sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Sobre Julião Resende



Ele sempre quis entender a vida de uma maneira torta. Talvez por medo de que tudo desse certo. Muitas pessoas estão acostumadas aos confrontos emocionais, verbais ou quaisquer outros – a paz não faz parte de seu vocabulário. E isso acontecia com Julião Resende. Os amores de suas vidas nunca lhe foram suficientes, os amigos sempre deixavam a desejar, os pais eram maus e nunca lhe trataram como esperava. Julião nunca estava satisfeito. Na verdade, se tudo estivesse bem ainda estava ruim, pois faltava sinceridade por parte de quem lhe oferecia algo. O medo de ser realmente amado atrasava sua vida, mas não se dava conta disso. Todas as companhias eram melhores que a sua, as experiências dos outros eram sempre as melhores, mas tentava diminuí-las com o seu competente sarcasmo. Um erro! Julião deixou de viver grandes histórias, de estar com pessoas maravilhosas. Menti na última sentença, ele tinha ao seu redor pessoas inenarráveis, mas não conseguia extrair delas o melhor que podiam ofertar. Está se perguntando por quê? Ele as criticava e não as dava o devido crédito. Por isso, vivia reclamando da vida, dos amores, dos amigos e familiares. Nada lhe era completo e bom. Acredito que tenha sido por isso que adquiriu aquela enxaqueca insuportável e gastrite desconfortante. Suas dores eram exageradas, talvez um reflexo de como via a vida. Uma pena! Não se pode negar que tinha um bom coração, mas não sabia transparecer seus bons sentimentos. Seus amigos sempre mediam as palavras para não magoá-lo. Estavam presos ao incomodo do aborrecimento (in)voluntário de tal cidadão. Evitavam até o elogio, que podia soar falso. Mas ainda assim, Julião os acusava de frieza e falta de sinceridade no relacionamento, apenas ele amava de verdade. Zinho, como o chamavam desde bem jovem (uma forma simplificada de Juliãozinho), não podia ficar sozinho. Não podia nem sequer um minuto refletir em sua vida que caia numa depressão profunda. Todos tinham que estar a sua disposição. Era de um ciúme ridículo. Reconhecia todos os seus defeitos, mas não tentava mudar. Afinal, as pessoas precisavam aceitá-lo como ele era. Egoísmo, talvez tenha pensado, ‘mas prefiro não comentar’, como diria a saudosa Copélia, que viaja eternamente pelo Espaço Sideral. A verdade é que cada um interpreta uma ação a sua maneira. Muitas vezes não vale a pena ficar justificando o que a pessoa não quer entender. Aliás, Zinho precisava aprender isso. Cobrava de forma a sufocar quem estava a sua volta, tinha que ser o número um sempre. Zinho tinha problemas, era visível. Algo que ainda não estava resolvido dentro dele e não sabia lidar com isso, ou como resolver a questão. Era um segredo que todos fingiam não saber. Ficou um velho ranzinza. E só foi entender, saber de verdade, que os que estavam ao seu lado realmente o admiravam, apesar de tudo, quando uma enfermeira desconhecida em seu leito de morte comentou com outra profissional de saúde que o paciente daquele quarto – que era Julião – devia no passado ter sido uma pessoa muito importante e boa, devido a quantidade de visitas que recebeu no hospital, mas aquelas visitas não eram suficientes para Zinho. Aquele comentário pesou, ele instantaneamente pôs o pé na realidade e percebeu que poderia ter sido diferente. Já era tarde. Mas morreu feliz por ver que cativou a muitos, apesar de não ter dado tempo de exteriorizar tal sentimento humildemente.

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