quinta-feira, 16 de julho de 2015

Nunca Mais

Miguel Falabella

Hoje estou desatando da memória as imagens de amor. 
As minhas, as nossas imagens de amor, 
porque as coisas são como são: 
no momento em que escrevo e no momento em que você lê, 
abrimos esses arquivos de imagens geradas a partir do amor, que são 
- vamos admiti-lo antes que seja tarde, 
- os nossos arquivos prediletos. 
Tudo o que realmente nos interessa está arquivado ali. 
Na câmara escura das nossas recordações. 
Imagens que vamos recolhendo vida afora. 
Elas têm nome e uma história para contar, cada uma delas. 
E nostalgia.
Nada mais é do que a  saudade da emoção vivida, 
num determinado momento que passou veloz. 
Emoções e emoções e ainda tanta emoção a ser vivida! 
Muito além dos indivíduos, além das particularidades. 
E todas essas químicas se processando no nosso corpo, 
pois há quem diga que amor nada mais é do que uma sensação provocada, 
para evitar a loucura da espécie e perpetuar o predador. 
Uma ilusão passageira, uma descarga de substâncias certas no sistema. 
Lubrificação. 
Cuidados com a máquina.

Seja lá o que for, andei tomando resoluções práticas para a existência. 
Porque nunca mais nesta vida quero ter saudade de beijo. 
Nunca mais a nostalgia daquele mundo de línguas 
dançando balé no céu das nossas bocas. 
Nunca mais!

E juro que nunca mais nesta vida quero tentar entender o amor. 
Quero deixar que ele passe por mim, como um pé de vento 
que sopra folhas e poeira num arranjo aprumado. 
Eu fico ali, no meio do redemoinho, só achando tudo muito bom. 
Depois, o amor se vai e a gente continua a tocar a existência. 
Assim é que deve ser.

Nunca mais nesta vida quero gente se indo. Já está de bom tamanho. 
Coração da gente vai absorvendo os golpes: 
que são muitos e de todos os lados, sempre. 
Com quase todo mundo é assim. 
De repente, as pessoas começam a ir embora, por morte matada e morrida, 
por desamor, por tristeza, por ansiedade, por medos diversos, 
seu coração vai recebendo as pancadas e uma hora dá vontade de dar um berro, 
sair vomitando as mágoas todas que a gente foi engolindo.

Nunca mais gente partindo sem motivo aparente, 
sem dar nome aos bois ou uma denúncia vazia. 
Nesta vida, nunca mais!

E nunca mais, nesta breve passagem, a palavra não dita, o gesto parado no ar, 
dissolvido antes do afago. Nunca mais a dose nossa de orgulho besta, 
a solidão das noites perdidas por amor desenganado, o coração parado, à espreita. 
Isso, não. Quanto mais o tempo passa, mais a urgência da felicidade ilusória 
e da química do bem-estar, essas coisas todas que se operam em nossos íntimos. 
Nunca mais.

Nunca mais um dia atirado ao nada, 
nunca mais o verbo que não se completa, 
todas as palavras que não foram ditas - verdades -, todas elas, 
uma após a outra, formando frases, pensamentos, sentimentos, 
amor costurando o texto, 
que é linha que não refuga de jeito nenhum.

Nunca mais!
O coração se magoando todo o dia,
a gente engolindo sapos e lagartos e se esquecendo 
de que é capaz de mudar cada uma das histórias, 
reescrever o livro das nossas vidas. 
Uma hora mais cedo e a cena teria sido outra ou o que teria acontecido 
se você não tivesse ido àquele lugar, àquela noite,
quando o universo conspirava contra nós, ou a nosso favor?

Quem é que vai nos explicar? 
Ninguém. Ou alguém.

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