Amizade platônica
Fiquei melhor amigo do Antonio Prata sem que ele soubesse. Li o livro
"Douglas e Outras Histórias", presente do Fernando Caruso, amigo meu que
já era melhor amigo do Prata sem que ele soubesse. Não parecia que eu
tinha lido o livro, parecia que eu tinha sentado num bar com o Prata e
ele tinha me contado o livro inteiro. E falando assim parece que foi
chato, mas não foi. Foi muito legal. Tanto é que a gente ficou melhor
amigo à primeira vista. Sem que ele soubesse, é claro.
Tive
algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de
fato, porque isso poderia abalar a nossa relação. Vai que ele tem 1,90
m. Eu não posso andar ao lado de um cara de 1,90 m. Vai parecer que eu
tenho 1,30 m. Eu sou muito criterioso em relação à altura das pessoas
com quem eu ando. Na amizade platônica, a pessoa tem a altura que você
quiser. Você só tem os benefícios da amizade, sem aquela obrigação de ir
no chá de panela ou liberar no "Candy Crush".
Caso vocês
estejam se perguntando, ele não é o meu único amigo platônico. Tenho
alguns, entre eles o Paul McCartney e o Fred do Fluminense. Mas o Prata
era o mais íntimo, mesmo.
Até que, outro dia, preparando-me pra
lançar meu segundo livro, "Ligue os Pontos", o pessoal da Companhia das
Letras sugeriu que eu e o Prata lançássemos o livro juntos. E me
mandaram o livro dele: "Nu, de Botas". E descobri que a gente não era
melhor amigo. A gente era a mesma pessoa. Li as memórias dele com a
impressão estranhíssima de que eram as minhas memórias. E eu garanto que
isso vai acontecer com você também. Por mais louca e específica que
tenha sido a vida do Prata, por mais louca e específica que tenha sido a
sua vida, quando o Prata fala da vida dele, parece que é a sua vida,
parece que ele é você e sempre foi. Volta e meia tinha que fechar as
páginas e lembrar da minha própria vida, pra não misturar com a vida
dele.
Cheguei ao Rio determinado a findar essa relação
platônica. Em primeiro lugar, é muito narcisismo você ser melhor amigo
de você mesmo. Em segundo lugar, a gente teria que se conhecer, pra
lançar o livro juntos.
Aí a gente se conheceu. E parecia que a
gente já se conhecia há muito tempo. Porque a gente já se conhecia há
muito tempo. E tem coisas que a amizade platônica não pode te dar. Ele
tem 1,69 m, igualzinho a mim. Na verdade ele tem 1,68 m e mente que tem
1,69 m. Igualzinho a mim. Viva a amizade. A platônica e as outras.
Gregorio Duvivier é ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.
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