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Imagem: Reprodução |
Já ouvi dizer que pessoas interessantes a gente conhece ajudando a lavar louça depois da festa.
Levar o cachorro fofo para passear, puxar assunto no fumódromo, ou
abraçar estranhos amigáveis depois da terceira tequila na balada são
também situações bem favoráveis pra novas amizades. Antigamente era tudo
mais fácil e mais junto: os amigos se dividiam entre os que eu chamava
pra entrar e os que eu não chamava para entrar em casa. De tarde era
futebol de salão, “três dentro três fora”, “gol a gol”, “paredão”, às 17
horas todo mundo subia pra assistir Cavaleiros do Zodíaco, e eu
colecionava figurinhas da Copa de 94: tempo de Roger Milla, Valderrama,
Baggio. E a gente só percebe que cresceu quando não quer mais ficar em cima no beliche.
Eu acredito em um lado conveniente e ocasional, em todas as relações
amistosas que construímos. Comecei a pensar nisso nos tempos de escola,
eu era o gordinho amigão, aquele que é querido por todas as tias da
cantina, e eu realmente gostava delas, mas eu gostava um pouco mais
porque elas caprichavam no recheio do X-Tudo. E tem gente que andava
mais com o amigo que dava carona, e eu percebia que geralmente os caras
mais galãs tinham mais amigos, eram entidades “alfa”, eram como uma
publicidade conveniente pros amigos “menos bonitos” que aproveitavam as
beiradas.
O lado ocasional da amizade funciona assim: no dia da formatura você
jura – aos choros – pros colegas de colegial que tudo vai ser pra
sempre, que as bebedeiras da viagem de formatura irão se repetir, que
vocês vão se encontrar toda semana, e o tempo vai passando e você começa
a frequentar novos espaços de convivência, conhecendo novas pessoas que
vivem dilemas parecidos com o seu, que concordam com você sobre aquela
decisão imbecil que o seu chefe tomou, e talvez no curso de inglês ou na
faculdade você faça amigos que vão pegar o mesmo ônibus e frequentar as
mesmas cervejadas que você.
Aqueles de antigamente continuam ali no nosso mural de fotos dos mais
chegados, em encontros sazonais, no amigo secreto anual, no telefonema
de aniversario, nas curtidas do Facebook – aquelas que possuem subtextos
dizendo: “apesar da distância, nós ainda concordamos, e eu estou por
perto”, e não, essas amizades realmente não acabaram, mas a convivência
sim; acabou! E não, aquele tempo não volta mais. São os espaços que se fecham pro antigo para que o novo entre. Mudaram os pensamentos, mudaram as barrigas, e agora a barba é item fixo.
Percebemos que a vida é feita apenas de encontros, de minutos ou de
anos e não existe o tal pertencimento, há apenas uma caixinha mágica
chamada memória, e ela é seletiva, ela sabe o melhor a guardar, e ela
tem alarmes deliciosos.
Amizade é também escolha, é quando você aprende a gostar dos outros
apesar do que eles são. E eu gosto de amigos que me mostram a
imperfeição, que desmontam o tal maniqueísmo. Tenho amigos divertidos,
engraçados e nem um pouco confiáveis no quesito guardar segredo. Eles
são menos amigos por isso? A resposta é não.
Tenho amigos que quando estão junto comigo estão inteiros, são os que
a gente passa horas conversando sem nem ver o tempo passar, mas por
outro lado são aqueles que esquecem do seu aniversario, são desligados
da coisa de procurar, são sumidos profissionais, e não, eles não são
menos amigos por isso, mantemos contato por telepatia.
Tenho amigos que passaram bons momentos da vida ao meu lado, e
através das redes sociais eu hoje vejo que mudaram radicalmente, e eles
não sabem, mas eu bato palmas pras mudanças radicais e desejo
imensamente ter participado delas. Tem também a ala dos decepcionantes,
aqueles que através de postagens e posicionamentos de timeline, vejo que
estacionaram, ficaram atados por pensamentos que considero ignorantes,
mas que apesar disso, em nome das boas lembranças, eu não deleto.
E na hora do conselho, pra quem corremos? A verdade é que sabemos
muito bem pra quem: costumamos procurar quem tem o conselho que a gente
quer ouvir naquela hora, mesmo que isso signifique procurar quem vai te
passar a mão na cabeça; isso não é aleatório. Os amigos na hora do
conselho geralmente se dividem da seguinte forma:
- O amigo “não fica assim”: aquele que ouve você despejar toda a sua vida, e tudo o que ele tem a dizer é essa frase animadora.
- O amigo “eu te avisei”: é aquele que já tinha te
alertado antes, geralmente é meio intrometido, é aquele que sempre sabe o
que é bom pros outros, sem os outros terem perguntado. Tudo o que vai
acontecer nessa conversa é a repetida manifestação de que ele sempre
esteve certo.
- O amigo “espelho”: se você disser “ que droga,
hoje está chovendo” ele vai responder “nossa que droga mesmo”, mas se
você disser “que legal, hoje está chovendo” ele vai responder “ nossa,
verdade, que legal!”.
- O amigo ladrão de assunto: é aquele umbigudo que
começa a ouvir a sua história e de repente faz uma associação pertinente
ao próprio cotidiano e te interrompe e desembesta a falar pra sempre, e
o seu problema imediatamente é engolido pelo monólogo dele, porque ele
tende a achar que os problemas dele são sempre maiores e mais
interessantes.
- O amigo que você NÃO imagina dando conselhos: é o
ogro, aquele que a gente não procura, porque só fala abobrinha, porque
só fala de futebol, porque você não imagina algo que ele possa dizer em
um momento sério.
- O amigo psicólogo: todo mundo precisa de um
desses, é aquele expert em papos cabeça, que vai te mandar o link do
“Entenda os homens” [e/ou do Pens'Antes*] com o texto-chave pro seu problema, e que mesmo que
num tenha nada de útil pra te dizer vai te ouvir atentamente, vai
esquecer dele por minutos, ou quem sabe arriscar um conselho ponderado.
Amizade é bagunça e vontade genuína. São os amigos
que provavelmente irão guardar nossos maiores segredos e não nossos
amores, é pra eles que contaremos das traições e dos arrependimentos,
sem contar as festas inesquecíveis, os momentos chaves, os beijos
acidentais. Amizade é quando a gente da aquela “curtida solitária” no post do amigo, por puro apoio moral.
* acrescentado ao texto original
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