Fabrício Carpinejar
Tenho uma predileção por uma frase de Federico Fellini: para a sombra existir, o sol deve estar a pique na cabeça.
Sem a luz, o escuro não se forma. Sem o escuro, a luz não tem sentido.
O mesmo acontece com a alegria.
Dentro da alegria mais genuína, mais intensa, mora a sombra da
tristeza. A tristeza só existe em função da alegria. É o medo de perder a
felicidade que faz com que você se esforce para mantê-la.
Não há
alegria inteira, nem tristeza pura, uma depende da outra. Podemos
transpirar euforia, mas sobreviverá uma pontinha de melancolia lá no
fundo de nosso riso. Porque mantemos a consciência de que a alegria, por
mais duradoura que seja, vai passar. Que ela logo se transformará em
nostalgia, e que não estaremos mais plenos como daquele jeito de novo – e
isso não é ruim e nem é bom, é inevitável da experiência. A tristeza
dentro da alegria nos permite pensar e entender o quanto aquele momento é
importante e que precisamos aproveitá-lo enquanto dura.
A
alegria é esta vontade de ser para sempre que termina. A tristeza vem
nos consolar a aceitar que o fim de uma lembrança não significa o fim de
nossa vida.
De igual forma, dentro da tristeza mais severa, da
depressão mais aguda, é possível notar a presença de uma alegria
discreta, retraída, tímida. Tudo pode soar péssimo, mas um abraço, um
quindim, um filme, o telefonema insistente de um amigo é capaz de nos
devolver a vontade de dar a volta por cima. A simplicidade é
terapêutica, a banalidade nos cura dos grandes males da solidão. Haverá
sempre o sol por detrás das nuvens escuras dos pensamentos suicidas. Na
sombra mais espessa de nosso temperamento, coexistem os raios solares
minúsculos do contentamento, das dádivas da rotina e dos pequenos
prazeres. Estaremos desolados com o tempo fechado e chuvoso do rosto,
não enxergando nenhuma saída, mas a alegria se conservará perto e nos
mostrará que a tristeza também passará, que é uma fase e um ciclo para
absorver separações, desentendimentos e traumas. A lágrima brilhará como
uma vidraça limpa e iluminada.
Se a tristeza é saudade dentro da alegria, a alegria é esperança dentro da tristeza. Nenhum sentimento é definitivo e completo.
A luz veste a sombra, a sombra veste a luz. A alegria costura a
tristeza, a tristeza costura a alegria. Alfaiates que se revezam no
longo pano dos dias.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p. 72
Porto Alegre (RS), 27/09/2015 Edição N°18307
Nenhum comentário:
Postar um comentário