sábado, 5 de abril de 2014

Cuida Dela – Uma Crônica Sobre Amores Interrompidos


Rapaz, diz pra ela que o meu bom dia ainda é dela. E que, se der, outro dia a gente se esbarra e eu levo umas flores pra ela. Faz dela um porto inseguro pra não se deixar levar pela rotina da maré calma. Beija o nariz dela que ela acorda na mesma hora e ainda dá uma espreguiçada com um sorrisão de partir o meu coração por não poder mais acordar ao lado dela. Ô rapaz, cuida dela com ternura. Essa garota precisa de alguém com tempo e com todo o coração do mundo pra entender a alma dela. Deixa ela descansar a cabeça no seu ombro, mesmo que você sinta um pouco de medo de se mexer. Eu nunca consegui ficar quieto com ela do lado.
Diz pra ela que ela é meu sonho bom. E que vai ser dureza não ter ligação nenhuma no meu celular pra responder. Coloca um toque personalizado, mas não escolhe nenhuma música especial pra vocês dois, rapaz. Puxa pruma valsa que ela sabe dançar bem demais. Ela tem um jeitinho de fugir dos meus braços que dá gosto. E não cai na armadilha dela, não. Se enroscar no pescoço dela é perigoso porque você pode ficar ali por tempo demais e se esquecer de olhar bem nos olhos dela. Diz pra ela que eu sei que eles não são castanhos, rapaz. Os olhos e ela são doces como mel. Dá pra sentir no gosto do primeiro beijo na chuva. E carrega sempre um remédio pra alergia na carteira. Dá pra prevenir os olhos dela de lacrimejarem por algum motivo bobo. Cuida bem pra ela não chorar, viu?
Diz pra ela que eu guardei os ingressos do nosso primeiro cinema e que ontem tava passando o filme na Sessão da Tarde. Pergunta se ela viu e se lembrou de mim durante os comerciais. Pergunta se ela ainda discute Godard com alguém ou se gostou de algum blockbuster recente e não quis confessar. Rapaz, ela sabe de tudo no mundo. Puxa assunto com ela, mas não deixa o silêncio consumir vocês dois. Ela é tagarela demais – e boa coisa não é se ela começar a ficar quieta. Aquieta o rosto no colo dela e deixa uma barbinha rala pra ela sentir cócegas. Ah, você faz bem em levar dois edredons pra cama porque senão corre o risco de passar frio. Ela é meio egoísta durante o sono. Diz pra ela que eu sinto falta das conchinhas e que até parei de reclamar da dor nos braços. Abraça forte sempre que der e escreve uns poemas também.  Garanto que ela vai te inspirar a escrever um livro inteiro.
Ô rapaz, diz pra ela que eu soluço só de pensar em como vai ser daqui pra frente e que o meu norte foi embora junto dela. E diz também que eu reconheço que ela deve ser mais feliz com você do que comigo. Diz que eu não me conformo, mas vou tentar pensar nisso como um desvio de percurso – e que, até a gente se reencontrar, eu vou tentar garantir a felicidade dela por meio de umas dicas e recomendações que eu vou dar pra você. Ela gosta de beijos molhados e pouca agilidade na hora de se despir. O suor dela tem um gosto bom, rapaz, então não precisa – e nem pode – ter nojinho com ela. Compra cerveja ao invés de vinho e põe o chinelo dela na entrada pra ela se livrar logo do salto quando chegar. Não trabalha muito até tarde porque ela vai depender de alguma atenção sua pra ter certeza de que fez uma escolha justa em me deixar. E fala sobre música, sobre algo de blues e jazz e deixa ela sentar pra tocar piano naquele restaurante grã-fino dos Jardins. Diz pra ela que eu aprendi uma partitura pra poder me lembrar dela.
Cuida bem dela e diz pra ela que um dia a gente se encontra se ela resolver que dá pra ser feliz aqui. Mas se ela preferir ficar por aí, faz dela o seu grande amor, rapaz. Diz pra ela que a solidão só anda doce porque eu ainda penso nela. E dá um beijo de boa noite na testa dela por mim, rapaz. E não precisa dizer nada depois disso. Ela vai fechar os olhos e se lembrar de mim.

