$ 724,00) e Bolsa Família?
Receber salários altíssimos vai melhorar o Aparelho Judiciário em que?
Aumentar salários criará novos Tribunais e melhorará o atendimento estrangulado?
Aumentar salários criará novos Tribunais e melhorará o atendimento estrangulado?
O Estado mineiro gastará mais 40 milhões de reais com o reajuste, ou
seja, os cidadãos trabalharão para melhorar a renda dos Juízes e
Desembargadores, sem que o acesso à Justiça melhore em nada.
Nosso tempo carece de homens públicos, voltados para o coletivo, e não apenas para seus salários.
Esta Democracia das desigualdades gritantes produzirá qual tipo de paz social?
Que Justiça se faz quando um Juiz ganha, no mínimo, 38 vezes mais que um trabalhador humilde?
Nosso tempo carece de homens públicos, voltados para o coletivo, e não apenas para seus salários.
Esta Democracia das desigualdades gritantes produzirá qual tipo de paz social?
Que Justiça se faz quando um Juiz ganha, no mínimo, 38 vezes mais que um trabalhador humilde?
A distribuição desigual da renda e dos salários gera uma terrível
distorção no acesso à cultura e ao lazer e, obviamente, gera uma
educação para os filhos dos bem pagos e outra, para os filhos dos mal
pagos. Obviamente que isso não democratiza e não pacifica nenhuma
sociedade, apenas perpetua as desigualdades, as injustiças e os
preconceitos.
Ganhar 38 vezes mais já resulta em violência, a qual, por sua vez, gera outras violências...
...inclusive aquelas que levam os jovens aos Tribunais.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Os rolezinhos nos acusam: somos uma sociedade injusta e segregacionista
O fenômeno dos centenas de rolezinhos que ocuparam shoppings
centers no Rio e em São Paulo suscitou as mais disparatadas
interpretações. Algumas, dos acólitos da sociedade neoliberal do consumo
que identificam cidadania com capacidade de consumir, geralmente nos
jornalões da mídia comercial, nem merecem consideração. São de uma
indigência analítica de fazer vergonha.
Mas houve outras análises que foram ao cerne da questão como a do jornalista Mauro Santayana do JB on-line e as de três especialistas que avaliaram a irrupção dos rolês na visibilidade pública e o elemento explosivo que contém. Refiro-me à Valquíria Padilha, professora de sociologia na USP de Ribeirão Preto:”Shopping Center: a catedral das mercadorias”(Boitempo 2006), ao sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza,”Ralé brasileira: quem é e como vive (UFMG 2009) e de Rosa Pinheiro Machado, cientista social com um artigo”Etnografia do Rolezinho”no Zero Hora de 18/1/2014. Os três deram entrevistas esclarecedoras.
Eu por minha parte interpreto da seguinte forma tal irrupção:
Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins como saúde, escola, infra-estrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem televisão cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação. Mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada. O que se esconde por trás de sua irrupção? O fato de não serem incluidos no contrato social. Não adianta termos uma “constituição cidadã” que neste aspecto é apenas retórica, pois implementou muito pouco do que prometeu em vista da inclusão social. Eles estão fora, não contam, nem sequer servem de carvão para o consumo de nossa fábrica social (Darcy Ribeiro). Estar incluído no contrato social significa ver garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos bunkers do consumo? “Oia nóis na fita”; “nois não tamo parado”;”nóis tamo aqui para zoar”(incomodar). Eles estão com seu comportamento rompendo as barreiras do aparheid social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social pois contradiz o projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites altamente insensíveis à paixão de seus semelhantes e por isso cínicas. Continuamos uma Belíndia: uma Bélgica rica dentro de uma India pobre. Tudo isso os rolezinhos denunciam, por atos e menos por palavras.
Em segundo lugar, eles denunciam a nossa maior chaga: a desigualdade social cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva, no entanto, constatar que com as políticas sociais do governo do PT a desigualdade diminiui, pois segundo o IPEA os 10% mais pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2% enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raíz do problema pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e acessível a todos. Não é suficiente transferir renda; tem que criar oportunidades e oferecer serviços, coisa que não foi o foco principal no Ministério de Desenvolvimento Social. O “Atlas da Exclusão Social” de Márcio Poschmann (Cortez 2004) nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias, das quais cinco mil famílias extensas detém 45% da riqueza nacional. Democracia sem igualdade, que é seu pressupsto, é farsa e retórica. Os rolezinhos denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para ve-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável pelos donos do shoppings. Eles não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses bárbaros. Sim, bem o viu T.Todorov em seu livro “Os novos bárbaros”: os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: esta ordem é ordem na desordem. Ela os faz frustrados e infelizes, tomados de medo, medo dos próprios semelhantes que somos nós.
Por fim, os rolezinhos não querem apenas consumir. Não são animaizinhos famintos. Eles tem fome sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar o que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar sua vida. Tudo isso lhes é negado, porque, por serem pobres, negros, mestiços sem olhos azuis e cabelos loiros, são desperezados e mantidos longe, na margem.
Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convem mais. Os rolezinhos mexeram numa pedra que começou a rolar. Só parará se houver mudanças.
Mas houve outras análises que foram ao cerne da questão como a do jornalista Mauro Santayana do JB on-line e as de três especialistas que avaliaram a irrupção dos rolês na visibilidade pública e o elemento explosivo que contém. Refiro-me à Valquíria Padilha, professora de sociologia na USP de Ribeirão Preto:”Shopping Center: a catedral das mercadorias”(Boitempo 2006), ao sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza,”Ralé brasileira: quem é e como vive (UFMG 2009) e de Rosa Pinheiro Machado, cientista social com um artigo”Etnografia do Rolezinho”no Zero Hora de 18/1/2014. Os três deram entrevistas esclarecedoras.
Eu por minha parte interpreto da seguinte forma tal irrupção:
Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins como saúde, escola, infra-estrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem televisão cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação. Mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada. O que se esconde por trás de sua irrupção? O fato de não serem incluidos no contrato social. Não adianta termos uma “constituição cidadã” que neste aspecto é apenas retórica, pois implementou muito pouco do que prometeu em vista da inclusão social. Eles estão fora, não contam, nem sequer servem de carvão para o consumo de nossa fábrica social (Darcy Ribeiro). Estar incluído no contrato social significa ver garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos bunkers do consumo? “Oia nóis na fita”; “nois não tamo parado”;”nóis tamo aqui para zoar”(incomodar). Eles estão com seu comportamento rompendo as barreiras do aparheid social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social pois contradiz o projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites altamente insensíveis à paixão de seus semelhantes e por isso cínicas. Continuamos uma Belíndia: uma Bélgica rica dentro de uma India pobre. Tudo isso os rolezinhos denunciam, por atos e menos por palavras.
Em segundo lugar, eles denunciam a nossa maior chaga: a desigualdade social cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva, no entanto, constatar que com as políticas sociais do governo do PT a desigualdade diminiui, pois segundo o IPEA os 10% mais pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2% enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raíz do problema pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e acessível a todos. Não é suficiente transferir renda; tem que criar oportunidades e oferecer serviços, coisa que não foi o foco principal no Ministério de Desenvolvimento Social. O “Atlas da Exclusão Social” de Márcio Poschmann (Cortez 2004) nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias, das quais cinco mil famílias extensas detém 45% da riqueza nacional. Democracia sem igualdade, que é seu pressupsto, é farsa e retórica. Os rolezinhos denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para ve-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável pelos donos do shoppings. Eles não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses bárbaros. Sim, bem o viu T.Todorov em seu livro “Os novos bárbaros”: os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: esta ordem é ordem na desordem. Ela os faz frustrados e infelizes, tomados de medo, medo dos próprios semelhantes que somos nós.
Por fim, os rolezinhos não querem apenas consumir. Não são animaizinhos famintos. Eles tem fome sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar o que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar sua vida. Tudo isso lhes é negado, porque, por serem pobres, negros, mestiços sem olhos azuis e cabelos loiros, são desperezados e mantidos longe, na margem.
Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convem mais. Os rolezinhos mexeram numa pedra que começou a rolar. Só parará se houver mudanças.
Artigo escrito primeiramente para o JB on-line
Fonte: leonardoBOFF.com
Presságio
- Fernando Pessoa
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
PARA O SEU CORAÇÃO
1. Não cuide de seu trabalho antes de tudo.
As necessidades pessoais e familiares são prioritárias. 2. Não trabalhe aos sábados o dia inteiro e, de maneira nenhuma, trabalhe aos domingos. 3. Não permaneça no escritório à noite e não leve trabalho para casa e/ou trabalhe até tarde. 4. Ao invés de dizer "sim" a tudo que lhe solicitarem, aprenda a dizer "não". 5. Não procure fazer parte de todas as comissões, comitês, diretorias, conselhos e nem aceite todos os convites para conferências, seminários, encontros, reuniões, simpósios etc. 6. Se dê ao luxo de um café da manhã ou de uma refeição tranquila. Não aproveite o horário das refeições para fechar negócios ou fazer reuniões importantes. 7. Pratique esportes. Faça ginástica, natação, caminhe, pesque, jogue bola ou tênis. 8. Tire férias sempre que puder, você precisa disso. Lembre-se que você não é de ferro. 9. Não centralize todo o trabalho em você, não é preciso controlar e examinar tudo para ver se está dando certo... Aprenda a delegar. 10. Se sentir que está perdendo o ritmo, o fôlego e pintar aquela dor de estômago, não tome logo remédios, estimulantes, energéticos e antiácidos. Procure um médico. 11. Não tome calmantes e sedativos de todos os tipos para dormir. Apesar deles agirem rápido e serem baratos, o uso contínuo fazem mal à saúde. 12. E por último, o mais importante: permita-se a ter momentos de oração, meditação, audição de uma boa música e reflexão sobre sua vida. Isto não é só para crédulos e tolos sensíveis; faz bem à vida e à saúde. IMPORTANTE: OS ATAQUES DE CORAÇÃO Uma nota importante sobre os ataques cardíacos. Há outros sintomas de ataques cardíacos, além da dor no braço esquerdo. Há também, como sintomas vulgares, uma dor intensa no queixo, assim como náuseas e suores abundantes. Pode-se não sentir nunca uma primeira dor no peito, durante um ataque cardíaco. 60% das pessoas que tiveram um ataque cardíaco enquanto dormiam não se levantaram. Mas a dor no peito pode acordá-lo de um sono profundo. Se assim for, dissolva imediatamente duas Aspirinas na boca e engula com um bocadinho de água. Ligue para Emergência (192, 193 ou 190) e diga ''ataque cardíaco'' e que tomou 2 Aspirinas. Sente-se numa cadeira ou sofá e force uma tosse, sim forçar a tosse, pois ela fará o coração pegar no tranco; tussa de dois em dois segundos, até chegar o socorro.. NÃO SE DEITE ! Quem se faz presente na vida deixa muita saudade e perfume por onde passa. Há algo mais forte que os laços de sangue: são os laços do coração. Texto do Dr. Enio Rufollo (na foto), Cardiologista. |
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Samba do Avião
Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudades
Rio, seu mar
Praia sem fim
Rio, você foi feito pra mim
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro...
- Tom Jobim
Fonte: YouTube
domingo, 19 de janeiro de 2014
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
domingo, 12 de janeiro de 2014
Rolezinhos: O que estes jovens estão “roubando” da classe média brasileira - por Eliane Brum
- Publicado (originalmente) em Quarta, 25 Dezembro 2013
Os novos “vândalos” do Brasil
O
rolezinho, a novidade deste Natal, mostra que, quando a juventude pobre
e negra das periferias de São Paulo ocupa os shoppings anunciando que
quer fazer parte da festa do consumo, a resposta é a de sempre:
criminalização. Mas o que estes jovens estão, de fato, “roubando” da
classe média brasileira?

O
Natal de 2013 ficará marcado como aquele em que o Brasil tratou garotos
pobres, a maioria deles negros, como bandidos, por terem ousado se
divertir nos shoppings onde a classe média faz as compras de fim de ano.
Pelas redes sociais, centenas, às vezes milhares de jovens, combinavam o
que chamam de “rolezinho”, em shopping próximos de suas comunidades,
para “zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras” ou “tumultuar, pegar
geral, se divertir, sem roubos”. No sábado, 14, dezenas entraram no
Shopping Internacional de Guarulhos, cantando refrões de funk da
ostentação. Não roubaram, não destruíram, não portavam drogas, mas,
mesmo assim, 23 deles foram levados até a delegacia, sem que nada
justificasse a detenção. Neste domingo, 22, no Shopping Interlagos,
garotos foram revistados na chegada por um forte esquema policial:
segundo a imprensa, uma base móvel e quatro camburões para a revista,
outras quatro unidades da Polícia Militar, uma do GOE (Grupo de
Operações Especiais) e cinco carros de segurança particular para montar
guarda. Vários jovens foram “convidados” a se retirar do prédio, por
exibirem uma aparência de funkeiros, como dois irmãos que empurravam o
pai, amputado, numa cadeira de rodas. De novo, nenhum furto foi
registrado. No sábado, 21, a polícia, chamada pela administração do
Shopping Campo Limpo, não constatou nenhum “tumulto”, mas viaturas da
Força Tática e motos da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de
Motocicletas) permaneceram no estacionamento para inibir o rolezinho e
policiais entraram no shopping com armas de balas de borracha e bombas
de gás.
Se não há crime, por que a juventude pobre e negra das periferias da Grande São Paulo está sendo criminalizada?
Primeiro,
por causa do passo para dentro. Os shoppings foram construídos para
mantê-los do lado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e
entrar. E reivindicando algo transgressor para jovens negros e pobres,
no imaginário nacional: divertir-se fora dos limites do gueto. E desejar
objetos de consumo. Não geladeiras e TVs de tela plana, símbolos da
chamada classe C ou “nova classe média”, parcela da população que
ascendeu com a ampliação de renda no governo Lula, mas marcas de luxo,
as grandes grifes internacionais, aqueles que se pretendem exclusivas
para uma elite, em geral branca.
Antes, em 7 de dezembro, cerca de
6 mil jovens haviam ocupado o estacionamento do Shopping Metrô
Itaquera, e também foram reprimidos. Vários rolezinhos foram marcados
pelas redes sociais em diferentes shoppings da região metropolitana de
São Paulo até o final de janeiro, mas, com medo da repressão, muitos têm
sido cancelados. Seus organizadores, jovens que trabalham em serviços
como o de office-boy e ajudante geral, temem perder o emprego ao serem
detidos pela polícia por estarem onde supostamente não deveriam estar –
numa lei não escrita, mas sempre cumprida no Brasil. Seguranças dos
shoppings foram orientados a monitorar qualquer jovem “suspeito” que
esteja diante de uma vitrine, mesmo que sozinho, desejando óculos da
Oakley ou tênis Mizuno, dois dos ícones dos funkeiros da ostentação. Às
vésperas do Natal, o Brasil mostra a face deformada do seu racismo. E
precisa encará-la, porque racismo, sim, é crime.
“Eita porra, que
cheiro de maconha” foi o refrão cantado pelos jovens ao entrarem no
Shopping Internacional de Guarulhos. O funk é de MC Daleste, que afirma
no nome artístico a região onde nasceu e se criou, a zona leste, a mais
pobre de São Paulo, aquela que todo o verão naufraga com as chuvas, por
obras que os sucessivos governos sempre adiam, esmagando sonhos,
soterrando casas, matando adultos e crianças. Daleste morreu assassinado
em julho com um tiro no peito durante um show em Campinas – e
assassinato é a primeira causa de morte dos jovens negros e pobres no
Brasil, como os que ocuparam o Shopping Internacional de Guarulhos.
A
polícia reprimiu, os lojistas fecharam as lojas, a clientela correu.
