Assim como, depois de
1889, Zumbi dos Palmares foi elevado a herói, Tiradentes teve sua
façanha inventada e logo, reconhecida, sendo transformada em dia de
feriado nacional.
Todos os anos, dia 21 de abril, escolas,
repartições públicas, empresas privadas, indústrias de todo tipo,
comércios e outros serviços, fecham as portas para mais um feriado
instituído pelo governo federal. Mas alguém lembra que feriado é este?
Alguns diriam: “Ora, é o ‘dia’ de Tiradentes”. Dentre estes alguns,
poucos diriam ao acrescentar que é feriado comemorativo a Tiradentes: “é
feriado de Tiradentes, aquele herói que lutou pela independência do
Brasil e foi morto e esquartejado”. A realidade mostra que ninguém sabe
quem realmente foi Tiradentes e que a população pouco sabe a respeito,
pois o feriado contenta a quase todos. Mas será que Tiradentes foi esse
herói que os livros escolares apresentam aos alunos? Será que o objetivo
de Tiradentes e dos outros inconfidentes era realmente a independência
do Brasil? Será que este “herói” morreu em 21 de abril de 1792? Será que
Tiradentes foi um herói nacional? A historiografia recente mostra que
este homem não foi nada do que dizem ser.
Uso, pois, excertos
de uma entrevista na TV Capixaba, do Espírito Santo do historiador
Clério José Borges de Sabt Anna, concedida a Marcelo Carlos em 21 de
abril de 2008:
“Joaquim José da Silva Xavier, o nosso
Tiradentes, herói nacional a partir da data da proclamação da República
era considerado um vilão até 15 de Novembro de 1889. Tiradentes foi
apenas um bode expiatório de uma revolução que estava mais preocupada
com o quinto do ouro das Minas Gerais que era enviado à Portugal.
Tiradentes nasceu na Vila de São Jose Del Rei (atual cidade mineira de
Tiradentes) em 1746, porém foi criado na cidade de Vila Rica (atual Ouro
Preto). Tiradentes era alferes, na hierarquia militar antiga, a patente
de oficial abaixo de tenente. Participaram da tentativa de derrubar o
governo português, por exemplo, dois coronéis, Domingos de Abreu Vieira e
Francisco Antônio de Oliveira Lopes, e dois poetas famosos até hoje,
Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.
A clássica
imagem de Tiradentes (de barba e cabelo comprido) é fictícia. Ele nunca
possuiu cabelos compridos, nem barba. Seja em sua época de militar
(posto em que os membros do exército devem moderar sua quantidade de
pelugem pelo rosto), seja em seu período na prisão (os pelos eram
cortados a fim de evitar piolhos), ou mesmo no momento de sua execução
(todos os condenados à forca deveriam ter a cabeça e a barba raspadas). A
lembrança de Tiradentes e de seu movimento se tornaram importantes, a
ponto de receberem interesse nacional, a partir da Proclamação da
República (15/11/1889). Nesse momento, os novos governantes (Marechal
Deodoro e Marechal Floriano) necessitavam criar um novo país, com novos
valores, novas idéias e, especialmente, uma nova história e novos
heróis, dos quais todas as pessoas deveriam se orgulhar e se submeter. A
imagem cabeluda se construiu, para se assemelhar a figura do condenado à
de Jesus Cristo, aumentando seu tom de mártir, vítima e herói bondoso.
Para fazer com que as pessoas tivessem o seguinte pensamento: "da mesma
forma que Cristo morreu pela humanidade, Tiradentes morreu para salvar o
Brasil" E todos se orgulhariam do sujeito, da terra que ele
supostamente defendeu, e procurariam espelhar-se em seu caráter
heróico.”
Tiradentes é um herói inventado.
A partir de
15 de novembro de 1889, houve um trabalho significativo por parte do
governo republicano nacional para transformar Tiradentes em herói
nacional, precursor da Independência do Brasil, caracterizando-o como
Cristo, sendo Tiradentes um ser quase sobrenatural, que apesar de todas
as imperfeições, deveria inspirar as virtudes do homem, sendo um
verdadeiro mártir, símbolo da resistência, da divisão, da independência
do Brasil. Tudo isso para substituir a figura de Dom Pedro I, que a 7 de
setembro de 1822 proclamou a independência, indispondo-se com o pai,
Dom João VI e com a terra em que havia nascido, Portugal. Queriam os
republicanos, substituir todas as figuras nacionais de relevo,
obviamente monárquicas (sistema de governo, até 1889, utilizado pelo
Brasil), por criaturas inventadas, revolucionários anarquistas, homem
fictícios, verdadeiros semideuses inexistentes.
