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Shit happens. Merdas acontecem. Contingit
stercore, em latim. Nas melhores famílias – e nas piores também. A única
diferença é a profundidade e a maciez do monte de merda. Uns dias, a
gente pisa e mal suja a sola do chinelo. Outros dias, a única coisa que
nos resta fazer é abrir os dedos, mais ou menos naquele espírito do
clássico “está no inferno, abraça o capeta”. Afundou o pé na merda, abre
os dedinhos e deixa ela te possuir.
Pode parecer loucura – e talvez até seja –, mas a merda tem o seu
valor. E uma função social pra lá de nobre. Em primeiro lugar, ela é
adubo – ou seja, é uma propulsora da fertilidade. E é justamente por
isso que não é de se espantar que as melhores ideias geralmente surjam
quando estamos na merda. Em segundo lugar, considerando que toda merda
nada mais é do que um ex-prisioneiro agora liberto, apesar de fedida,
ela é a representação da esperança e da iniciativa. Se ela está
descontente dentro de um intestino qualquer, fará barulho até conseguir
sair. E é isso que você, cara pálida, deveria fazer toda vez que se
sentisse aprisionado – seja por um trabalho sacal ou por um
relacionamento sanguessuga.
Mas é que a gente se julga tão superior que tem certeza de que pode
controlar a merda. Esteja ela no intestino, esteja na cabeça. Agora é
hora de focar no trabalho, depois eu resolvo essa merda. Agora eu quero
descansar, depois eu dou um jeito nessa merda. Agora eu tô me
divertindo, depois eu penso nessa merda. Mas de nada adianta maturar a
merda. Seja dentro do intestino, seja dentro da cabeça, demorar a
colocá-la no mundo só vai fazer o processo ainda mais doloroso. Só vai
lhe render ou um par de hemorroidas, ou um par de noites mal dormidas.
Só vai lhe fazer morrer de constipação ou morrer de desgosto. Só vai
fazê-lo sujar as calças na frente da escola inteira e, então, entender
que já é tarde demais.
E aí a gente aprende. Quem está na merda
invariavelmente aprende. Cedo ou tarde, voluntária ou involuntariamente.
A ser mais humilde. A ser mais sincero. A ser mais solidário. A se
preocupar mais consigo mesmo. A ser mais comprometido com a própria
felicidade. Não há processo de crescimento que não envolva estar na
merda, meu amigo. Dar a volta por cima é arte. Estar na merda faz parte.
Nota da autora, que aprendeu essa historinha com uma amiga do
trabalho: Era uma vez um passarinho friorento e perdido num pasto no
inverno. Eis que uma vaca passa e caga nele. A princípio, ele fica bravo
– afinal, está afundado em merda. Mas quando a merda começa a
esquentá-lo, ele fica feliz. Tão feliz a ponto de cantar. É quando o
gato descobre o passarinho escondido na merda e o come. Morais da
história: nem sempre quem caga em você é seu inimigo. Nem sempre quem te
tira da merda é seu amigo.
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