Uma das frequentadores do shopping disse a frase-símbolo à repórter
Laura Capriglione, na Folha de S. Paulo: “Tem de proibir este tipo de
maloqueiro de entrar num lugar como este”. Nos dias que se seguiram, em
diferentes sites de imprensa, leitores assim definiram os “rolezeiros”
(veja entrevista abaixo): “maloqueiros”, “bandidos”, “prostitutas” e
“negros”. Negros emerge aqui como palavra de ofensa.
As novelas já vendiam uma vida de luxo há muito tempo, só que nelas os ricos eram os que pertenciam ao mundo de riqueza. Nos videoclipes de funk ostentação, são os pobres que aparecem neste mundo.”
O
funk da ostentação, surgido na Baixada Santista e Região Metropolitana
de São Paulo nos últimos anos, evoca o consumo, o luxo, o dinheiro e o
prazer que tudo isso dá. Em seus clipes, os MCs aparecem com correntes e
anéis de ouro, vestidos com roupas de grife, em carros caros, cercado
por mulheres com muita bunda e pouca roupa. (Para conhecer o funk da ostentação, assista ao documentárioaqui).
Diferentemente do núcleo duro do hip hop paulista dos ano 80 e 90, que
negava o sistema, e também do movimento de literatura periférica e
marginal que, no início dos anos 2000, defendia que, se é para consumir,
que se compre as marcas produzidas pela periferia, para a periferia, o
funk da ostentação coloca os jovens, ainda que para a maioria só pelo
imaginário, em cenários até então reservados para a juventude branca das
classes média e alta. Esta, talvez, seja a sua transgressão. Em seus
clipes, os MCs têm vida de rico, com todos os signos dos ricos. Graças
ao sucesso de seu funk nas comunidades, muitos MCs enriqueceram de fato e
tiveram acesso ao mundo que celebravam.
Esta exaltação do luxo e
do consumo, interpretada como adesão ao sistema, tornou o funk da
ostentação desconfortável para uma parcela dos intelectuais brasileiros e
mesmo para parte das lideranças culturais das periferias de São Paulo.
Agora, os rolezinhos – e a repressão que se seguiu a eles – deram a esta
vertente do funk uma marca de insurgência, celebrada nos últimos dias
por vozes da esquerda. Ao ocupar os shoppings, a juventude pobre e negra
das periferias não estava apenas se apropriando dos valores simbólicos,
como já fazia pelas letras do funk da ostentação, mas também dos
espaços físicos, o que marca uma diferença. E, para alguns setores da
sociedade, adiciona um conteúdo perigoso àquele que já foi chamado de
“funk do bem”.
A resposta violenta da administração dos shoppings,
das autoridades públicas, da clientela e de parte da mídia demonstra
que esses atores decodificaram a entrada da juventude das periferias nos
shoppings como uma violência. Mas a violência era justamente o fato de
não estarem lá para roubar, o único lugar em que se acostumaram a
enxergar jovens negros e pobres. Então, como encaixá-los, em que lugar
colocá-los? Preferiram concluir que havia a intenção de furtar e
destruir, o que era mais fácil de aceitar do que admitir que apenas
queriam se divertir nos mesmos lugares da classe média, desejando os
mesmo objetos de consumo que ela. Levaram uma parte dos rolezeiros para a
delegacia. Ainda que tivessem de soltá-los logo depois, porque nada de
fato havia para mantê-los ali, o ato já estigmatizou-os e assinalará
suas vidas, como historicamente se fez com os negros e pobres no Brasil.
Jefferson
Luís, 20 anos, organizador do rolezinho do Shopping Internacional de
Guarulhos, foi detido, é alvo de inquérito policial, sua mãe chorou e
ele acabou cancelando outro rolezinho já marcado por medo de ser ainda
mais massacrado. Ajudante geral de uma empresa, economizou um mês de
salário para comprar a corrente dourada que ostenta no pescoço.
Jefferson disse ao jornal O Globo: “Não seria um protesto, seria uma
resposta à opressão. Não dá para ficar em casa trancado”.
Por esta
subversão, ele não será perdoado. Os jovens negros e pobres das
periferias de São Paulo, em vez de se contentarem em trabalhar na
construção civil e em serviços subalternos das empresas de segunda a
sexta, e ficar trancados em casas sem saneamento no fim de semana,
querem também se divertir. Zoar, como dizem. A classe média até aceita
que queiram pão, que queiram geladeira, sente-se mais incomodada quando
lotam os aeroportos, mas se divertir – e nos shoppings? Mais uma frase
de Jefferson Luiz: “Se eu tivesse um quarto só pra mim hoje já seria uma
ostentação”. Ele divide um cômodo na periferia de Guarulhos com oito
pessoas.
Neste Natal, os funkeiros da ostentação parecem ter
virado os novos “vândalos”, como são chamados todos os manifestantes
que, nos protestos, não se comportam dentro da etiqueta estabelecida
pelas autoridades instituídas e por parte da mídia. Nas primeiras
notícias da imprensa, o rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos
foi tachado de “arrastão”. Mas não havia arrastão nenhum. O antropólogo
Alexandre Barbosa Pereira faz uma provocação precisa: “Se fosse um
grupo numeroso de jovens brancos de classe média, como aconteceu várias
vezes, seria interpretado como um flash mob?”.
A ideia da imaginação como uma força criativa apresenta-se fortemente no funk ostentação.”
Por
que os administradores dos shoppings, polícia, parte da mídia e
clientela só conseguem enquadrar um grupo de jovens negros e pobres
dentro de um shopping como “arrastão”? Há várias respostas possíveis.
Pereira propõe uma bastante aguda: “Será que a classe média entende que
os jovens estão ‘roubando’ o direito exclusivo de eles consumirem?”.
Seria este o “roubo” imperdoável, que colocou as forças de repressão na
porta dos shoppings, para impedir a entrada de garotos desarmados que
queriam zoar, dar uns beijos e cobiçar seus objetos de desejo nas
vitrines?
Para nos ajudar a pensar sobre os significados do
rolezinho e do funk da ostentação, entrevisto Alexandre Barbosa Pereira
nesta coluna. Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
ele dedica-se a pesquisar as manifestações culturais das periferias
paulistas. Em seu mestrado, percorreu o mundo da pichação. No doutorado,
mergulhou nas escolas públicas para compreender o que é “zoar”. Desde
2012, pesquisa o funk da ostentação. Mesmo que os rolezinhos, pela força
da repressão, se encerrem neste Natal, há muito que precisamos
compreender sobre o que dizem seus protagonistas – e sobre o que a
reação violenta contra eles diz da sociedade brasileira
- O rolezinho aparece ligado ao funk da ostentação. Em que medida há, de fato, essa ligação?
Alexandre
Barbosa Pereira – O funk ostentação é uma releitura paulista do funk
carioca, feita a partir da Baixada Santista e da Região Metropolitana de
São Paulo, na qual as letras passam a ter a seguinte temática:
dinheiro, grifes, carros, bebidas e mulheres. Não se fala mais
diretamente de crime, drogas ou sexo. Os funkeiros dessa vertente
começaram a produzir videoclipes inspirados na estética dos videocliples
do gangsta rap estadunidense. Mas o mais curioso desse movimento é a
virada que os jovens fazem ao mudar a pauta que, até então, era
principalmente a criminalidade para o consumo. As músicas deixam de
falar de crime para falar de produtos que eles querem consumir. Assim,
ao invés de cantarem: “Rouba moto, rouba carro, bandido não anda à pé”
(Bonde Sinistro), os funkeiros da vertente ostentação cantam: “Vida é
ter um Hyundai e um hornet, dez mil para gastar, rolex, juliet. Melhores
kits, vários investimentos. Ah como é bom ser o top do momento” (MC
Danado). Deste modo, os MCs começaram a ter mais espaços para cantar em
casas noturnas e passaram a produzir videoclipes cada vez mais
elaborados, com mais de 20 milhões de acessos no YouTube, o que levou a
um sucesso às margens da mídia tradicional. Alguns MCs chegaram a
alcançar grande repercussão entre um segmento do público jovem, sem
nunca ter aparecido na televisão. Vi meninas chorando por MCs em bailes,
mesmo antes de o funk ostentação alcançar o destaque que conseguiu na
grande mídia. Surgiram empresas especializadas na produção de clipes no
estilo ostentação, como a Kondzilla e a Funk TV, claramente inspirados
no gangsta rap, em que os jovens aparecem em carrões e motos,
exibindo-se com roupas, dinheiro e mulheres. Uma reflexão interessante a
se fazer é como a mídia tradicional, que antes execrava o chamado funk
proibidão, que falava de crime, drogas e sexo abertamente, agora começa a
elogiar o funk ostentação, denominando-o até como “funk do bem” e
ressaltando a trajetória econômica e social ascendente dos MCs.
