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Fonte: Escrito por: Eduardo Benesi – Via: Entenda os Homens
Espaço com expressõs de mentes anônimas e famosas. Aqui você encontra músicas, filmes, poesias, crônicas, pesquisas, frases ou todas elas na mesma postagem. Doses diárias de reflexão para você que tem a sensibilidade de compreender que a vida é uma arte sem fim.
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Miguel Falabella
Hoje estou desatando da memória as imagens de amor.
As minhas, as nossas imagens de amor,
porque as coisas são como são:
no momento em que escrevo e no momento em que você lê,
abrimos esses arquivos de imagens geradas a partir do amor, que são
- vamos admiti-lo antes que seja tarde,
- os nossos arquivos prediletos.
Tudo o que realmente nos interessa está arquivado ali.
Na câmara escura das nossas recordações.
Imagens que vamos recolhendo vida afora.
Elas têm nome e uma história para contar, cada uma delas.
E nostalgia.
Nada mais é do que a saudade da emoção vivida,
num determinado momento que passou veloz.
Emoções e emoções e ainda tanta emoção a ser vivida!
Muito além dos indivíduos, além das particularidades.
E todas essas químicas se processando no nosso corpo,
pois há quem diga que amor nada mais é do que uma sensação provocada,
para evitar a loucura da espécie e perpetuar o predador.
Uma ilusão passageira, uma descarga de substâncias certas no sistema.
Lubrificação.
Cuidados com a máquina.
Seja lá o que for, andei tomando resoluções práticas para a existência.
Porque nunca mais nesta vida quero ter saudade de beijo.
Nunca mais a nostalgia daquele mundo de línguas
dançando balé no céu das nossas bocas.
Nunca mais!
E juro que nunca mais nesta vida quero tentar entender o amor.
Quero deixar que ele passe por mim, como um pé de vento
que sopra folhas e poeira num arranjo aprumado.
Eu fico ali, no meio do redemoinho, só achando tudo muito bom.
Depois, o amor se vai e a gente continua a tocar a existência.
Assim é que deve ser.
Nunca mais nesta vida quero gente se indo. Já está de bom tamanho.
Coração da gente vai absorvendo os golpes:
que são muitos e de todos os lados, sempre.
Com quase todo mundo é assim.
De repente, as pessoas começam a ir embora, por morte matada e morrida,
por desamor, por tristeza, por ansiedade, por medos diversos,
seu coração vai recebendo as pancadas e uma hora dá vontade de dar um berro,
sair vomitando as mágoas todas que a gente foi engolindo.
Nunca mais gente partindo sem motivo aparente,
sem dar nome aos bois ou uma denúncia vazia.
Nesta vida, nunca mais!
E nunca mais, nesta breve passagem, a palavra não dita, o gesto parado no ar,
dissolvido antes do afago. Nunca mais a dose nossa de orgulho besta,
a solidão das noites perdidas por amor desenganado, o coração parado, à espreita.
Isso, não. Quanto mais o tempo passa, mais a urgência da felicidade ilusória
e da química do bem-estar, essas coisas todas que se operam em nossos íntimos.
Nunca mais.
Nunca mais um dia atirado ao nada,
nunca mais o verbo que não se completa,
todas as palavras que não foram ditas - verdades -, todas elas,
uma após a outra, formando frases, pensamentos, sentimentos,
amor costurando o texto,
que é linha que não refuga de jeito nenhum.
Nunca mais!
O coração se magoando todo o dia,
a gente engolindo sapos e lagartos e se esquecendo
de que é capaz de mudar cada uma das histórias,
reescrever o livro das nossas vidas.
Uma hora mais cedo e a cena teria sido outra ou o que teria acontecido
se você não tivesse ido àquele lugar, àquela noite,
quando o universo conspirava contra nós, ou a nosso favor?
Quem é que vai nos explicar?
Ninguém. Ou alguém.
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Bruno, como tantos homens no começo dos trinta, vive pra sua carreira, trabalha demais e está sempre cansado. Chega em casa com o corpo tão moído e o cérebro tão entorpecido que não consegue fazer nada de útil ou produtivo a não ser se embatatar diante da TV e zapear entre seriados.
