
Aqui estava nessa proletária existência a garimpar boas entrevistas,
textos, vídeos e charges para elaborar uma aula dinâmica, diferente e relevante
sobre o tema que mais gosto de debater com os alunos: o preconceito racial no
Brasil. Recordei que há aproximadamente uma semana li uma reportagem sobre uma
tal consulesa francesa que deu uma aula sobre o tema num talk show brasileiro.
Eis que conheci a Sra. Alexandra Loras, figura elegante, inteligente, comedida,
sensata, sóbria em suas falas, além de uma beleza irretocável. Convidada a
contar sua história, relatou pontos importantes de sua vida que me chamaram muita
atenção. Tornara-se consulesa por seu enlace matrimonial com o cônsul francês
Damien Loras. Ao buscar outras entrevistas com tal personalidade encontro uma
participação triste e debochada num programa com três apresentadores
preconceituosos que não conseguiram esconder sua prenoção sobre o assunto em
suas falas decoradas, e quando perguntada suas opiniões sobre temas polêmicos
mudavam abruptamente o assunto. É interessante perceber que os formadores de
opinião deste país são parcela considerável dos responsáveis pela manutenção do
preconceito, segregação, marginalização da população negra. Loras relata que é
comum, no Brasil, onde a população em sua maioria é negra - e apenas 7,6% se
autodeclaram negras por falta de referência, ou auto preconceito mesmo -, seja
costumeiramente apontada na rua por desconhecidos como babá de seu filho, que
tem a pele clara. Em ocasiões formais, que por educação fica à porta recebendo
seus convidados é ‘confundida’ com a recepcionista. Mas que novidade há nessas
histórias vividas pela consulesa?! Nenhuma. Negros brasileiros passam por isso
todos os dias. Uma sociedade que usa o uniforme para separar os proletários da
elite, além do uniforme genético – se é que me entendem. Não trabalhamos
efetivamente para a igualdade racial, social. Quando se evita o debate sobre um
assunto é porque não queremos mudar o quadro atual – que o digam os casais que
evitam a conhecida DR. Alexandra traz-nos uma reflexão pertinente: Como seria o
mundo ao inverso? Como seria se nossa referência fosse a cultura negra, o
contrario do que vivemos? Se apenas o que foi realizado pelos negros fosse
considerado inteligente, bom, agradável e importante? Se todas as nossas referências
históricas, revolucionárias, científicas fossem negra? E se todas as
programações de TV fossem realizadas por negros – desenhos animados, telenovelas,
jornalismo, programas de auditórios e outros? E a única coisa que soubéssemos a
respeito dos brancos estivesse apenas em duas, ou quatro, páginas dos livros didáticos?
Imagine se a representação caucasiana na TV fosse com personagens
marginalizados, as mulheres brancas amantes dos negros ricos, a mulher branca
sendo sempre a faxineira e os homens brancos traficantes, criminosos. Imagine
156 pessoas brancas mortas por violência diariamente, cerca de 154.000 por ano.
Não seria cruel? Essa é uma pequena mostra da realidade brasileira negra hoje –
que diga-se de passagem, teve uma pequena melhora. Não conhecemos as grandes
figuras negras da nossa história, além dos músicos, atores e outros da classe
artística. Criolo, o músico, disse certa vez (aliás, minha pesquisa se iniciou
de uma entrevista dele que assisti pela enésima vez): ‘O negro é muito oprimido.
O povo é trabalhador e abusam da tragédia social que vivemos. O que nos salvou
foi a completa ignorância, o que nos salvou foi ser um ‘ninguém’ durante um
longo trajeto da nossa historia. O que nos restou foi a beleza das artes, que
para muitos é a fraqueza da alma’. Sim! Fomos e somos chicoteados literal e
figurativamente todos os dias, mas resistimos.
Retomo a indagação de Loras: como seria essa sociedade ao inverso? Uma
grande tristeza, mas faz-se necessário conquistar nosso espaço através de
cotas. Afinal, a segregação racial não permite a inserção do negro na sociedade
de maneira justa e nossa história comprova isso, não há como negar. Encerro o muito
que tenho a dizer com as palavras de Criolo, que de forma poética retrata a
realidade do negro no contexto social que estamos instalados: “Quem se
apaixona pela paixão Então, pára, de se crescer, meu bem, Pois de todo esse
amor Nenhum pedaço é teu”.
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