Pergunta. Fazendo
um parêntese aqui, antes de chegar ao rolezinho, qual é o caminho para
um jovem pobre ter acesso ao consumo de luxo, segundo o olhar do funk da
ostentação? Esta virada que você mencionou...
Resposta. Primeiro
que esse bem de luxo não é tão de luxo assim, afinal uma garrafa de
uísque a 60 ou 80 Reais não é nenhum absurdo. É sempre possível comprar
uma réplica daqueles óculos escuros que custam mais de mil reais. Nas
casas noturnas de funk que observei, este era o preço. Pensemos num
grupo de pelo menos quatro amigos dividindo o valor da compra. Não sai
tão caro brincar de ostentar. Agora, tem os carros. Estes sim estão fora
do alcance da maioria desses jovens. Mas aí há uma explicação
interessante, que Montanha, um produtor e diretor de videoclipes da Funk
TV, em Cidade Tiradentes, sabiamente me deu. Ele me disse que as
novelas já vendiam uma vida de luxo há muito tempo, só que nelas os
ricos eram os que pertenciam ao mundo de luxo. Nos videoclipes de funk
ostentação, são os pobres que aparecem como um mundo de “riqueza” ou de
“luxo”, com carros, mansões, roupas de marcas mais caras. Os jovens
agora poderiam, segundo afirmou Montanha, ver-se como parte de um mundo
de prestígio, daí a grande identificação. O crime pode ser um caminho
para acessar esse mundo de luxo ou o que esses jovens entendem por um
mundo de luxo, mas não é único. Esta é a lição que muitos MCs de funk
têm tentando passar em suas falas na grande mídia. Eles de certa forma
mostram um outro caminho, que, aliás, sempre esteve presente para esses
jovens da periferia: tornar-se famoso pela música ou pelo futebol.
Aliás, esses são caminhos que aparecem como os mais possíveis para os
jovens negros e pobres das periferias do país imaginarem um futuro de
sucesso. Num mundo em que há uma forte divisão entre trabalho
intelectual e manual, com a extrema valorização do primeiro, o uso do
corpo em formas lúdicas como meio de ganhar dinheiro mostra-se como
opção para uma transformação da vida. “Crime, futebol, música, caralho,
eu também não consegui fugir disso aí”, esse é o Negro Drama cantado
pelos Racionais MC’s. Os MCs de funk ostentação estão tentando dizer que
é possível construir uma vida de sucesso pela música. E o que era
ficção, os videoclipes com carros importados emprestados ou alugados,
com dinheiro cenográfico jogado para o ar, começa a tornar-se realidade.
Muitos deles começam a ganhar uma quantidade razoável de dinheiro com
os shows. Acho que a ideia da imaginação como uma força criativa
apresenta-se fortemente no funk ostentação.
Será que a classe média entende que os jovens estão ‘roubando’ o direito exclusivo de eles consumirem? Direito que, por sua vez, vinha sendo roubado desses jovens pobres há muito tempo.”
Por
outro lado, é preciso destacar que masculinidades pautadas pelo desejo
de possuir um automóvel ou uma motocicleta não foram construídas pelo
funk ostentação. Já existia há um tempo. Para os meninos da periferia,
possuir um bom carro, bonito e potente, é uma das metas principais de
vida. A posse do carro é, no imaginário desses jovens, mas também da
população em geral, um indicativo de sucesso econômico e social,
garantindo, consequentemente, sucesso com as mulheres.
Neste caldo
cultural, o consumo é cada vez mais exaltado como espaço de afirmação e
de reconhecimento para os jovens. É, inclusive, bastante complexa a
forma como se dá a relação entre criminalidade e consumo no funk. Na
virada que produziram, parece que há o recado de que essas duas ações
sociais podem constituir dois lados de uma mesma moeda. Eles não deixam
de falar do crime. Acabam citando-o indiretamente, como nas músicas do
MC Rodofilho, nas quais ele celebra: “Ai meu deus, como é bom ser vida
loka!”. O importante é entender como o crime e o consumo são pautas
constantes nas relações de sociabilidade dos jovens da periferia. Os
mais pobres também querem que ipads, iphones e automóveis potentes façam
parte de seu mundo social. Ainda preciso observar e refletir mais sobre
isso, mas acho que tanto no caso do crime, como no do consumo temos que
atentar mais para o modo como se dão as relações entre pessoas e
coisas. Fico pensando que a busca de realização apenas pelo consumo
envolve sentimentos e posturas extremas de um egoísmo hedonista e de um
profundo desprezo pelos outros humanos. As mercadorias, ou as coisas
almejadas, de certa forma têm conformado as subjetividades
contemporâneas. E nessas novas subjetividades, pautadas pelo instantâneo
e o instável, parece não haver muito espaço para a solidariedade. Há
uma nova tendência na discussão antropológica afirmando que não podemos
entender as coisas apenas como representação ou resultado do social.
Precisamos pensar também em como as coisas fazem as pessoas e mesmo o
social, como as coisas, ou as mercadorias mais desejadas hoje, motivam
tanto um consumismo desenfreado, irracional e egoísta, quanto o ingresso
de jovens na criminalidade. Sempre fico espantado quando vejo as
imagens, em outros países, das pessoas correndo desesperadas para
comprar um novo lançamento de smartphone, videogame ou tablet... Mas não
só isso, tais coisas também motivam e determinam formas de estar,
pensar, relacionar-se e sentir no mundo contemporâneo.
Penso muito
nisso quando parte da classe média critica o consumo desses jovens,
dizendo que apenas eles – da classe média que, supostamente, pagaria os
impostos – têm direito a consumir, ou se relacionar com certos produtos.
Será que, desse modo, a classe média entende que os jovens estão
roubando o direito exclusivo de eles consumirem ou de se relacionarem
com esses objetos de prestígio? Direito que, por sua vez, vinha sendo
roubado desses jovens pobres há muito tempo?
Essa crítica pode vir
inclusive de certa classe média mais intelectualizada e mesmo com
ideias políticas progressistas, mas que acha que sabe o que é melhor
para os pobres. Aí fazem a crítica, a partir dos seus ipads e iphones,
ao que entendem como um consumo irracional dos mais pobres, que deveriam
poupar ao invés de gastar com produtos que não seriam para o nível
econômico deles. Enfim, tem aí um jogo de perde e ganha e também de
busca de satisfações individuais que envolve o roubo do direito de
alguns ao consumo, que é preciso aprofundar para entendermos melhor
essas dinâmicas contemporâneas. Todos têm o direito a consumir o que
quiserem hoje? E seria viável, hoje, todos consumirem em um alto padrão?
Que implicações ambientais teríamos? E se não é sustentável ou viável
que todos consumam em tamanha intensidade, por que incentivamos tal
consumismo? Com isso, o que quero dizer é que não se pode pensar a
relação entre crime e consumo apenas entre os pobres, mas creio que
precisamos também olhar para as classes médias e altas e para os crimes
que, historicamente, têm sido cometidos contra os mais pobres e o meio
ambiente para proteger o consumo dos ricos.