Quando fui visitá-lo, tinha acabado de comprar o DVD da primeira temporada da Super-Máquina, uma das séries mais idiotas da década de oitenta. Para assistir as aventuras de um agente secreto cabeludo que viaja pelos EUA resolvendo crimes com seu carro falante inteligente, Bruno pagou duzentos reais.
Entre confidências de fim de noite, confessou admirar minha vida. Disse querer muito ver a vida como vejo, não dar tanta importância às coisas bobas, saber relaxar mais, viver de forma simples e serena.
Respondi que viver a minha vida era muito fácil. Trabalhar menos, gastar menos, nada poderia ser mais simples. Mas tinha um preço: era preciso sair do circo de consumo. Abdicar de ser consumidor.
O DVD da Super-Máquina tinha sido comprado com duzentos reais que ele ganhara trabalhando quinze horas por dia, às vezes seis dias por semana. “Eu mereço uma diversãozinha leve!”, ele disse para si mesmo. Afinal, o DVD custara somente meia hora do seu trabalho, um sacrifício ínfimo.
Para fins de comparação, nessa época, ganhava sete reais a hora num cursinho de inglês do subúrbio. Eu teria tido que trabalhar trinta horas para comprar esse DVD.
Então, se ele trabalhasse menos e ganhasse menos, se não tivesse um trabalho com tanta pressão e com tantas responsabilidades, não teria duzentos reais dando sopa assim para gastar em besteira. Provavelmente, teria que investir esses duzentos reais em arroz, feijão, leite, batata.
Mas, por outro lado, se não trabalhasse quinze horas por dia, às vezes seis dias por semana, em um emprego massacrante que lhe sugava a alma e lhe cuspia de volta em casa completamente incapaz de qualquer atividade remotamente produtiva, ele não estaria sempre exausto e não precisaria anestesiar sua consciência assistindo DVDs de seriados idiotas.
É tudo uma coisa só, una, indivisível, duas partes inextricáveis do mesmo mecanismo: o mesmo mercado que te possibilita os meios de consumir é o que faz vocêprecisar consumir.
De um modo bem real, Bruno não tem “tempo livre”. Quando não está trabalhando, está descansando o cérebro de tanto trabalho e se preparando para poder trabalhar mais. Mesmo quando está longe do trabalho, seu tempo é sempre definido em função do trabalho.
Por Alex Castro
por Nathalí Macedo
Alguns amores modernos me assustam. Esses amores efêmeros, frágeis, superficiais. Esses amores que destoam assombrosamente do que um dia já pudemos, com todas as letras e toda a certeza, chamar de amor.
Somos a geração das selfies, do beijinho no ombro, do rei do camarote, do “promova o desapego”. A geração do egocentrismo cego. É tanta mediocridade que o amor genuíno arrumou suas trouxas e foi-se embora.
A verdade é que vivemos relações descartáveis. E se num dia o amor parece transbordar pelos poros, converte-se, vertiginosamente, em ódio ou desprezo, no momento em que a atração termina ou surge uma mínima mágoa.
Ninguém ama o outro depois que a relação deixa de ser conveniente. Pior do que isso, alguns não conseguem expressar sequer a mínima humanidade em relação àquele que julgou amar um dia. Ninguém quer que o outro seja feliz em outros braços – alguns preferem, aliás, vê-lo mendigando afeto, chorando de saudade, lamentando o fim da relação. O egocentrismo grita alto e ordena que, se o outro consegue superar o fim do relacionamento, devemos nos sentir diminuídos. Que desejar a felicidade do outro é incompatível com buscar a nossa própria felicidade. O egocentrismo cego nos diz que temos que mostrar que não nos importamos, que somos felizes e desapegados. Que temos que sorrir cada lágrima do ex.
Nesse oceano de modernidade, é bom lembrar que não são os amores não duráveis que me assombram; compreendo que a cada um assiste o direito de trocar de parceiro como quem troca de roupa, se isto lhe faz feliz. O que me assombra é a capacidade humana de converter amor em ódio, o bem querer em desprezo, o apego em maldizer. É a velocidade com que fotos românticas são substituídas por indiretas ácidas, e declarações de amor por palavras amargas e cheias de mágoa.