Conforme Thais
Nívea de Lima Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais,
dissertou na Revista Brasileira de História, “há muito tempo os jornais
têm dado espaço ao tema da Inconfidência Mineira, quase sempre para a
exaltação de Tiradentes como herói e mártir, usando-o como modelo em
discursos em geral de natureza nacionalista e/ou moralista. A história
de Tiradentes passou a ocupar espaço na imprensa com o crescimento do
movimento republicano na segunda metade do século XIX e, mais ainda, com
a instalação da própria República. Desde então, artigos, poemas,
reportagens, ensaios e outras modalidades de textos têm sido publicados
prodigamente, sobretudo no momento da celebração da morte do herói, a 21
de abril”. Relata ainda “Se a Inconfidência Mineira tem sido elemento
de suporte a uma determinada construção historiográfica e a projetos e
posicionamentos políticos desde as últimas décadas do século XIX,
Tiradentes desponta como seu símbolo, síntese das idéias das quais o
movimento seria o precursor, no Brasil. Ele se tornou, talvez, o
personagem mais popular da história nacional, adquirindo contornos
heróicos e status de mito político. Apesar de muito marcada pela ação
dos republicanos e de seus interesses, a construção desse perfil de
Tiradentes não se deveu apenas a eles. Da popularidade presumida à
transformação em herói e mito político, Tiradentes percorreu um caminho
sulcado pela ambiência cultural de seu próprio tempo e pela herança
deixada por ela em tempos posteriores. Muitas de suas representações
foram, sem dúvida, construídas e manipuladas”... “Alguns poucos
trabalhos têm buscado esse manancial e têm aberto as fronteiras para os
avanços neste campo. José Murilo de Carvalho já havia indicado alguns
caminhos para a pesquisa dessa problemática, discutindo, em ‘A formação
das almas’, a construção do mito de Tiradentes pelos republicanos no
final do século XIX. Seguindo a trilha traçada por Maurice Agulhon para a
França, Carvalho tratou da apropriação, no Brasil, de um conjunto de
símbolos e mitos republicanos de matriz francesa, no processo de
estruturação da República brasileira. Inspirados por esse trabalho,
temos, já na década de 90, as análises de Eliana Dutra e de Sérgio Vaz
Alkmin, que se preocuparam, especialmente, com o processo de formulação
de uma imagem sacralizada e cristianizada da Inconfidência Mineira e de
Tiradentes, tomando como base os relatos dos frades que assistiram os
inconfidentes em seu período de prisão no Rio de Janeiro. Esse tipo de
abordagem representa, de fato, um retorno aos documentos, a valorização
de uma pesquisa empírica mais apurada, a busca de uma nova leitura, de
aspectos ainda não tratados nestas fontes que, apesar de já muito
utilizadas, ainda têm muito a revelar”. Diz ainda: “ficam claros alguns
aspectos importantes na construção do perfil heróico de Tiradentes, que
acaba por utilizar suas fraquezas, sua situação social inferior, e até
mesmo seus supostos erros, como elementos de valorização de sua pessoa e
de sua atuação. No fim, todos acabam por concordar que, pela morte, ele
superou todas as restrições, qualquer que fosse sua natureza, e fez
despontar, postumamente, todas as suas "verdadeiras" qualidades. Não é
difícil perceber as possibilidades de aceitação dessa representação — e,
também, de sua manipulação — junto ao público em geral, a partir de uma
percepção deste Tiradentes que, apesar de pobre e fraco, poderia
simbolizar as conquistas de toda uma nação.” Thais Fonseca ainda crítica
os que tentam inutilmente alimentar a estória de que Tiradentes foi
realmente um herói: “Especialmente em Minas Gerais, os jornais acabaram
por tornar-se porta-vozes de uma versão oficial da história, e de uma
posição francamente favorável à exaltação patriótica de Tiradentes.
Entre os que foram pesquisados, o único ainda remanescente, o Estado de
Minas, mantém essa postura, não obstante publique entrevistas com
historiadores da vertente revisionista, em matérias nas quais procura
polemizar as divergências historiográficas. Mas a "voz" do jornal se faz
ouvir, por meio de editoriais e de algumas colunas assinadas, dos seus
quadros fixos. E nelas, não raro, apela-se ainda para os clássicos
defensores de uma história da nação: ‘O Brasil é o único país da América
em que existe, há mais de um século, uma campanha sistemática de
desmoralização do precursor da independência.’ Essa frase de Waldemar de
Almeida Barbosa resume um dos paradoxos da historiografia brasileira.