P. É neste ponto que os rolezinhos aparecem e criam uma tensão das mais reveladoras neste Natal?
R. Os
rolezinhos nos shoppings estão ligados diretamente a esse contexto. Não
sei dizer como surgiram efetivamente, mas me parece que despontaram por
essas novas associações que as redes sociais permitem fazer, de forma
que uma brincadeira possa virar algo sério. De repente, uma convocatória
feita na internet pode levar centenas de jovens a se encontrarem num
shopping, local onde podem ter acesso a esses bens cantados nas músicas,
ainda que apenas por acesso visual. Agora, o que é importante ressaltar
é que não foram os rolezinhos nem o funk ostentação que criaram essa
relação de fascinação com consumo. Esta já existia há muito tempo. Os
Racionais, há mais de dez anos, já cantavam sobre isso, com afirmações
como: “Você disse que era bom e a favela ouviu, lá também tem uísque,
red bull, tênis nike e fuzil” ou “Fartura alegra o sofredor”
É importante perceber que os shoppings onde os rolezinhos ocorreram estão em regiões mais periféricas. Eles não têm ido aos templos maiores do consumo de luxo na cidade.”
P. Algumas
análises relacionam os rolezinhos a uma ação afirmativa da juventude
negra e pobre, a uma denúncia da opressão e a uma reivindicação de
participação, neste caso no mundo do consumo. Como você analisaria este
fenômeno tão novo?
R. Não me arriscaria a dizer que há um
movimento político muito claro. Pode indiretamente constituir-se como
uma ação afirmativa da juventude negra e pobre. Talvez a tensão que se
criou com a criminalização desses jovens, durante os rolezinhos, possa
levar a algum tipo de reflexão e ação política maior, mas é difícil
prever. Em um livro intitulado Cidadania Insurgente, (o
antropólogo americano) James Holston analisa o surgimento das periferias
urbanas no Brasil, particularmente em São Paulo, apontando a
discriminação contra certas espécies de cidadãos no Brasil. Esse autor
mostra como, historicamente, as formulações de cidadania elaboradas
pelos mais pobres se deram a partir de sua ocupação dos bairros nas
periferias das grandes cidades. Noções e práticas próprias de cidadania
que se produziram, ao mesmo tempo, por meio das experiências de
tornar-se proprietário, de participar de movimentos sociais por
melhorias dos bairros e de ingressar no mercado consumidor. Primeiro se
ocupou os bairros, mesmo sem estrutura mínima. Depois, ocorreram as
reivindicações pela legalização dos terrenos ocupados. E, enfim, vieram
as lutas pela chegada da energia elétrica, saneamento básico e asfalto.
Acho sempre muito interessante, em conversas com lideranças antigas dos
bairros periféricos de São Paulo, observar que elas indicam a chegada do
asfalto como o grande marco de transformação do bairro e a integração
deste ao espaço urbano.
Encaro, portanto, ações como estas, dos
rolezinhos, do ponto de vista dessa “cidadania insurgente”, referindo-se
a associações de cidadãos que reivindicam um espaço para si e, assim,
se contrapõem ao grande discurso hegemônico ou, se não se dissociam do
discurso hegemônico, ao menos provocam ruídos nele. Trata-se de uma
reivindicação por cidadania, participação política e direitos que,
historicamente, foi feita na marra, pelos mais pobres, muitas vezes nas
costuras entre o legal e o ilegal, e que começou com a própria ocupação
dos bairros na periferia da cidade de São Paulo, como forma de habitar e
sobreviver no mundo urbano. Essa cidadania não necessariamente se
apresenta como resistência, mas pode também querer, em muitos casos,
associar-se ao hegemônico, produzindo dissonâncias.
O que são o
funk ostentação e os rolezinhos se não essa reivindicação dos jovens
mais pobres por maior participação na vida social mais ampla pelo
consumo? Estas ações culturais parecem situar-se nessa lógica, que não
necessariamente se contrapõe ao hegemônico, na medida em que tenta se
afirmar pelo consumo, mas provoca um desconforto, um ruído extremamente
irritante para aqueles que se pautam por um discurso e uma prática de
segregação dos que consideram como seus “outros”.
P. Como definir este desconforto? O que são os “outros” neste contexto? E que papel estes “outros” desempenham?
R. O
desconforto em ver pobres ocupando um lugar em que não deveriam estar,
como o de consumidores de certos produtos que deveriam ser mais
exclusivos. É um tipo de espanto, que indaga: “Como eles, que não têm
dinheiro, querem consumir produtos que não são para a posição social e
econômica deles?”. Estes “outros” são os considerados “subalternos”.
Podem ser funkeiros, pobres e pardos da periferia, mas podem ser também
as empregadas domésticas, os motoboys, os pichadores, entre outros
“outros”, que muitas vezes são utilizados como bode expiatório das
frustrações de uma parcela considerável da classe média.
Há uma tendência de perceber os jovens pobres a partir de três perspectivas: a do bandido, a da vítima e a do herói.”
Os
rolezinhos não são protestos contra o shopping ou o consumo, mas
afirmações de: “Queremos estar no mundo do consumo, nos templos do
consumo”. Entretanto, por serem jovens pobres de bairros periféricos,
negros e pardos em sua maioria, e que ouvem um gênero musical
considerado marginal, eles passam a ser vistos e classificados pela
maioria dos segmentos da sociedade como bandidos ou marginais. Vamos
pensar que, na própria concepção do shopping, não está prevista a
presença desse público, ainda mais em grupo e fazendo barulho.
Pergunto-me se fosse em um shopping mais nobre, com jovens brancos de
classe média alta, vestidos como se espera que um jovem deste estrato
social se vista, se a repercussão seria a mesma, se a criminalização
seria a mesma. Talvez fosse considerado apenas um flash mob. Há
uma tendência, por parcela considerável da classe média, da mídia e do
poder público de perceber os jovens pobres a partir de três
perspectivas, quase sempre exclusivistas: a do bandido, a da vítima e a
do herói.
P. Como funcionam estas três perspectivas – bandido, vítima e herói?
R. São
muito mais formas de enquadrar esses jovens por aqueles que querem
tutelá-los do que categorias assumidas pelos próprios jovens. Por isso,
são contextuais. Dependendo da situação e dos atores sociais com quem
dialogam, o jovem pode ser entendido a partir de uma dessas categorias. O
pichador, por exemplo, é um agente que pode mobilizar todas essas
classificações, dependendo do contexto e dos interlocutores: a polícia, a
secretaria de cultura, os pesquisadores acadêmicos ou a ONG que quer
salvar os jovens da periferia da violência. No caso do funk, por
exemplo, já há comentários e mesmo textos de pessoas mais politizadas
vendo os rolezinhos como uma ação afirmativa ou extremamente
contestatória. Para estes, os protagonistas dos rolezinhos são vítimas
que se tornaram heróis. Outros, como a polícia, a administração dos
shoppings e a clientela, mas também seus vizinhos, que moram lá nos
bairros pobres da periferia, enxergam neles principalmente vilões e
mesmo bandidos.
Jovens como estes que estão nos rolezinhos não
necessariamente aceitam se encaixar nesses rótulos, mas, em alguns
casos, podem também se encaixar em todos eles ao mesmo tempo. Não se
pode simplificar um fenômeno como este. Porém, se pensarmos esse
movimento que surge principalmente com o hip hop, de valorizar a
periferia como espaço político e de afirmação positiva, é possível ver,
sim, ainda que em menor intensidade, uma certa ação política. De dizer:
“Somos da quebrada e temos orgulho disso”. Um movimento de reversão do
estigma em marca positiva.
P. Mas há, de fato, uma ação
consciente, organizada, com um sentido político prévio? Ou o sentido
está sendo construído a partir dos acontecimentos, o que é igualmente
legítimo?
R. Olha, sinceramente, é difícil dizer se há um sentido
político, direto, consciente e/ou explícito. Talvez por parte de alguns,
mas pelo que vi nas redes sociais, não da maioria. Se o movimento
persistir ou tomar outras formas, pode ser que tal sentido político
fique mais forte. Por enquanto é difícil analisar esse ponto. O
antropólogo (indiano) Arjun Appadurai analisa há algum tempo as mudanças
que se processam no mundo por causa do avanço das tecnologias de
comunicação e de transporte. Segundo este autor, as pessoas cada vez
mais se deslocam no mundo atual, e não apenas fisicamente, mas também e
talvez principalmente pela imaginação, por causa de meios de comunicação
como a televisão e, mais recentemente, pela internet. Hoje é possível
imaginar-se nos mais diferentes lugares do mundo, mas também em
diferentes classes sociais. O que são os videoclipes de funk da
ostentação que não imagens/imaginações que os jovens produzem sobre o
que seria pertencer a outra classe social ou possuir melhores condições
econômicas para o consumo?