Temo que a geração do egocentrismo já não saiba amar nada além de si mesma. Temo que tenhamos desaprendido a, simplesmente, querer bem. A manter o respeito pelo outro quando o próprio amor já não existe. Temo que ninguém mais consiga elevar seu espírito de tal modo que o desapego passe a ser uma consequência, e não uma busca implacável, uma mentira deslavada que contamos para nós mesmos.
E que sejamos nobres o suficiente para querer bem ao outro sem que precisemos esfregar a nossa felicidade na cara de ninguém. Que cada um compreenda que estar de bem com a gente mesmo é o que importa, no fim das contas, e que querer ver o fiasco daquele que um dia já nos fez feliz não é exatamente uma atitude madura. Pior do que isso: é mesquinho. E que o fato de amarmos – no sentido humano da palavra – a quem nos fez sofrer por um instante não significa que não amamos a nós mesmos. Às vezes, pode significar justamente o contrário:Por que só distribuímos o que temos de sobra. E que um dia se possa compreender que o amor genuíno nunca deixa de existir: ele só muda de forma.
Fonte: Entenda Os Homens
POR FABRÍCIO CARPINEJAR
Obediência é sinal de abandono de relacionamento.
Você pode acreditar que o outro lado finalmente se rendeu, deu o braço a torcer, aceitou mudar seus defeitos e que agora ambos viverão em harmonia o resto dos dias.
Você pode elogiar a transformação completa do temperamento de sua companhia aos amigos e familiares:
- Está tão manso, nem discutimos mais, aceita qualquer coisa que eu diga, sem oposição, sem pegar no pé.
Mas é uma ilusão, uma miragem comportamental. É exatamente o oposto. Entenderá, então, que fingir o orgasmo nada é perto da desfaçatez de quem é capaz de simular um bom-dia.
Se o marido ou a mulher passa a concordar com tudo, nem perde tempo defendendo a sua opinião, é que já pulou para fora do casamento, preparou as malas, dividiu os bens, avisou a vizinhança do desastre conjugal.
A paz é desistência. A suspensão das discussões demarca o fim do fôlego, jamais o fim das diferenças.
Quem ama nunca termina de se entender e de produzir debates acalorados para ver quem tem razão.
Quando o par suspende sua implicância cotidiana, cessa as crises de insegurança, se deixa o outro absolutamente livre e solto para sair e voltar na hora que quiser, longe do charme da preocupação, por mais que pareça maturidade, é que acabou o amor.
Discernimento demais representa desinteresse.
O disposto a terminar parece que está feliz, mas só pretende se livrar da conversa chata o quanto antes, mesmo que tenha que mentir e contrariar suas convicções.
Não está mais encarnado ali naquela aliança. Começou a economizar sua disposição para futuros romances, não gastará energia à toa numa convivência fracassada. Virou uma ovelha de propósito, com a ambição de engrossar a lã, esperar a poda e aquecer novos corpos.
A submissão matrimonial sempre esconde o golpe de estado, a virada de mesa, a vingança. O sim e o ok compulsivos são disfarces.
O marido, agora bajulador, ou a mulher, estranhamente calada, cansou de apostar na vida de casal. A ruptura acontecerá dentro de poucos meses. A despedida vive seu permanente ensaio: dormir é planejar como se despedir e o que escrever no bilhete.
Desconfie das respostas excessivamente bondosas. Talvez represente o ocaso da paciência e da esperança de uma das partes. Alguém mudou de alma e mantém o endereço por mera formalidade.
Fonte : O Globo
por Eduardo Benesi
Todo abraço tem a calmaria da camomila e o sorriso de um Girassol. Não desconfie. Deixe que os peitos se encostem. Abraços neutralizam a dor que aponta rumo ao sul. O encontro dos corações é a mais linda das simbioses. “Só não vale economizar amor pra se proteger.”
Abraço desajeitado e brusco, de quem quer mãe e pai, porque um dia faltou toque. Espeta por fora e carece por dentro. Agarra o amor e não quer soltar, não pode soltar, carência hiperbólica. Nunca julguem alguém carente. Nem todos tiveram a cor vermelha do lápis de cor.