Paradoxo que não chega a ser espantoso porque volta a comprovar o
complexo de inferioridade e síndrome de catástrofe que envolvem a
cultura nacional. Esse é o pretexto para o jornalista, ferrenho defensor
de uma representação heróica de Tiradentes, retomar sua série de
investidas contra o que ele considera paradoxos da historiografia
brasileira, ou seja, o revisionismo”.
Os que ficaram pasmos
com a desconstrução feita em relação a figura mítica de Tiradentes,
espantar-se-ão ainda mais com o estudo de Laura Pinca, no artigo
“Tiradentes, o bode expiatório” para a Associação Cultural Montfort, o
qual transcrevemos integralmente abaixo:
“Novos estudos históricos apresentam uma inconfidência mineira diferente daquela que nos narram os livros didáticos.
Embora a historiografia oficial considere a inconfidência mineira
(1789) como uma grande luta para a libertação do Brasil, o historiador
inglês Kenneth Maxwell, autor de "A devassa da devassa" (Rio de Janeiro,
Terra e Paz, 2ª ed. 1978.) que esteve recentemente no Brasil, diz que
"a conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de
oligarquias, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado
apenas como justificativa", e que objetivava, não a independência do
Brasil, mas a de Minas Gerais.
Esses novos estudos apresentam
um Tiradentes bem mudado: sem barba, sem liderança e sem glória. Segundo
Maxwell, Joaquim José da Silva Xavier não foi senão o "bode expiatório"
da conspiração. (op.cit., p. 222) "Na verdade, o alferes provavelmente
nunca esteve plenamente a par dos planos e objetivos mais amplos do
movimento." (p.216) O que é natural acreditar. Como um simples alferes
(o equivalente a tenente, hoje) lideraria coronéis, brigadeiros, padres e
desembargadores?
A Folha de S. Paulo publicou um artigo
(21-04-98) no qual se comentam os estudos do historiador carioca Marcos
Antônio Correa. Correa defende que Tiradentes não morreu enforcado em 21
de abril de 1792. Ele começou a suspeitar disso quando viu uma lista de
presença da Assembléia Nacional francesa de 1793, onde constava a
assinatura de um tal Joaquim José da Silva Xavier, cujo estudo
grafotécnico permitiu concluir que se tratava da assinatura de
Tiradentes. Segundo Correa, um ladrão condenado morreu no lugar de
Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida pela
maçonaria. Testemunhas da morte de Tiradentes se diziam surpresas,
porque o executado aparentava ter menos de 45 anos. Sustenta Correa que
Tiradentes teria sido salvo pelo poeta Cruz e Silva (maçom, amigo dos
inconfidentes e um dos juízes da Devassa) e embarcado incógnito para
Lisboa em agosto de 1792.
Isso confirma o que havia dito Martim
Francisco (irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva): que não fora
Tiradentes quem morrera enforcado, mas outra pessoa, e que, após o
esquartejamento do cadáver, desapareceram com a cabeça, para que não se
pudesse identificar o corpo.
"Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria pelo Brasil". Como só tinha uma, talvez Tiradentes tenha preferido ficar com ela.”
A proclamação da república, em 1889, iniciou a desvalorização da
história nacional, tentando seus precursores, inventar personagens e
dignificá-los para assim poderem justificar em seus atos, a grandeza de
feitos inexistentes. Mentiras que documentos contrariam. Atribui-se a
Tiradentes um falso perfil, falsos atos, quando na verdade não existe
nem mesmo a certeza de que ele tenha sido morto na data em que se
celebra o feriado nacional. 120 anos de mentira. A ele Floriano Peixoto
atribui igualmente uma célebre frase, mas que ele nunca disse (ao menos
não deixou comprovação alguma disso), mas que foi copiada tal qual a
Redentora, a Princesa Dona Isabel, disse em 1888, quando assinou a lei
Áurea: “mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar uma
raça”, adulterando-se e copiando-se a frase como sendo proferida por
Tiradentes, que teria dito: “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria
pelo Brasil”.
Diante de tantos argumentos, estudos históricos
de relevância, complicações, revisões dos textos e artigos escritos,
torna-se ridículo alimentar uma farsa que ainda se mantém pela
ignorância popular e pelas mentiras republicanas. Seria 21 de abril o
dia da Mentira?
– Texto originalmente publicado no blog “Monarquia Já”.
21 de abril deveria, sim, ser feriado. Mas um feriado em reconhecimento
à sabedoria da grande Rainha Dona Maria I de Portugal (1734-1816), que
destruiu a Inconfidência Mineira e fez com que os criminosos
inconfidentes caíssem por terra.
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