
Tudo começa com o jogo da afinidade. Na busca pela alma gêmea, uma
herança platônica através do personagem Aristófanes, procuramos insistentemente
características comuns em nós. Hábitos preferidos, interesse por leitura,
proximidade em datas especiais, pessoas de afeto em comum, grupos sociais
divergentes, filmes preferidos, músicas marcantes, cor. Desejamos ser perfeitos
um para o outro. E foi aí que o amarelo venceu. Aliás, amar era nosso elo. Era!
Usar o verbo no passado é por demais pesado. Depois de você poderia dizer que
tudo perdeu o sentido. Soa estranho, pesado e mentiroso. Declaro que acima de
tudo é mentiroso. Depois de depois de você tudo ganhou outro sentido que em
alguns momentos ainda não consigo definir racionalmente. Preciso amadurecer algumas
ideias, muitas coisas. É uma idiotice procurar uma alma gêmea. Por que será que
fizeram essa maldade de nos permitir crer nisso? A sociedade é cruel. Gosto dessa
frase de efeito. A sociedade é cruel. Ponto.
Depois de depois de você as coisas tendem a ganhar novo sentido porque
quero me livrar de tudo que me faz lembrar você. Especialmente nossas
afinidades. Especialmente. Sou obrigado a buscar por novos cantores, novas
bandas, novas literaturas, programas de TV, críticos de teatro e, até mesmo,
passar a odiar vitamina de abacate. Odiar vitamina de abacate é a mais difícil
das mudanças. Passei a usar vermelho. Estou fingindo bem que gosto. Deixei de
usar amarelo. Nossa cor preferida juntos. Com o tempo acabei descobrindo que o
vermelho me lembra mais você que o próprio amarelo. Sinto o vermelho como o
amarelo elevado ao cubo. Isso quer dizer que a intensidade de ter lembranças
suas usando o vermelho é terrivelmente pior que o uso da cor do sol. Sem contar
que fico péssimo com essa cor quente. Enfim, usar vermelho é auto sabotagem. Pois
quando faço algo que odeia te torno ainda mais presente. Por uma questão
lógica, o certo seria usar laranja. Sim! Laranja. Raciocina comigo: vermelho
menos amarelo é igual a alaranjado. Sendo assim, você cairia num limbo
perpétuo. O que não gosto subtraído pelo que amo resulta em indiferença,
esquecimento. Está decidido! A partir de amanhã meu guarda roupa estará tão
alaranjado que nunca mais sofrerei de insuficiência de Vitamina D.
O pior de tudo é ter que me reinventar. Pensa bem! Nunca me preocupei numa
paleta de cores que combine com laranja. Pelo menos vou me ocupar com algo
novo. Sou obrigado a agradecer por me abrir um novo horizonte de descobertas.
Por que será que caímos nessa história de almas gêmeas? Isso é bem desgastante.
Vou encerrar esse texto por aqui. Preciso descobrir cores que combinam com
minha nova cor predileta e separar para doação todas as peças vermelhas e
amarelas. Ainda me acerto com Platão!