O que são os videoclipes de funk ostentação que não imagens que os jovens produzem sobre o que seria pertencer a outra classe social?”
Essa
imaginação, segundo esse autor, pode constituir-se como um projeto
político compartilhado, mas pode também ser apenas uma fantasia, como
algo individualista e egoísta, sem grandes potenciais políticos.
Parece-me que o funk da ostentação em São Paulo e movimentos como o dos
rolezinhos nos shoppings têm intensamente essas duas potências. Difícil
saber se alguma delas irá prevalecer ou tornar-se hegemônica.
P. A
escolha da música do MC Daleste, assassinado num show em Campinas, para
o rolezinho promovido no Shopping Internacional de Guarulhos, pode ter
um significado a mais?
R. A escolha da música do MC Daleste na
entrada dos jovens no shopping de Guarulhos me pareceu bastante
significativa, por vários motivos. Principalmente, porque a morte dele
no palco, cantando funk, de certa forma construiu um marco para esse
funk da ostentação. O seu assassinato acabou por dar ainda mais
visibilidade a esta vertente do funk paulista. MC Daleste cantava
proibidão antes e, assim, essa relação confusa entre crime e consumo
manifesta-se de modo bastante forte no que o MC Daleste representa. Há
no seu próprio nome artístico essa afirmação de um certo orgulho do
lugar de onde vem e de ser da periferia, que tanto o funk quanto o hip
hop expressam. Não é por acaso que ele é “Da Leste”. Lembremos que
Guarulhos também está à leste da Região Metropolitana de São Paulo.
P. Hoje,
uma parte significativa da geração que se criou nas periferias com
movimentos contestatórios como o hip hop e a literatura periférica ou
marginal tem, pelo funk da ostentação, assumido os valores de consumo
das classes médias e alta. Como você analisa este fenômeno e o insere no
contexto histórico atual do Brasil?
R. O que um evento como esse
parece evidenciar é, por um lado, esse anseio por consumir e por
afirmar-se pelo consumo que esses jovens vêm demonstrando já há algum
tempo, pelas letras dos funks, mas que também já é visto no hip hop.
Apesar das críticas de certos segmentos do hip hop, não sei se o funk
ostentação rompe com o hip hop mais politizado dos anos 1980 e 1990 ou
se oferece uma das muitas possíveis continuidades a esse movimento
cultural. Parece-me que o funk ostentação é uma releitura paulista,
muito influenciada pelo hip hop, do funk carioca. Muitos MCs de funk
eram MCs de hip hop, muitos deles, além dos funks, cantam também raps, e
músicas dos Racionais são ouvidas nos shows. Trechos de letras de
músicas dos Racionais podem ser encontrados facilmente nas letras do
funk. Agora, o fato é que o funk não é tão marcado pela questão política
como o hip hop. O Montanha, de Cidade Tiradentes, disse-me algo
interessante, certa vez, de que, na verdade, o hip hop ofereceria um
espaço de expressão política que faltava aos jovens, já o funk é um
espaço de lazer e de sociabilidade. Parece-me uma reflexão interessante.
Não que o hip hop não possa conter lazer e sociabilidade também, nem o
funk, protesto político, mas que as duas vertentes tendem para um dos
polos. O funk, aliás, ganhou esse grande espaço junto aos jovens das
periferias de São Paulo porque, nessa articulação de um espaço de lazer,
configurou-se um espaço para as mulheres que, no hip hop, era mais
difícil. As mulheres são presença fundamental nos bailes funks. O
protagonismo da dança sempre foi delas. Ainda que os meninos também
dancem e as meninas participem cada vez mais como MCs. O hip hop sempre
foi muito mais masculino, da dança ao estilo de se vestir.
P. Mas
qual é a diferença, na sua opinião, entre a forma como, por exemplo, os
Racionais falam em consumo e os MCs da ostentação falam de consumo?
Devemos questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas na contemporaneidade que se pautam cada vez mais pela busca do reconhecimento pelo consumo, pela posse de bens.”
R. Há
aí duas perspectivas. Quando digo que os Racionais já cantavam isso,
quero dizer que eles já identificavam essa necessidade de consumir da
juventude. E de consumir o que eles achavam que era bom, nada de consumo
consciente. Por isso digo que os Racionais já faziam, há mais de dez
anos, uma leitura desse anseio por consumir dos jovens pobres. Por outro
lado, há essa dimensão de movimentos como o dos escritores da
periferia, promovendo produtos da periferia, pela periferia. O funk
ostentação começa sem se preocupar com essa questão diretamente. Ele não
tem dor na consciência por cantar o consumo em suas músicas e aderir ao
sistema, por exemplo. Porém, indiretamente, se acaba chegando a um
outro ponto, na medida em que uma parcela considerável de jovens da
periferia passa a possuir algum tipo de renda com a produção do funk.
Sejam os meninos que gravam os videoclipes, os próprios MCs, mas também
empresários, produtores, técnicos e mesmo alguns MCs tornando-se
empreendedores e criando seus próprios negócios. Como o MC Nego Blue,
que observando de perto o sucesso das roupas de grife entre os jovens,
criou a Black Blue, uma loja de roupas cujo símbolo é uma carpa
colorida. Hoje, além de possuir lojas próprias, já vende suas roupas em
lojas multimarcas, ao lado de camisas da Lacoste ou de outras marcas
famosas que os meninos procuram, e por um preço muito parecido. Uma das
empresas que agencia shows de funk em Cidade Tiradentes chama-se
justamente “Nóis por nóis”.
Os rolezinhos parecem dizer: não
apenas queremos consumir, mas queremos ocupar em massa e se divertir aí
nos seus shoppings, nos seus ou nos nossos. É importante perceber também
que os shoppings onde os eventos ocorreram estão em regiões mais
periféricas, provavelmente próximos ao próprio bairro de moradia dos
jovens. Por enquanto, eles não têm ido aos templos maiores do consumo de
luxo na cidade, na região dos Jardins, Faria Lima, Marginal Pinheiros
etc. Pode haver aí também um componente de um termo que surgiu muito
forte para mim na pesquisa que fiz em escolas de ensino médio, no meu
doutorado, que é a ideia do “zoar”. Eles querem zoar, que é chamar a
atenção para si e se divertir, namorar, brincar e, se for preciso,
brigar.
P. Por que, neste momento, o lazer se impõe como uma
reivindicação desta geração, acima de questões como saúde, educação e
transporte de qualidade?
R. Acho que não há uma reivindicação
política bem formuladinha como acontecia com o hip hop: queremos mais
saúde, educação e lazer. Eles simplesmente querem estar nos shoppings
para zoar e vão. Não há essa reflexão mais elaborada que o hip hop
produz, é mais espontâneo. Esse talvez possa ser um ponto de distinção. E
o próprio funk é, por si só, lazer e diversão, um dispositivo
poderosíssimo para dançar e motivar paqueras. O zoar pode ser lido como
um ato político, mas não me parece intencional. Acho que cria uma tensão
que é política, que é de disputa de poder pelos espaços da cidade, mas
não há um manifesto pela zoeira ou pelos rolezinhos, como houve, por
exemplo, no caso do manifesto da arte periférica dos escritores.
P. Há
também um movimento maior para sair dos guetos e ocupar os guetos da
classe média? Em massa e não mais individualmente, como quando um grupo
de rap aparecia numa TV, mesmo sendo a MTV, ou um escritor do movimento
literário marginal ou periférico publicava numa grande editora? Esta é
uma novidade importante?
R. Acho que abre, sim, para fora do
gueto, do bairro onde se vive, mas não para muito longe, pois, afinal,
os shoppings para os quais eles vão estão do lado de suas casas. Neste
sentido, acho que o hip hop, apesar de falar mais do gueto, abre-se
muito mais para fora do gueto, na medida em que conquista um espaço
importante nas políticas públicas de cultura, por exemplo.