Abraço de fim de jogo. Aquele mal entendido daquela jogada em que uma inocente canela levou a pior. Inimigos. Um jura o outro de morte, mas o juiz apita pra encerrar. E pronto, abraço de “foi treta do jogo”, valeu, falou, zerou.
Abraço de quem não tinha uma palavra melhor. De quem não sabe o que dizer, e então abraça, dizendo muito de tudo aquilo que cala. Tem gente que não tem palavras pra dar e então abraça. Aceite quem não tem palavras, mas tem abraço. Aceite quem não tem palavra, mas tem um like.
Abraço de despedida. A gente sente o adeus, sem que algum profeta nos entregue. O coração nos avisa em um disparo incontrolável. A gente apenas sabe, sem ninguém dizer. Não existe adeus, existem últimos abraços . Por isso, sempre demore pra abraçar, garanto que não dói.
Abraço de aeroporto. Um aperto. Morte em avião é manchete de jornal, então venha cá antes de virar pecinhas de um quebra cabeça de carbono. Por via das dúvidas, me de um adeus preventivo, para caso você desparecer pelo mar e eu não te achar pelo azul estilhaçado.
Abraçaço. Coisa de Caetano. Deve ser da intensidade de gente que um dia não pode voltar e “dar um laço no espaço”. A saudade era um abraço faltando entre camisas florais. Abraçaço vem com exagero, quase que quebra as vértebras. Desmonta, despenteia, desmanteiga. Quem disse que a memória não é carente?
Tem gente que mente olhando nos olhos, mas um abraço nunca mente. A gente sempre percebe a temperatura , a gente sente tudo o que dentro tem. Até a mentira diz a verdade. Abraço é melhor do que lavar roupa suja. Ao invés de remoer o passado com listas e evidências, o abraço às vezes é o melhor “de agora em diante”.
A evidência está sempre por trás de um abraço. Quem dera pudéssemos enxergar a expressão facial de alguém que está nos abraçando. Ali mora o depois do olhar. Lindo é quem abraça de olhos fechados. Mas por trás de alguns abraços existem os piores olhares. Repare no rosto de quem abraça, é cinema puro, não há esconderijo.
Abraço é suco natural. Dizer eu te amo ás vezes é suco Tang sem mexer. Amor não é o que se diz, é o que se faz. Acredite no meu abraço, não no que prometo. Abraço é um bairro como o Bixiga. Abraço é uma cidade como Bruges. Abraço é um filme como “As vantagens de ser invisível”. Abraço é quando o céu promete não chover. Abraço é uma música da Karen’O.
Eu nunca fui o melhor no futebol. Era sempre o penúltimo a ser escolhido. O último estava no banheiro. Mas, já fiz o gol da virada, em plena final. Ganhei troféu revelação. Eu nunca aprendi a dar cambalhota nem jogar truco. Eu nunca acreditei nesse papo de “a gente nunca esquece depois que aprende a andar de bicicleta”. Eu já me esqueci. Da turma, fui o último a beijar, fui criança até o último pé de amora. Eu só passei na minha terceira prova de auto-escola e do vestibular. Eu jamais acertei um número de dança, nem ganhei na loteria esportiva – jamais achei que Senegal venceria a França na Copa de 2002.
Quando brincava de super-herói, ficava sempre com o personagem que tinha menos poderes. Eu nunca enxerguei como alguém sem óculos. Seis graus de hipermetropia sempre me separaram diametralmente da realidade, até por isso nunca achava a letra E de Eduardo na sopa de letrinhas. Mas o melhor que eu tenho é o meu abraço. E mesmo que eu me esforce para ser o melhor em tudo, nada pra mim vai ser tão mágico quanto o meu empenho em abraçar com força e soprar pra longe qualquer dor que o outro tenha.
Quando tudo parece nada, quando o cometa nos parte em pedaços não coláveis, tudo o que precisamos é de uma piscina de bolinhas ou de um abraço que nos salve do fim do mundo.
Fonte: Entenda Os Homens
Imagem: Quadro Abraço 2, Romero Britto.