* Texto originalmente publicado no blog Entre Todas as Coisas

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Erro não muda necessidade de debate sobre violência contra a mulher, diz Ipea

Segundo Luana Pinheiro, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, o erro assumido na tarde de hoje (4) não exclui o fato de que a sociedade brasileira precisa debater os vários resultados obtidos

Por Marcelo Brandão, da Agência Brasil

O erro na divulgação de dados da pesquisa Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres não muda as conclusões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), responsável por ela. Segundo Luana Pinheiro, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, o erro assumido na tarde de hoje (4) não exclui o fato de que a sociedade brasileira precisa debater os vários resultados obtidos.
“A gente pode notar que as conclusões do relatório não são alteradas com essa correção. A gente continua tendo uma concordância alta na questão da culpabilização, uma responsabilização feminina pela violência sexual sofrida”, diz Luana.
Os fatos recentes, desencadeados depois da divulgação da pesquisa, no dia 27 de março, vão ao encontro desse pensamento. Várias mulheres se manifestaram em redes sociais, utilizando o lema “Não mereço ser estuprada”. Mais de 45 mil pessoas aderiram ao movimento no Facebook.
Com isso, a idealizadora do protesto, a jornalista Nana Queiroz, foi hostilizada também, nas mesmas redes sociais. A página do movimento na internet mostra várias opiniões de pessoas responsabilizando as mulheres que usam roupas curtas pela violência sexual que podem vir a sofrer.
“Toda repercussão que o dado gerou, mostrou uma questão latente na sociedade. A gente não está falando de uma coisa que não exista. Existe uma questão posta na sociedade brasileira. A gente viu uma reação que mostra que de fato temos um fenômeno acontecendo”, avaliou Luana. Para ela, mesmo sem o erro, existe uma série de outros dados que poderiam gerar repercussão semelhante.
Sobre o erro na divulgação dos dados, a técnica do Ipea explicou que, na avaliação da base de dados da pesquisa para produzir novas reflexões sobre os resultados, a equipe do órgão percebeu uma informação diferente da que constava no relatório. Luana explicou que se tratou de “uma troca de tabelas associadas às frases” durante a montagem do documento.
“O Ipea fez o que tinha que fazer. Identificou o erro e foi a público. Cabe à intituição, para garantir transparência e credibilidade, reconhecer o seu erro, escutar as repercussões da sociedade, aprender com isso e trabalhar para ser melhor do que foi, para que a gente consiga evoluir”, concluiu.

Fonte: Revista Forum

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Capitu traiu ou não traiu Bentinho em Dom Casmurro, de Machado de Assis?



Mestre supremo da sabedoria, me diga, Capitu traiu ou não Bentinho?
Eduarda Souto, Governador Valadares, MG

SE TRAÍSSE O MACHADO IA PEGAR…
machado2
Respostinha batata em todos os vestibulares éva: talvez. E esse é, justamente, um dos aspectos mais geniais do livro: não há como decifrar o enigma construído por Machado de Assis porque o livro traz apenas o ponto de vista de um personagem, Bentinho. “Não é possível afirmar, por meio da investigação das marcas textuais no romance, que Capitu tenha ou não tenha traído Bentinho”, explica Andrea de Barros, doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp.
Desde que foi lançado, em 1899, até a década de 60, Dom Casmurro foi lido como as memórias de um homem desiludido por ter sido traído pela mulher e pelo melhor amigo. Bentinho, o narrador, conta a história do amor por Capitu e depois a dor pela traição dela com Escobar.
Mas, no início dos anos 60, essa leitura foi modificada com a ajuda da crítica norte-americana Helen Caldwell, que escreveu o livro O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. “A partir da referência direta a Shakespeare e, especificamente, a Otelo, Caldwell leu Dom Casmurro como as memórias narradas por um homem ciumento”, explica Antônio Sanseverino, professor do Instituto de Letras da UFRGS. A comparação com Otelo é justificada: o ciúme levou Otelo a dar ouvidos a Iago e acreditar na traição de Desdêmona, que era inocente. “A partir dessa relação, pode-se ler o romance como a escrita de Bento, homem ciumento e cheio de imaginação, que condena Capitu sem ter provas e vê, em seu filho Ezequiel, a imagem de Escobar”, diz Sanseverino.
Ou seja, muitas leituras foram feitas sobre o livro, mas nenhuma levou a uma conclusão definitiva sobre o possível adultério. O que se pode afirmar é que o narrador não dá voz para Capitu e, desde o início da narrativa, dá pistas que tentam fazer o leitor duvidar do caráter da personagem.
Sanseverino traz alguns exemplos: “Bentinho diz que ela, aos 14 anos, era muito mais mulher do que ele era homem. Depois, descreve sua beleza, sem deixar de apontar a pobreza de sua condição. Não deixa de apontar sua dissimulação, quando eles são surpreendidos pelo pai dela. Ele fica atrapalhadíssimo, ela age como se nada tivesse acontecido”. Assim, como temos apenas a versão parcial de Bentinho, que acredita na traição, não há como desvendar o mistério.
Andrea, como leitora e estudiosa do autor, tem sua própria interpretação da obra: Capitu é inocente. “Bentinho era incapaz de confiar em si mesmo e em seus próprios sentimentos, portanto, como poderia confiar nos sentimentos e na força de caráter de Capitu?”, questiona.
E, cá entre nós, a discussão poderia ser o tamanho da tosquice e dabundamolice do Bentinho, né-não?

(imagem: Âtin)

Trecho do programa Espelho com Criolo