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Eu
quase sempre acho que é comigo. Aquela crítica que alguém atira
timeline abaixo, aos cuidados de ninguém. Aquelas indiretas daquele
hater disfarçado de ativista, que eu morro de preguiça, claro que são
pra me atingir! Se você se considera eclético, pior ainda. Tudo o que
falarem pode ser sobre mim. Inclusive aquelas meninas, morrendo de rir
no ônibus. Elas com certeza estão zombando do furo na minha camiseta.
Diz a sábia frase: “Para um bom paranóico, meia informação basta!”
Lembro-me de uma carta que eu recebi de uma amiga de sala, no último
dia de aula do segundo colegial. Era uma carta linda, cheias daqueles
dizeres fofos e promessas de amizade eterna. Duro foi descobrir que
outros três amigos tinham recebido essas mesmas cartas. Todas com o
mesmo texto, só mudava o destinatário. Que decepção! Eu não era
exclusivo. Aquilo não era apenas sobre mim.
Quando meu cachorro Billy – um lindo salsicha vermelinho e ranzinza –
morreu, fiquei muito triste. Precisei noticiar essa manchete trágica
aos amigos próximos. Contei a todos, esperando grandes reações. Queria
que eles chorassem a minha dor. Mas não, ninguém chorou, pelo contrário,
logo em seguida eles quiseram “falar de coisa boa”. E eu fiquei
revoltado. Que indiferença, o meu cachorro que morreu não era a coisa
mais importante do dia dos meus amigos.
Tem também aquele momento em que acontece uma tragédia na sua vida,
ou você chega transtornado no trabalho, e vê uma pitada de sadismo
naquele frenemy que vem te perguntar se você está bem. Você
percebe que na verdade a pessoa quer saber se você (não) melhorou,
talvez pra que ela se sinta superior. Você nunca reparou num tipo de
“amigo” que gosta de ver o circo pegar fogo? Que tem sempre más noticias
pra te dar, principalmente se alguém falou mal de você. Aquela pessoa
com cabeça sensacionalista, que só conta coisas ruins relacionadas a
você, e que só curte seu post quando você conta algo negativo.
Geralmente quando contamos notícias ruins às pessoas, a nossa
expectativa é que a reação delas venha com uma expressão de tristeza ou
de lamento. Pior ainda se aquele for um dia ruim pra você e ótimo para a
sua namorada. É você que deve que ficar feliz por ela, ou é ela que
deve ficar triste por você? Começa então a guerra de importâncias. Eu
tenho direito de exigir que alguém que está bem se obrigue a ficar mal
junto comigo?
Agora eu faço uma inversão estratégica. Vamos pensar em quando você
não conseguiu demonstrar que se importava, como no enterro da sua avó
querida por exemplo. Você “se programou” a vida toda para chorar naquele
dia, mas no momento-chave, as lágrimas não vieram. Aquela sua mania de
lamentar por quem não veio na sua festa ao invés de valorizar os que
compareceram de bom grado, seriam eles desimportantes? Aquele acidente
em que o ônibus esmagou uma mulher no corredor da Avenida Rebouças e
você desceu do carro só pra ver aquele corpo estirado, cheio de
vísceras, como no filme de terror, e uma multidão curiosa em volta.
Preocupação? Na morte dos Mamonas Assassinas, depois de chorar pelo
grupo, eu posso apostar que muitos tiveram uma curiosidade mórbida de
ver os restos mortais dos integrantes em sites bizarros. E claro que
torcer pelas maldades da Carminha pode. Afinal, ela não existe de
verdade, e já que ela não existe, pode matar a bel prazer, mentir e
enganar quem quiser. Louvar vilões na ficção é tão inofensivo, que ver
um personagem morrendo diante dos seus olhos não tem problema. E repare
na repórter do jornal, em como a sua expressão rígida muda da água para o
vinho. Quando ela passa de uma notícia trágica para as dicas de lazer
infantil pras férias, do lamento ao sorriso.
E aquele absurdo na Copa: a fratura do Neymar ser “mais importante”
do que o acidente com o viaduto de Belo Horizonte. Esse episódio me fez
pensar no quanto [não] choramos todos os dias por quem morre de fome ou
de frio por aí. Por todos os óbitos do mundo. Tragédias que talvez sejam
“menos” importantes porque não foram mostradas nas reportagens do
jornal. E aí fica a pergunta. Será que cabe esse tipo de comparação? O
que importa mais? Existe uma unidade de grandeza que mede se o problema x
é menor que o y. Quem decide essa métrica? Tal tragédia tem que ser
mais importante para o outro porque para você é ela é muito importante?
Asseguro a você que não se dar tanta importância pode ser um alívio, e
cuidar menos do itinerário de importâncias do outro, talvez te faça
menos hipócrita, ansioso e frustrado por expectativas. Esse texto –
antes que venham as distorções – não quer dizer que você não é
importante, ou que você nunca se importa, mas que a importância é
relativa, e que os outros provavelmente não vão se importar da forma
como você esperava. Acostume-se. Existem vezes que nós não somos
importantes, porque tudo nem sempre é sobre você, porque existem
momentos em que você também não se importa. E não, esse texto talvez não
seja sobre você, é só sobre o (não) valor das supostas importâncias.
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