BACIA DE CEREJAS
por Mário de Andrade
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Reprodução |
"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que
futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As
primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero
estar em reuniões onde desfilam egos
inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles
admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo
para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas
alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para
administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são
imaturos. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário-geral do coral. As pessoas não debatem
conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater
rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa... Sem muitas cerejas
na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe
rir de seus tropeços, que não se encanta com triunfos, que não se
considera eleita antes da hora, que não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade! O essencial faz a vida
valer à pena. E para mim, basta o essencial! Não tenho tempo pra mais
nada. Ser feliz me consome muito."
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