É como se a sociedade dissesse: ‘Vocês, pobres, podem consumir, mas ir ao shopping em grandes grupos, só para zoar e cantar funk, aí já é vandalismo’.”
Claro que esse espaço de lazer é problemático
e conflitivo mesmo dentro dos bairros das periferias onde moram esses
jovens. Se entrevistarmos os seus vizinhos, certamente a maioria vai se
posicionar totalmente favorável à proibição das festas de rua que eles
organizam, com som alto que muitas vezes toma a madrugada toda. Por
isso, acho importante não tomar o funk nem como um movimento libertador,
nem como o grande vilão ou o grande movimento de corrupção da juventude
contemporânea, como setores mais moralistas, à esquerda e à direita,
tendem a fazer.
A questão do consumo também me parece
problemática. O desejo pelo consumo sempre existiu. Bem antes do governo
Lula, o processo de urbanização induz a esse apego maior ao consumo.
Porém, não dá para se negar que houve, nos últimos anos, também uma
melhora econômica para segmentos que antes estavam bastante afastados do
mercado. Porém, acho que reduzir o sucesso do funk da ostentação a isso
é simplificar demais o movimento e esquecer que ocorreram e ocorrem
movimentos juvenis parecidos em outras partes do mundo, como o próprio
gangsta rap, nos Estados Unidos, no qual os videoclipes se inspiram.
Devemos
questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas
na contemporaneidade. É preciso conceder aos jovens, e não apenas aos
pobres, mas aos de classe média e alta também, outros espaços de
reconhecimento e de estabelecimento de relações sociais que não sejam
pautados pela afirmação por meio da posse e do consumo de bens. Porque,
afinal, como dizem os Racionais, mais uma vez: “Quem não quer brilhar,
quem não? Mostra quem. Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”. De
repente, para alguns, ter um tênis caro, um smartphone de última geração
ou ir ao shopping para zoar, pode ser uma forma encontrada para tentar
brilhar.
P. Ao ocupar os shoppings, os adeptos do funk da
ostentação estariam promovendo sua primeira atitude de insurgência
contra o sistema, no sentido de: “Vou ocupar o espaço que me é negado ou
onde não me querem”. É isso? Ou as próprias letras das músicas,
interpretadas, em geral, como adesão ao sistema, já seriam, de fato, uma
insurgência, na medida que se apropriam, simbolicamente, dos valores da
elite e da classe média e, agora, com os rolezinhos, também de seus
espaços físicos?
R. Sim, acho que essa é a maior irritação da
classe média com esses movimentos. Basta ver os comentários aos
videoclipes no YouTube, irritados com os meninos ostentando e
exibindo-se com produtos mais caros, que não deveriam estar com aqueles
meninos, pobre e negros, em sua maioria. Esta é a principal insurgência
que eles provocam. A classe média, de uma maneira geral, a mais pobre ou
a mais rica, a mais ou menos intelectualizada, irrita-se bastante
quando os subalternos compram bens caros, mesmo antes deles. Já ouvi
comentários indignados, do tipo: “Minha empregada comprou uma televisão
de última geração, melhor do que a minha”. Isso tem antecedentes
históricos que parecem refletir até hoje. James Holston, ainda no livro
sobre cidadania insurgente, que citei anteriormente, traz como exemplo a
legislação colonial portuguesa, que proibia aos negros o uso de joias e
artigos considerados finos...
P. Parece que os “rolezeiros” dos
shoppings estão ocupando o mesmo lugar simbólico dos “vândalos” nas
manifestações, na narrativa feita por parte da grande mídia e pelas
autoridades instituídas. Como você interpreta essa reação?
Os comentários em sites e redes sociais revelam esse profundo racismo entranhado em parcela considerável da população brasileira.”
R. O
que me assustou de verdade nessa história toda foram as reações, de
mídia e de polícia, condenando e mandando prender, mesmo em casos em que
disseram que não houve arrastões, mas correrias. Fico questionando quem
provocou a correria: os jovens ou a ação dos seguranças e da polícia?
Eventos como estes revelam também uma faceta complicada e extremamente
preconceituosa da classe média brasileira. Dei uma entrevista curta para
o site de um grande grupo de comunicação e fiquei assustado ao ler os
comentários dos leitores, de um ódio terrível contras os meninos e
meninas que foram aos shoppings, contra os pobres, contra mim, que tive
uma fala dissonante na entrevista, ressaltando a forma preconceituosa
com que tal tema vinha sendo tratado. Ao falarem do evento, algumas
palavras utilizadas como categorias de acusação contra os jovens e as
jovens foram bastante reveladoras do preconceito, e mesmo do racismo,
deste segmento social: “favelados”, “maloqueiros”, “bandidos”,
“prostitutas” e “negros”. Nesse último caso, inclusive, fica evidente o
racismo que aparece em muitos comentários dessa notícia, mas também nas
comunidades dos rolezinhos que os jovens criaram nas redes sociais. Um
dos comentários pede para que os jovens voltem para a África. Isso é
muito grave. Revela esse profundo racismo entranhado em parcela
considerável da população. Como se tal sociedade dissesse, por meio dos
representantes dos shoppings, da mídia e da polícia, brincando um pouco
com a questão das manifestações de junho: “Vocês, pobres, podem
consumir, mas ir ao shopping em grandes grupos, só para zoar e cantar
funk, aí já é vandalismo”.
P. A classe média é racista?
R. O
que chamamos de classe média não é um todo homogêneo. É possível
segmentá-la em diferentes níveis e a partir de diferentes contextos, é
possível pensar em uma classe média intelectualizada ou não
intelectualizada. Contudo, parece-me que a divisão mais importante para
se pensar a classe média em São Paulo é a que se dá por critérios
socioeconômicos e espaciais. Há a classe média que está concentrada
principalmente no entorno do eixo central, que vai do Centro a
Pinheiros, passando pela Avenida Paulista e bairros próximos. Esta, em
sua maioria, vive numa bolha e tem poucos contatos com outras classes
sociais, com exceção dos trabalhadores subalternos: porteiros,
empregadas domésticas etc. Para esta, em grande medida, o Shopping
Itaquera pode estar mais distante do que Paris ou Londres.
Porém,
há também certa classe média baixa que vive na periferia. Citando
novamente o Holston, ele fala de uma diferenciação que se produziu nas
periferias de São Paulo entre aqueles que compraram seus terrenos, ainda
que por meio de contratos obscuros, e aqueles que ocuparam os espaços
da cidade, formando as favelas. Essa pequena diferença não cria um
grande abismo econômico, mas produz uma profunda diferenciação, por meio
do qual um grupo estigmatiza o outro. Já vi um indivíduo desta classe
média da periferia questionando programas como o bolsa família, porque
tinha visto potes vazios de iogurte no lixo da favela. Este indivíduo
afirmava que nem ele consumia iogurte com tanta frequência, como eles se
davam ao direito de consumir tal produto, que era um luxo, raro, mas
sobre o qual ele detinha certa exclusividade?
A questão do auxílio
aos mais pobres, principalmente o bolsa família, é um forte fator de
estigmatização por parte desses diferentes segmentos da classe média,
mas principalmente por parte dessa classe média da periferia. Estive,
recentemente, em uma escola pública próxima a uma grande favela de São
Paulo. Segundo os professores, um dos problemas daquela escola era o
fato de que 90% dos alunos vinham da favela vizinha. E que, hoje, esses
alunos estavam muito acomodados, pois viviam de bolsas e na favela
tinham tudo muito fácil, com a grande quantidade de projetos presentes
por lá. Inclusive, projetos de música, ressaltou um professor. É muito
importante refletir sobre isso, porque esses professores, se não moram
na favela, são vizinhos dela. Mas, ainda assim, permitem-se
diferenciar-se dos jovens por questões muito pequenas. E são estes
professores os responsáveis por formar esses jovens. Será que, com este
olhar, são capazes de lutar para que a escola se torne um espaço de
convivência, afirmação e reconhecimento para os jovens?
P. Como você, que tem acompanhado o cotidiano de escolas públicas, em São Paulo, percebe a educação?
Para uma parcela da classe média de São Paulo, o Shopping Itaquera pode estar mais distante do que Paris ou Londres.”
