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Marilia Neustein
Depois de alguns minutos de conversa cheia de funções
fáticas sobre o calor, a falta de água e o trânsito, a pessoa pergunta:
“E você, tem irmãos?”. “Sim, dois. Eu sou a caçula.” Daí a pessoa, que
nem te conhece – aliás, você está conversando com ela pela primeira vez –
solta o clássico estereótipo: “Ah, nossa! Além de tudo, você é a
caçula? Tá explicado”. Como se na palavra “caçula” já estivesse
implícito um monte de conceitos: mimado, preferido, xodó, protegido.
Infelizmente, não concordo com quase nenhum deles, apesar de me esbaldar
no meu “trono” de caçula. Nasci por último, meio sem querer, os pais
tiveram de se virar, fazer um puxadinho no quarto dos irmãos, ralar para
dar aquela aumentada no orçamento e foi que foi. Tudo com muito amor e,
por que não, um pouco de mimo.
Li, em um estudo, que os filhos mais velhos têm mais
chances de ser bem-sucedidos. Que eles são mais responsáveis e que
carregariam mais peso nas costas por serem os primeiros filhos. Também
já li que o caçula é o supostamente brincalhão, o que não faz nada
sério, mas diverte as pessoas. Ou seja, nessa teoria, enquanto o
primeiro filho seria o cara que realiza, nós, os caçulas, seríamos os
“bon vivants”, os alegrinhos. Mas calma lá. Isso não é verdade. Ser
caçula realmente é muito bom em vários aspectos. Digamos que a maioria
dos pais já não tem as mesma inseguranças que tinham com o primeiro
filho. Então, o caçula tem a sorte de viver com pais mais experientes e,
muitas vezes, com irmãos (protetores ou não) que abrem os caminhos,
levando o bastão de conquistar a liberdade. O caçula, por aproveitar o
que os irmãos mais velhos já conquistaram, muitas vezes não precisa
passar por coisas pelas quais eles passaram, como, por exemplo, pais
neuróticos com o vestibular, brigas para sair à noite, ganhar a chave de
casa etc. Nesse sentido, sim, patinamos em um chão que já foi encerado
por nossos irmãos mais velhos. Ainda bem.
Maaaass quem disse que a vida do caçula é mais fácil? Ora,
nosso posto é algo que temos de conservar eternamente. Ele merece uma
manutenção diária. Ligações para os pais, mimos, dengos. Não somos
mimados, porque, desde pequenos, tivemos de aprender a respeitar o
espaço do outro e a dividir. O caçula nunca foi filho único e, portanto,
já nasce com espírito de comunidade maior. Se somos mimados é porque
também gostamos de mimar. Caçulas, nosso nome é reciprocidade.
Além do que, ser caçula tem outras dificuldades: ser a última a sair de
casa e deixar os pais com a síndrome do ninho vazio, atender as
expectativas deles que seus irmãos não tiveram paciência, estar perto em
momentos que seus irmãos já estão mais desconectados da família.
Então, não acho que os caçulas sejam
os engraçadinhos, nem exatamente os mimados. Mas desfrutamos daquele
biscoito fino da paternidade: a raspa do tacho. Quem nunca gostou de dar
uma raspada na panela só para ficar com o gostinho do que não coube na
cobertura do bolo?
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