Quando era criança, nas aulas de História,
sempre me perguntei sobre o que aconteceu com os escravos quando foram
libertos? Como aconteceu este processo de interação que temos hoje? Como foi
para o negro ser liberto, mas não ser inserido? Infelizmente, os livros de
história no Ensino Fundamental e Médio das escolas brasileiras pouco falam
disso. Ou melhor, nada falam. Omitem uma série de detalhes – uma vez que a História
é contada apenas, muitas vezes, apenas sob o ponto de vista da elite. Mas isto está mudando, ainda bem.
E mais: antes de todos estes episódios
de escravidão à abolição, como se deu esta mistura entre europeus, indígenas e negros, que
se transformou no povo brasileiro que temos hoje? Como sempre fui muito
curioso, sentia que havia uma lacuna importante no aprendizado da História
Brasileira. Por conta própria, li algumas coisas. A conclusão que cheguei é que
o Brasil não foi descoberto. O país, na verdade, foi explorado e devastado.
Houve várias chacinas e verdadeiros
genocídios à população indígena, ora escravizada, ora condenada trabalhar de
forma desumana para sobrevivência. A ganância europeia foi tanta por recursos
naturais que foi preciso importar mão de obra barata, no caso os escravos de
origem africana. Nesta época, pelo pouco que li, as tribos africanas já tinham
essa cultura da escravidão, da dominação. O mercado de escravos humanos era
lucrativo. Desta época, temos hoje o Tráfico
de Pessoas, seja por exploração sexual, seja no trabalho escravo.

No entanto, isso ficou mais
acentuado, no decorrer dos tempos, quando os europeus sugaram tudo que podia
das Américas e recorreram à África como segundo plano de exploração. Aliás,
cabe um adendo de que a América ficou dividida entre espanhóis, portugueses e
ingleses. Às outras nações europeias – isso entre o século XV e XVIII, coube a
divisão de quem ficaria com o que na África. Mas isso nunca foi respeitado. Portugueses,
ingleses, holandeses, franceses e por aí afora exploraram as regiões africanas
da maneira mais indecente: tirando a dignidade daquele povo, por meio da
violência, do preconceito e da alienação.
O lado triste da história da humanidade
é que sempre houve injustiça, preconceito, intolerância e ignorância. No
programa Esquenta, do último domingo
(03/02), Regina Casé trouxe ao palco o escritor e pesquisador da cultura
africana, Alberto da Costa e Silva. Confesso que não o conhecia. E quando descobri
os vários livros e ensaios dele sobre a relação histórica, social e cultural
entre o Brasil e África, me emocionei. Entrei em estado de êxtase.
Boa parte das minhas perguntas na
época de estudante estavam ali, principalmente depois de uma fala dele. “Todo o brasileiro que quer realmente
conhecer o Brasil precisa conhecer a África”. É impressionante como o nosso
país está entrelaçado com a cultura africana, de uma maneira tão rica e nossa
que criamos a cultura brasileira, do sincretismo religioso, à culinária e as
mais variadas expressões artísticas e musicais, como o samba. Costa e Silva
também falou do livro que o marcou e que o inspirou para que ele trilhasse esse
caminho, “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre.
Foi a partir daí que me ocorreu que
estamos vivenciando um marco na TV brasileira com a novela Lado a Lado. Pela primeira vez em um folhetim estamos discutindo a
interação entre brancos e negros, ricos e pobres numa novela de época
pós-abolição. O folhetim ainda toca em temas espinhosos como o divórcio, o
feminismo, a liberdade sexual, a politicagem e a intolerância religiosa.
Já evoluímos muito em relação a
inserção do negro e do povo indígena na sociedade, mais ainda tem muito a ser
feito. O preconceito e a discriminação ainda sobrevivem desses resquícios
socioculturais do início do século XX, de algumas vertentes da religião cristã
que não respeitam o diferente e que estimula a culpa e a falta de liberdade –
sendo que o amor ao próximo é um dos maiores ensinamentos de fé da sociedade
moderna.
Nesta terça-feira (05/02), ao
assistir Lado a Lado, e ver mais uma
vez a forma inteligente e crítica que os autores inserem os episódios
históricos pontuais da cultura afro-brasileira na trama, me emocionei e
agradeci a Deus pela oportunidade de estarmos diante de algo na TV aberta que
não só entretém, como também ensina. Que faz o negro sentir orgulho da sua
história, da sua luta, do seu passado, presente e futuro.

Foi emocionante ver o Zé Maria entrar
no campo de futebol e pedir para que o Chico
tire o pó de arroz do rosto e do corpo, se apresentando do jeito que é,
sem vergonha da sua cor. A novela está abordando sobre como o futebol chegou à
cultura brasileira que, no início, era um esporte apenas de brancos da elite. O
Chico
representa o início da trajetória de tantos atletas negros como Pelé,
Romário, Ronaldo, Neymar e tantos outros que fizeram do futebol um esporte
brasileiro, e não só de uma etnia, de uma classe. Clique aqui e entenda este episódio histórico do futebol brasileiro, que aconteceu no Fluminense.
Nunca antes na história deste Brasil,
uma novela conseguir promover tantos debates, tantos ensinamentos. Talvez seja
por isso que a audiência dela não seja alta, se compararmos com as produções
anteriores. Entender a nossa própria cultura exige uma mente aberta. Será que o
brasileiro está preparado para assumir os seus medos e preconceitos diante do
televisor?
Fotos: TV Globo / Divulgação.
Autor: Wander Veroni Maia
- Jornalista pós-graduado em Rádio e TV e especializado em mídias sociais. Editor do blog @cafecnoticias.
Fonte: http://cafecomnoticias.blogspot.com.br/2013/02/lado-lado-contribuicao-sociocultural-em.html?showComment=1360173381841