R. É
necessário pensarmos em uma educação para as diferenças, para que não
caiamos mais na armadilha da intolerância e das análises apressadas e
preconceituosas de setores das elites e das camadas médias, ao se
referirem aos “subalternos”. Lembro-me de um documentário português, que
vale a pena ser assistido, sobre a história de um arrastão que não
existiu. Chama-se: “Era uma vez um arrastão” (assista aqui).
Nele, conta-se do dia em que jovens caboverdianos ou descendentes de
caboverdianos resolveram frequentar a nobre praia de Carcavelos, em
Portugal. A polícia, ao ver a concentração de jovens de origem africana,
assustou-se e resolveu intervir, provocando uma grande correria, que
foi noticiada como arrastão. Mas, de fato, os jovens fugiam da repressão
policial gratuita. Isso talvez nos ensine algo sobre os arrastões que
estamos a criar todo dia, criminalizando jovens pobres cotidianamente.
Quando
estive pesquisando em escolas públicas da periferia de São Paulo, era
comum ouvir dos professores que, naquela escola, os alunos eram todos
bandidos ou marginais. O discurso da criminalização é efetivo e poderoso
e condena muita gente ao fracasso escolar e mesmo ao crime. O sociólogo
polonês Zygmunt Bauman, num livro sobre educação e juventude, ressalta a
necessidade cada vez mais premente, na contemporaneidade, de
desenvolvermos a arte de conviver com os estranhos e a diferença. Em
especial num mundo no qual as migrações tendem a aumentar cada vez mais.
No nosso caso, não foi preciso a chegada de estrangeiros para a
expressão das mais brutais formas de preconceito, pois os estrangeiros
éramos nós, os brasileiros. Mas brasileiros que moram muito, muito
distante, ainda que vizinhos. Moram em Guaianazes, Capão Redondo,
Grajaú, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Vila Brasilândia...
P. Em que medida, na sua opinião, os rolezinhos se ligam às manifestações de junho?
R. Acho
que não há uma ligação direta. Mas, indiretamente, é possível perceber a
reivindicação comum do uso do espaço público e de quebra das marcas da
segregação. Lembro-me que, antes das manifestações de junho, para a
imprensa conservadora era um tabu ocupar a Avenida Paulista. Os
movimentos sociais mostraram que não apenas não era um tabu, como era um
direito, o direito de ir às ruas e ocupá-las para protestar. Os
rolezinhos não parecem ter uma pauta tão clara, mas também estão, ainda
que indiretamente, dizendo: “Vocês não disseram que era bom consumir?
Pois bem, nós também queremos!”
P. Essa ocupação de espaços que
supostamente pertenceriam a “outros”, tanto no caso das manifestações
como no caso dos rolezinhos, parece marcar uma novidade importante. O
que está acontecendo?
R. Acho que a novidade está aí, mas é
difícil dizer o que está acontecendo ou o que acontecerá. Pode ser
apenas um surto – algo parecido com o que foi a revolta da vacina como
reação às propostas políticas opressoras de reforma sanitária do Rio de
Janeiro, por exemplo – ou pode ser uma nova forma de pensar os espaços
públicos e privados nas cidades brasileiras. Porém, é difícil prever. Os
rolezinhos podem ter acabado nesta semana, por exemplo. E movimentos
como os de junho não se repetiram com tanta intensidade e repercussão.
Contudo, o que movimentos como estes garantem é a possibilidade de se
tensionar essa ocupação dos espaços urbanos, amplamente negada até
então.
Aqui não foi preciso a chegada de estrangeiros para a expressão das mais brutais formas de preconceito, pois os estrangeiros éramos nós, os brasileiros que moram em Guaianazes, Capão Redondo, Grajaú, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Vila Brasilândia...”
P. Por que este nome, rolezinho? E que significados ele contém?
R. Rolezinho
é um termo que está diretamente ligado à ideia de lazer. De sair para
se divertir e usufruir da cidade. Os pichadores, com os quais realizei
pesquisa no mestrado, também usam a ideia de rolê, para se referirem às
suas pichações. Com isso estão dizendo que pichar é dar voltas para
conhecer e se apropriar da cidade. Parece que, por este termo,
indiretamente, podemos entender uma reivindicação pelo direito de se
divertir na cidade.
P. Divertir-se na cidade não seria um ato de
insubordinação para jovens pobres e negros? Talvez até o maior ato de
insubordinação?
R. Sim, principalmente numa sociedade em que
pobres e negros têm que trabalhar – e apenas trabalhar – sem reclamar.
Lembremos de que a ROTA, no final do regime militar, atuava nas
periferias abordando os moradores e cobrando-lhes a carteira
profissional como prova de que eram trabalhadores e não vagabundos.
Devotados, portanto, ao trabalho e não à diversão. Agora, claro que
esses jovens não estão pensando exatamente nisso. Querem muito mais é se
divertir.
P. Como entender este fenômeno, que é, ao mesmo tempo, uma insubordinação e uma adesão ao sistema?
R. Acho
que a melhor palavra é paradoxo. O funk da ostentação em São Paulo é
paradoxal: não dá para situá-lo num polo ou noutro, dentro do modo
tradicional de pensar a política. Conservador ou revolucionário? Nenhum
dos dois, mas com possibilidade para os dois ao mesmo tempo.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua e A Menina Quebrada e do romance Uma Duas.
Fonte: Geledés - Instituto da Mulher Negra
sábado, 11 de janeiro de 2014
Teatro como mero entretenimento. Apenas de sexta à domingo. Diversão
passageira de fim de semana. Com ou sem pipoca. Rir um pouco. Não muito.
Passatempo. É assim que esta arte é vista no Brasil. Não está inserida
no contexto da nossa vida em sociedade. Os espaços de discussão nos
principais jornais são cada vez menores e mais rasos. E a preguiça
intelectual parece reinar. Não é à toa o sucesso de stand-ups. Não é
porque é bom. É porque é banal. É porque finge criticar, embora
só diga mais do mesmo. Mas minha questão não é essa. Na verdade não sei
se há aqui uma questão. Porque são várias. Me veio a lembrança de um
programador de um teatro de São Paulo me dizendo que de segunda à quinta
seu teatro ficaria fechado por falta de público. Falta de público numa
cidade com mais de dez milhões de habitantes? O grande público quer
musicais, me respondeu cinicamente o homem. Musicais pasteurizados.
Subprodutos americanizados. Me disse o homem. Tentei não concordar com
ele. Mas o problema é que eu concordei. Mas ainda assim, continuamos, eu
disse. Ainda assim continuamos, ele disse.
- Vinícius Piedade
- Vinícius Piedade
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Não tô sentindo dor. E deveria estar sentindo uma puta dor depois desse
puto acidente. Será que aconteceu algo mais sério? Preocupante. E sei
desse tipo de B.O. por acidentes de outros motoboys. E por falar neles,
tem um monte deles a minha volta. Aparece motoboy de tudo quanto é lado.
Até do bueiro sai motoboy pra me ajudar. Mas a sirene que ouvi era
bombeiro, então viro pro maluco que não para de repetir “não se mexa”, e
digo “ei parceiro, faz um favor?” Ele me responde “não
se mexe, não se mexe” aí eu digo “pega aqui do meu bolso um papel, é o
telefone do escritório em que trabalho. Liga lá pra secretária bilíngüe e
fala do acidente, diz que tô quase morto, quase vivo”. Ele responde
“calma, Deus vai te ajudar”. Então eu digo “antes que Deus me ajude, me
ajude você? Talvez eu nem chegue vivo no hospital pra fazer a ligação.
Esse pode ser meu último pedido”. Ele com medo da possível culpa, pega o
celular do seu bolso, o papel do meu bolso e faz a ligação.
(Verão - O motoboy, secretária e o amor, peça 4 ESTAÇÕES. Reestreia dia 24/01 às 22h no Espaço dos Satyros 1 - São Paulo).
(Verão - O motoboy, secretária e o amor, peça 4 ESTAÇÕES. Reestreia dia 24/01 às 22h no Espaço dos Satyros 1 - São Paulo).
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