segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Amizade platônica

Fiquei melhor amigo do Antonio Prata sem que ele soubesse. Li o livro "Douglas e Outras Histórias", presente do Fernando Caruso, amigo meu que já era melhor amigo do Prata sem que ele soubesse. Não parecia que eu tinha lido o livro, parecia que eu tinha sentado num bar com o Prata e ele tinha me contado o livro inteiro. E falando assim parece que foi chato, mas não foi. Foi muito legal. Tanto é que a gente ficou melhor amigo à primeira vista. Sem que ele soubesse, é claro.

Tive algumas oportunidades de conhecê-lo, mas preferi não chegar às vias de fato, porque isso poderia abalar a nossa relação. Vai que ele tem 1,90 m. Eu não posso andar ao lado de um cara de 1,90 m. Vai parecer que eu tenho 1,30 m. Eu sou muito criterioso em relação à altura das pessoas com quem eu ando. Na amizade platônica, a pessoa tem a altura que você quiser. Você só tem os benefícios da amizade, sem aquela obrigação de ir no chá de panela ou liberar no "Candy Crush".

Caso vocês estejam se perguntando, ele não é o meu único amigo platônico. Tenho alguns, entre eles o Paul McCartney e o Fred do Fluminense. Mas o Prata era o mais íntimo, mesmo.

Até que, outro dia, preparando-me pra lançar meu segundo livro, "Ligue os Pontos", o pessoal da Companhia das Letras sugeriu que eu e o Prata lançássemos o livro juntos. E me mandaram o livro dele: "Nu, de Botas". E descobri que a gente não era melhor amigo. A gente era a mesma pessoa. Li as memórias dele com a impressão estranhíssima de que eram as minhas memórias. E eu garanto que isso vai acontecer com você também. Por mais louca e específica que tenha sido a vida do Prata, por mais louca e específica que tenha sido a sua vida, quando o Prata fala da vida dele, parece que é a sua vida, parece que ele é você e sempre foi. Volta e meia tinha que fechar as páginas e lembrar da minha própria vida, pra não misturar com a vida dele.

Cheguei ao Rio determinado a findar essa relação platônica. Em primeiro lugar, é muito narcisismo você ser melhor amigo de você mesmo. Em segundo lugar, a gente teria que se conhecer, pra lançar o livro juntos.

Aí a gente se conheceu. E parecia que a gente já se conhecia há muito tempo. Porque a gente já se conhecia há muito tempo. E tem coisas que a amizade platônica não pode te dar. Ele tem 1,69 m, igualzinho a mim. Na verdade ele tem 1,68 m e mente que tem 1,69 m. Igualzinho a mim. Viva a amizade. A platônica e as outras.

Gregorio Duvivier é ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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